Entrevista
Entrevista a Luís Pais Antunes, presidente do Conselho Económico e Social
16 Julho 2025
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«A derrama estadual é um entrave que penaliza as empresas»



O nível de tributação «excessivamente pesado» é um dos obstáculos ao crescimento e desenvolvimento da economia. Luís Pais Antunes defende que o setor empresarial precisa de ganhar músculo e, para tal, «não é bom termos um número excessivo de micro e pequenas empresas.» Já sobre a profissão de contabilista certificado considera que se tem «engrandecido e adquirido uma centralidade maior na vida nas empresas.»


Contabilista – Iniciou funções como presidente há pouco mais de um ano, mais concretamente a 4 de julho. O interromper precoce da anterior legislatura foi um retrocesso nos trabalhos do Conselho Económico e Social (CES), enquanto órgão de consulta e de concertação social?

Luís Pais Antunes – Sim, objetivamente tratou-se de um retrocesso e uma limitação objetiva aos trabalhos do CES. Para aumentar a complexidade, gostaria de lembrar que estamos no terceiro processo de recomposição do CES nos últimos três anos. É preciso explicar que o CES «cai» sempre que há dissolução da Assembleia da República porque está ligado à duração da legislatura. O que implica, necessariamente, iniciar-se um processo de recomposição do plenário do CES, onde está a sede do poder decisório, que é sempre um processo moroso. A própria constituição das diversas comissões é outro processo que se arrasta por alguns meses. Para além disso, cria-se uma certa entropia e perturbação, porque durante todo este processo há conselheiros que já sabem que não vão continuar, etc.

Defendeu que o CES «deve ter uma maior centralidade» na decisão e definição das políticas públicas. Está a ser feito esse caminho?

As pessoas não têm a noção, mas o plenário do CES tem 76 membros que representam várias entidades e setores da sociedade, do governo às organizações sindicais e patronais, passando por entidades do setor cooperativo, autarquias, profissões liberais e universidades.  Sou defensor de um papel mais atuante do CES e das entidades nele representadas no processo de consulta e concertação nas diferentes iniciativas legislativas. Só que, como questionou, o caminho estava a ser feito, mas acabamos por regressar, uma vez mais, ao ponto de partida. O CES devia passar a ter um funcionamento equiparado ao mandato temporal definido, como já acontece com o cargo do provedor de justiça, que são quatro anos para este órgão unipessoal, independentemente da dissolução do Parlamento. 

O governo já fez saber que quer alterar a lei da greve para ter mais serviços mínimos. O tema vai estar em discussão em sede de concertação social. Teme que este seja um foco de acesa discórdia entre governo, patrões e sindicatos? 

Espero que não. Existe um consenso suficientemente alargado quanto à necessidade de corrigir alguns aspetos e algumas situações que não têm corrido particularmente bem. Penso que há condições para levar a cabo uma discussão franca, aberta e serena sobre o tema.  É preciso referir que, como o governo já sublinhou, não está a causa o direito à greve, mas sim, em determinados setores, mais delicados, como é o caso dos transportes e também do acesso a outros serviços públicos, em geral, a compatibilização dos direitos: seja o direito à greve, seja o direito dos utentes. É preciso chegar a uma conclusão sobre como podemos otimizar a definição de serviços mínimos naquelas situações que têm estado expostas a uma gestão mais difícil. Por isso, vamos aguardar pela proposta do governo. 

A reforma do Estado é, assumidamente, uma das bandeiras do executivo empossado há poucas semanas. O ministro Gonçalo Matias já disse que «não querer reduzir o Estado, mas sim combater a burocracia excessiva e simplificar procedimentos». Quais as suas expetativas sobre o possível impacto deste anúncio em áreas vitais do meio económico e social do país?

A necessidade de uma reforma do Estado é tão essencial, quanto difícil. Não acredito em soluções milagrosas, nem muito menos que seja algo que se resolva de um dia para o outro ou num curto período. A reforma do Estado é um processo, e estou em crer que a generalidade dos agentes económicos e sociais comungam da sua importância. É fundamental que o nosso Estado sirva melhor os cidadãos, seja mais amigo das empresas e diminua significativamente os níveis de burocracia – muitas vezes excessivos, desnecessários e contraproducentes. Mas não posso ter ilusões sobre a dificuldade do processo. Penso que devemos partir com algum otimismo, mas não com expetativas demasiado elevadas.

