PT28549 - IRC / Modelo 22
Abril, 2025
No ano de 2024, numa determinada empresa, ocorreu um acidente com uma viatura, do que resultou receber uma indemnização da seguradora no valor de 4 000 euros. A viatura continuou como propriedade da empresa, na oficina que a recebeu aquando do sinistro, tendo posteriormente sido vendida (mesmo avariada) e emitida fatura no valor de 1 000 euros. A referida viatura tinha sido adquirida já em estado de uso e estava totalmente depreciada. Contabilisticamente, foram feitas as regularizações que se impunham, resultando uma mais-valia fiscal e contabilística no valor dos 1 000 euros. Tendo em conta a aquisição/reinvestimento, no mesmo ano, de ativos fixos tangíveis (equipamento administrativo), há a deduzir no campo referenciado, 50% daquele valor (500 euros). Também pode ser deduzido 50% do valor da indemnização referente ao sinistro (4 000 euros), recebida da seguradora e contabilizada na respetiva conta de rendimentos? Seriam dedutíveis naquele campo mais 2 000 euros?
Parecer técnico
Na situação em análise é colocada a questão sobre o tratamento fiscal do sinistro de uma viatura, registada na entidade como ativo fixo tangível. A Adicionalmente refere-se ainda com a possibilidade de se beneficiar do regime de reinvestimento previsto no artigo 48.º do Código do IRC e qual o valor de realização que deverá ser considerado.
No caso em concreto não é referido se a viatura em causa ficou totalmente danificada. Isto porque o valor da indemnização pelo sinistro poderá ser para reparação e não por perda total. Posteriormente alienou a viatura, que pelo que entendemos nunca saiu da oficina para onde foi inicialmente para reparação.
Na questão colocada será determinante aferir se os períodos na indemnização e da venda são coincidentes e se a indemnização sobre a perda total da viatura.
Atendendo ao exposto na questão, iremos pressupor que o sinistro, a indemnização e a venda ocorreram em 2024. Por outro lado, admitimos ainda que a indemnização resultou por perda total da viatura motivo pela qual venderam a viatura.
Por forma da dependência da fiscalidade à contabilidade, prevista no artigo 17.º do CIRC, será importante aferir o tratamento contabilístico da operação.
Não sendo diretamente questionado, importa, no entanto, iniciar por referir o tratamento contabilístico desta situação está previsto nos parágrafos 64 e 65 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 7 - "Ativos Fixos Tangíveis".
O procedimento contabilístico previsto nessa norma estabelece que se devem contabilizar em separado os possíveis quatro acontecimentos, conforme se segue:
- Registar a perda por imparidade à data de balanço relativa aos danos resultantes do sinistro do item do ativo fixo tangível, para reduzir a quantia escriturada desse item para o seu valor recuperável, nos termos da NCRF 12, (para um valor inferior correspondente ao valor de uso ou ao justo valor do bem, do dois o maior);
- Registar o desreconhecimento do item (ou partes) do ativo fixo tangível se ocorreu a perda total (ou parcial) desse item no sinistro, nos termos dos parágrafos 66 a 71 da NCRF 7;
- Registar o direito de receber a compensação (indemnização), apenas quando esta se tornar recebível, nos termos do parágrafo 64 da NCRF 7, registando-se posteriormente o recebimento da compensação (indemnização) quando esta for paga pela seguradora;
- E, registar a aquisição dos novos equipamentos ou das reparações dos itens do ativo fixo tangível que continuarão em uso na atividade da empresa, pelo respetivo custo de aquisição ou de substituição, de acordo com as regras previstas no parágrafo 16 e seguintes da NCRF 7.
Estes quatro acontecimentos podem ser registados em momentos diferentes, dependendo do cumprimento dos critérios previstos na NCRF 7.
No caso em concreto não é referido que o que restou viatura ficou totalmente inutilizada pelo acidente, dando a respetiva perda total dos bens e que não existe a possibilidade da sua utilização futura, nem após reparação.
Contudo conforme referido, é esse o cenário que teremos em consideração.
Deste modo, não há que proceder ao reconhecimento de perdas por imparidade, havendo que efetuar o desreconhecimento desses itens do Balanço à data do sinistro. Porque caso não o fosse então haveria local ao registo da perda por imparidade.
Nos termos do parágrafo 66 da NCRF 7 [por remissão do parágrafo 65b], deve proceder-se ao desreconhecimento da quantia escriturada de um item do ativo fixo tangível quando não se espere futuros benefícios económicos do seu uso ou alienação.