Quais serão os principais obstáculos?

Uma reforma de uma qualquer organização nunca é fácil, agora imagine o Estado, no seu todo. Há, contudo, aspetos relativamente pacíficos, ao nível da simplificação na vida das organizações, das empresas e das pessoas. Penso que será por esta dimensão que é preciso começar. 

A questão dos imigrantes tem dominado a atualidade nos últimos meses. Considera que precisamos de facto de mais pessoas para trabalhar na nossa economia ou teremos de reconfigurar o modelo económico vigente, assente na construção civil, turismo e agricultura, recrutando recursos humanos mais qualificados?

O tema da imigração tem sido, de facto, dos mais sensíveis nos últimos meses, diria mesmo nos últimos anos. O CES está plenamente envolvido neste dossiê e após a discussão no seu seio, que está em curso, emitirá um parecer sobre esta matéria. É preciso reconhecer que chegamos a uma situação insustentável, assente numa política de portas abertas e manifestação de interesse, que redundou num afluxo muito significativo, com repercussões ao nível da organização da sociedade e da prestação de serviços públicos. Evitar o descontrolo era fundamental e esse passo já foi dado. Precisa agora de ser sedimentado. Respondendo, em concreto, à questão formulada, saber se este é o modelo económico mais adequado exige uma discussão muito ampla na sociedade. É indiscutível dizer que precisamos de ter mais mão de obra imigrante. Mas sempre de forma regulada e controlada, até no interesse dos próprios imigrantes e respetivas famílias.

A longevidade é outro tema central dos nossos dias. Que impacto ao nível da qualidade de vida e da organização do trabalho terá o facto de a esperança média de vida continuar a aumentar?

A longevidade é a revolução mais silenciosa e profunda dos nossos tempos. O facto de as pessoas viverem mais anos, até significativamente mais tarde, acarreta mudanças na organização da sociedade. E vários desafios a enfrentar. Para começar, equilibrar o aumento da esperança média de vida com o número de anos de vida saudável. Constata-se que as pessoas vivem mais tempo, mas nem sempre de forma mais saudável. Mas há outros desafios a considerar. Por exemplo, o aumento do peso da longevidade na organização social. A pressão sobre os sistemas de apoio social, desde logo, as pensões de reforma. E, para concluir, a emergência da economia do cuidado, requerendo-se cuidados mais especiais e específicos. A organização do percurso de vida das pessoas é completamente diferente. Hoje vive-se até aos 80 ou mesmo aos 90 anos, quando anteriormente, as pessoas viviam até aos 50 ou 60 anos, com todas as transformações que tal implica na organização do trabalho, vida em sociedade e estilos de vida.

De que forma é que o CES pode contribuir para que o legislador e o governo criem condições e soluções para estes desafios?

Trata-se de uma área em que o CES está a desenvolver trabalho. Encontram-se em fase adiantada três estudos contratados a entidades externas, universidades, em particular, que vão suscitar pistas de reflexão para decisão subsequente, quer na área da economia do cuidado quer na área da economia da longevidade. As pessoas podem pensar que a longevidade é, em primeira análise, um custo, mas também e preciso não olvidar que tem uma implicação muito positiva ao nível de criação de riqueza, pelo facto de as pessoas viverem mais e melhor. 

Maria Luís Albuquerque disse, em recente entrevista, que o debate sobre as pensões ao nível dos estados europeus encontra-se numa fase atrasada. A comissária europeia defendeu que patrões e trabalhadores descontem para um fundo de pensões (o chamado pilar 2), sendo as regras sobre formas de investimento definidas em concertação social por cada país. Como acolhe esta ideia?

As palavras da comissária vão precisamente no sentido do debate em curso em vários países europeus e mundiais. Esse é um dos desafios mais complexos, mas, simultaneamente, dos mais necessários. Sabemos, e não é de agora, que o sistema de Segurança Social – em particular na sua componente de pensões – carece de alguns ajustamentos e adaptações. Não podemos cruzar os braços e deixar tudo como está, precisamente por causa do condicionamento gerado pelas alterações demográficas. Para simplificar coloca-se a tónica na idade da reforma, mas este debate vai muito para além disso. O que se está, neste momento a pensar, já não é em modelos alternativos, mas procurar encontrar nos modelos existentes meios complementares para fortalecer o sistema de pensões de reforma. Desde que seja feito numa concertação tão alargada quanto possível, entre os agentes económicos, os sindicatos, a sociedade civil, etc. No fundo, os que são, ao mesmo tempo, os contribuintes e beneficiários do sistema.

Cerca de 98 por cento do tecido empresarial é composto por micro, pequenas e médias empresas. Alterar o perfil da economia e das empresas passa por aumentar a dimensão média das empresas, criando escala?

O debate não é novo, creio até que passamos a fase da necessidade, para a fase da imperatividade. Temos de acalentar o objetivo de ter empresas com escala e transformar as micro em pequenas, as pequenas em médias, as médias em grandes e as grandes em muito grandes. Só assim será possível dar músculo à nossa economia. Só assim será possível proporcionar melhores condições de vida aos trabalhadores, nomeadamente pagando-lhes melhores salários. É sabido que um dos fatores que afetam a competitividade é a dimensão do setor empresarial. Não é certamente bom ter um número excessivo de micro e pequenas empresas. Temos poucas grandes empresas. Urge criar condições para que as empresas possam crescer, fortalecer-se e desenvolver-se. 

Em que medida é que a simplificação fiscal e administrativa poderia contribuir para redesenhar o perfil da nossa economia?

Temos um nível de tributação excessivamente pesado, sobretudo em comparação com nossos parceiros europeus e até do resto do mundo. Por isso, o caminho não pode ser outro: reduzir o IRC e o IRS. Estão a ser dados pequenos passos nesse sentido, mas é preciso continuar a avançar. O segundo aspeto que gostaria de enfatizar relaciona-se com os custos de contexto. Se ambicionamos uma economia a crescer mais rapidamente temos de retirar grande número de travões que se colocam às empresas e às pessoas. 

Sobre o IRC diz que é favorável a um «desagravamento com estabilidade». Quer dizer que deve ser gradual?

Essa é mais uma questão de pragmatismo, do que de princípios. Uma redução mais agressiva teria impacto mais imediato, mas suscita outras dificuldades. Por isso, defendo uma redução preferencialmente gradual, em vez de abrupta. A derrama estadual – que foi criada para resolver um problema pontual e que devia ser temporária, tornou-se permanente – é um entrave que penaliza o crescimento das empresas. Admito que do ponto de vista das finanças púbicas não seja oportuno acabar com este imposto, mas seria importante dar passos nessa direção.

O ambiente fiscal do país continua distante de ser o mais apropriado para quem quer nele investir?

Os números não indicam isso. Estamos a assistir a um reforço do nível de investimento, nomeadamente estrangeiro. Significa que há atratividade e que não tem de resultar unicamente dos níveis de fiscalidade, até porque há outros fatores a considerar. É o caso da qualidade da mão de obra, a qualidade das infraestruturas e dos serviços públicos do país, o sistema administrativo e fiscal, etc. 

Os contabilistas certificados estão presentes em todas as empresas, sendo esta uma profissão basilar da vida económica do país. De que forma podem estes profissionais ser agentes para a transformação estrutural, económica e empresarial?

Os contabilistas certificados têm vindo a ser fundamentais através dos conselhos avisados que vão dando nas empresas para as quais trabalham. Tiveram e continuam a ter um papel muito importante em tudo o que tenha a ver com acesso a fundos europeus, na montagem dos projetos, etc. Um bom conselho por parte do contabilista é uma ajuda preciosa para as empresas. Ao longo da vida tive contacto com muitos contabilistas, que foram auxiliares preciosos nas funções que fui desempenhando. 

A contabilidade como ferramenta de apoio à gestão é uma necessidade que está cada vez mais presente nas preocupações dos empresários?
Nos muitos anos em que exerci funções empresariais e de gestão, apoiei-me muito no trabalho dos profissionais da contabilidade e da fiscalidade. Não há boa gestão sem boa contabilidade. A profissão de contabilista certificado tem-se engrandecido e adquirido uma centralidade maior na vida nas empresas, especialmente para a prossecução de negócios bem geridos e bem orientados, sem esquecer uma tomada de decisão sensata.