No momento do acidente, pelo desreconhecimento dos itens do ativo fixo tangível (ou eventualmente de partes) destruídos no acidente:
Pela anulação das depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas:
- Débito da conta 438/9 - "Depreciações acumuladas/Perdas por imparidade acumuladas" por contrapartida a crédito da conta 43x
- "Ativos fixos tangíveis", pelo montante das depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas. Pelo desreconhecimento da quantia escriturada do item do ativo fixo tangível:
- Débito da conta 6872 - "Gastos e perdas em investimentos não financeiros - Sinistros" dependendo se existe uma mais ou menos valia) por contrapartida a crédito da conta 43x - "Ativos fixos tangíveis", pela quantia escriturada do item do ativo fixo tangível abatido.
No momento em que a seguradora informa que paga a indemnização:
- Débito da conta 278x - "Outros devedores e credores - Seguradora X" por contrapartida a crédito da conta 7872 - "Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - Sinistros", pela quantia a receber da seguradora (valor da indemnização) dos itens do ativo fixo tangível destruído pelo acidente.
Pelo recebimento da compensação (indemnização) da seguradora:
- Débito da conta 12 - "Depósitos à ordem" por contrapartida a crédito da conta 278x - "Outros devedores e credores - Seguradora X", pelo montante recebido;
No caso, como ainda for decidida a venda do veículo, então o registo contabilístico deve ser:
-Débito da conta 278 - "Outros devedores e credores" por contrapartida a crédito da conta 7871 - "Outros Rendimentos e Ganhos- alienação".
Em termos fiscais, este procedimento contabilístico pode trazer problemas na determinação da mais ou menos-valia, prevista do artigo 46.º do Código do IRC (CIRC), uma vez que o momento do reconhecimento da indemnização pode ser diferido no tempo em relação ao desreconhecimento do item do ativo fixo tangível a ser substituído (bem como das respetivas perdas por imparidade).
Quanto às perdas (menos-valias) reconhecidas no momento do sinistro (acidente), estas apenas são aceites como gasto fiscal nos termos do artigo 31.º-B do CIRC.
Desta forma, como o acidente implicou um abate físico dos itens do ativo fixo tangível, no mesmo período de tributação, esta perda contabilizada no período em que se verificou o acidente é aceite imediatamente em termos fiscais, mediante o cumprimento dos requisitos previstos no n.º 3 do referido artigo 31.º-B do CIRC.
Em termos fiscais, no abate da viatura, classificada como ativo fixo tangível, deverá ser determinada a mais-valia ou menos-valia nos termos do artigo 46.º e seguintes do Código do IRC. No caso estamos perante uma mais-valia, configurando um rendimento tributável nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IRC.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 46.º do Código do IRC, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas, decorrentes da alienação onerosa de bens do ativo fixo tangível, bem como os decorrentes de sinistros.
No n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC consta que "... as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A...".
Para efeitos da determinação do valor de realização que será o ponto crucial da questão, deveremos nos reportar ao n.º 3 do artigo 46.º do CIRC, que mais uma vez reiteramos admitindo a indemnização por perda total e venda, no mesmo período de tributação:
"Considera-se valor de realização:
(...)
b) No caso de expropriações ou de bens sinistrados, o valor da correspondente indemnização; (...)
g) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação"
No caso, as condições para determinar o valor de realização podem ser cumulativos, uma vez que ocorreram no mesmo período. Então por referência, teremos que o valor de realização será o valor da indemnização (4 000 €) acrescido ainda do valor da venda (1 000 €).
A mais-valia ou menos-valia resulta da diferença entre o valor de realização (valor da respetiva contraprestação recebida a título de indemnização acrescido do valor da venda, no caso o valor de 5.000 euros) e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas no artigo 31.º-B, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente.
Pelo n.º 2 do artigo 46.º e artigo 47.º, ambos do Código do IRC a fórmula de cálculo das mais-valias ou menos-valias fiscais é a seguinte:
Mvf ou mvf = VR líquido - (Vaq - Pim - Daf - Vgf) x Coef
Sendo:
Mvf - Mais-valia fiscal
mvf - Menos-valia fiscal
VR líquido - Valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes
Vaq - Valor de aquisição
Pim - Perdas de imparidade (aceites fiscalmente)
Daf - Depreciações ou amortizações (acumuladas) aceites fiscalmente
Vgf - Valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º A do Código do IRC
Coef - Coeficiente de desvalorização da moeda (Portaria do Ministro das Finanças)
A componente deste cálculo designada de Vgf - Valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A do Código do IRC, só tem relevância no cálculo da mais-valia ou menos valia, relativamente às operações sobre ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos de produção (nas condições referidas neste preceito) adquiridos em períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2014.
Pelo n.º 1 do artigo 48.º do Código do IRC, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias pode ser considerada em apenas 50% para efeitos de determinação do lucro tributável desde que haja reinvestimento do valor de realização da totalidade dos ativos.
A diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias terá de ter resultado de transmissão onerosa ou indemnização por sinistro de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis detidos por um período não inferior a um ano, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda.