Costuma dizer-se, ao nível dos orçamentos de Estado, que a manta é curta e é preciso fazer escolhas. O investimento em defesa poderá beliscar o Estado Social?

É fundamental e necessário o investimento em defesa e segurança para os países europeus, onde se inclui Portugal. Estávamos desabituados a esta dimensão de perigo e risco. Não podemos nem devemos, por isso, virar as costas. É preciso transmitir a ideia que quando se fala em reforço do orçamento da defesa não estamos a falar de produzir armas, canhões e balas. Hoje é tudo visto numa perspetiva mais ampla, nomeadamente em termos da indústria e no setor da aviação, equipamentos, fardamento, drones, etc. Em resumo, temos de estar atentos e ser eficientes no investimento em proteção social, mas é preciso não esquecer que investir em defesa e segurança é também uma forma de promover a proteção social.

Como antevê esta revolução em curso, em Portugal e no mundo, chamada inteligência artificial (IA) e o modo como as sociedades se preparam para enfrentar este desafio?

A dimensão do desafio e a incerteza que o rodeia é grande. Não é fácil antecipar os impactos, em várias dimensões. Por exemplo, a IA vai gerar desafios no plano regulatório que nós ainda não conseguimos antecipar. O impacto na criação e destruição de emprego certamente existirá, mas não é a maior novidade que a IA vai trazer. Aliás, as sucessivas vagas tecnológicas têm provocado uma alteração na matriz de emprego. Costumo dar um exemplo: nos últimos 25 anos a estrutura do nosso mercado de trabalho alterou-se radicalmente, nomeadamente em termos das funções e atividades que as pessoas desempenham. Dantes existiam mais recursos humanos na construção, atualmente, há mais pessoas nas profissões relacionadas com a investigação e ciência. Dantes havia mais gente na agricultura, hoje há mais máquinas nos campos e menos recursos humanos mobilizados para o setor.  Atualmente a rapidez e velocidade das alterações é o grande traço distintivo das transformações tecnológicas, provavelmente a par com o impacto que a IA tem tido no domínio da (des)informação e da comunicação. No dia a dia já começamos a ter a noção que estamos a perder campo de manobra para as máquinas. Basta consultar uma página na internet, no computador ou no telemóvel, para passarmos a receber publicidade e notificações que depois condicionará as escolhas a fazer. Como reverso da medalha, na saúde e medicina, os benefícios já aí estão e são gigantescos. 

Qual é a sua opinião sobre a possibilidade de tributar as máquinas que substituem o trabalho humano, com as verbas a serem canalizadas para o sistema de Segurança Social, prevenindo o colapso do sistema?

Esse debate já está em curso. Tenho algumas dúvidas sobre essa ideia pelo seguinte motivo: se deslocarmos a tributação para as máquinas estamos a colocar um travão no desenvolvimento tecnológico.  O que não será positivo. Já sobre o financiamento dos sistemas de proteção social não devemos fechar portas. É preciso ir analisando e aprofundando a discussão, até encontrar soluções mais equilibradas.


Entrevista Nuno Dias da Silva | Fotos Raquel Wise 

Entrevistada publicada na Revista Contabilista n.º 302. Versão integral disponível aqui

PERFIL

Luís Pais Antunes nasceu em Coimbra, a 20 de agosto de 1957. Iniciou funções como presidente do Conselho Económico e Social, um órgão constitucional de consulta e concertação social, a 4 de julho do ano passado. Advogado desde 1982, foi membro do Serviço Jurídico da Comissão Europeia e referendário do Tribunal da União Europeia, diretor-geral da Concorrência e Preços, conselheiro do CES, secretário de Estado (Adjunto e do Trabalho) nos XV e XVI Governos, deputado à Assembleia da República, presidente do Tribunal Arbitral do Desporto e vogal da direção nacional da Cruz Vermelha Portuguesa e do conselho diretivo do Fórum para a Competitividade. Integrou, na qualidade de árbitro presidente, o colégio arbitral que funciona no âmbito do CES, em sede da arbitragem obrigatória e da arbitragem necessária previstas no Código do Trabalho. Foi presidente do conselho de administração da PLMJ Advogados, de que foi sócio durante 25 anos, tendo exercido funções docentes, como professor convidado, em várias universidades portuguesas.