O reinvestimento do valor de realização terá de ter ocorrido:
a) No período de tributação anterior ao da realização;
b) No próprio período de tributação; ou
c) Até ao fim do segundo período de tributação seguinte;
Se houver apenas reinvestimento parcial do valor de realização, o benefício de tributação em apenas 50% é aplicado à parte proporcional da diferença entre as mais-valias e as menos-valias.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º do Código do IRC, só é elegível para efeitos de reinvestimento do valor de realização as operações aquisição, produção ou construção de:
a) Ativos fixos tangíveis;
b) Ativos intangíveis;
c) Ativos biológicos que não sejam consumíveis;
De notar que, não é considerado como reinvestimento as aquisições de bens em estado de uso feitas a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.
Para os períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2014 passou também a exigir-se que os ativos em que foi concretizado o reinvestimento sejam detidos, pelo sujeito passivo por um período não inferior a um ano, sendo que esse prazo é contado do final do período de tributação em que ocorra a realização. Assim, o período de detenção obrigatório, desde a aquisição/produção/construção do ativo objeto de reinvestimento pode ser maior do que um ano de calendário.
A intenção de efetuar o reinvestimento deve ser mencionada no quadro 09 do Anexo A da IES. Igualmente, devem ser declarados neste quadro os reinvestimentos efetuados em cada período relevante.
Não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do prazo previsto (segundo período de tributação seguinte ao da realização), além de se considerar como rendimento desse período de tributação, a diferença positiva entre mais-valias ou menos-valias (ou a parte proporcional dessa diferença) que não tenha sido incluída no lucro tributável ainda há uma penalização que consiste na majoração desse valor em 15%.
Campos relevantes do Quadro 07 da Modelo 22:
- Correção das mais-valias contabilísticas (a deduzir): campo 767
- Correção das menos-valias contabilísticas (a acrescer): campo 736
- Diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais sem intenção de reinvestimento (a acrescer): campo 739
- 50% da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais com intenção expressa de reinvestimento (a acrescer): campo 740
- Diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias fiscais (a deduzir): campo 769
Assim considerando o anteriormente exposto, e respondendo concretamente à questão, pelo n.º 1 do artigo 48.º do Código do IRC, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias pode ser considerada em apenas 50% para efeitos de determinação do lucro tributável desde que haja reinvestimento do valor de realização da totalidade dos ativos, nas condições do artigo 48.º do CIRC, resultante da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias resultado da indemnização por sinistro de ativos fixos tangíveis.
Por fim, e em resposta concreta, o sujeito passivo terá de aferir a mais ou menos-valia contabilística conforme já referimos, e deduzir no campo 767. Depois calcular a mais ou valia fiscal conforme já referimos, a acrescer 50% dessa mais-valia no campo 750, admitindo que tem intenções de cumprir com as condições, nomeadamente que o valor de 5 000 € seja reinvestidos nas condições referidas no artigo 48.º do CIRC.
Sugerimos ainda verificar a reunião livre do dia 26/04/2023 a partir do 3h55m15s a abordagem a um exemplo semelhante.
A AT nunca se pronunciou sobre esse tema, pelo que aconselhamos, solicitar informação vinculativa à Direção de Serviços de IRC, nos termos do artigo 68.º da LGT, à Autoridade Tributaria, sobre o enquadramento jurídico-tributário da situação exposta.
As informações vinculativas, são requeridas ao Diretor Geral dos Impostos, através do preenchimento de um formulário e remetidas através de submissão eletrónica através do www.portaldasfinanças.gov.pt. em Informação Fiscal/Informações Vinculativas/Entregar pedido de informação vinculativa.
Nos termos do n.º 1 do artigo 68.º da LGT, o pedido deve ser obrigatoriamente acompanhado da descrição dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se requer.
Conforme determina o n.º 4 do artigo 68.º da LGT, o pedido pode ser apresentado por sujeitos passivos, outros interessados ou seus representantes legais, por via eletrónica e segundo modelo oficial a aprovar pelo dirigente máximo do serviço, e a resposta é notificada pela mesma via no prazo máximo de 150 dias.
Face ao n.º 5 do mesmo artigo, as informações vinculativas podem ser requeridas por advogados, solicitadores, revisores e técnicos oficiais de contas ou por quaisquer entidades habilitadas ao exercício da consultadoria fiscal acerca da situação tributária dos seus clientes devidamente identificados, sendo obrigatoriamente comunicadas também a estes.
A informação vinculativa é uma salvaguarda para todos os intervenientes da situação, porquanto o n.º 14 do artigo 68.º da LGT, refere que "a Administração Tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial", ou seja, sendo prestada uma informação vinculativa e agindo o contribuinte em conformidade com o informado, não pode posteriormente a Administração efetuar um enquadramento jurídico-tributário diferente do informado.