Pareceres
IRS - Segurança Social
28 Abril 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRS - Segurança Social
PT28435 - janeiro de 2025

 

Determinada empresa portuguesa na área das tecnologias informáticas e com sede em Lisboa, tem um colaborador português, residente na Bélgica desde 2022, que desenvolve a atividade exclusivamente em teletrabalho. A empresa não tem sede nem estabelecimento estável na Bélgica.
Desde essa altura, os processamentos salariais têm vindo a ser efetuados com retenção na fonte à taxa de 25 por cento, como não residente, e para a Segurança Social portuguesa os normais 11 por cento.
A entidade responsável pela área da saúde na Bélgica pediu que a Segurança Social portuguesa emitisse o formulário S1. Ao solicitar esse mesmo formulário, responderam o seguinte:
«Boa tarde,
Em resposta ao seu pedido informa-se que, no caso em apreço, o senhor se encontra a residir e a exercer atividade profissional na Bélgica, em teletrabalho, por conta da empresa portuguesa.
No âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.º 883/04 a situação descrita é enquadrável na regra geral do artigo 11.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a):
Artigo 11.º - Regras gerais
1. As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente título.
3. Sem prejuízo dos artigos 12.º a 16.º:
a) A pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado-membro está sujeita à legislação desse Estado-membro;
Nesta conformidade, o senhor ficará abrangido pela segurança social belga e a entidade empregadora portuguesa deverá cumprir as suas obrigações perante a segurança social belga. Assim, a empresa portuguesa terá de dar cumprimento ao pagamento das contribuições na Bélgica, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do Regulamento n.º 987/09:
1. (?)
2. Um empregador que não tenha o centro de atividades no Estado-membro cuja legislação é aplicável, por um lado, e o trabalhador por conta de outrem, por outro, podem acordar que este último dê cumprimento às obrigações do empregador por conta deste no que respeita ao pagamento das contribuições, sem prejuízo das obrigações subjacentes do empregador. O empregador comunica tal acordo à instituição competente daquele Estado-membro. A empresa poderá fazer um acordo com a beneficiária, para o efeito, o senhor deverá informar-se junto da segurança social belga sobre os procedimentos a efetuar para regularização da situação. Mais informamos que, ficando sujeito à legislação de segurança social da Bélgica, será este o país a prestar os cuidados de saúde, pelo que não haverá lugar à emissão do formulário S1.»
Como pode a empresa portuguesa efetuar estes descontos não tendo qualquer sede ou estabelecimento estável na Bélgica? Como se processa a inscrição na Bélgica?
Relativamente ao desconto em sede de IRS, existindo uma convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e a Bélgica, se o colaborador apresentar o formulário modelo 21-RFI e certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes, pode ativar esta convenção e assim deixar de pagar a retenção em Portugal?


Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal e contributivo, no tocante à tributação de rendimentos de trabalho dependente, a um sujeito passivo residente na Bélgica, que exerce as suas funções em teletrabalho, para uma empresa portuguesa.
De acordo com a regra da territorialidade prevista no n.º 2 do artigo 15.º do Código do IRS, os não residentes são tributados em território nacional pelos rendimentos aqui obtidos.
É no artigo 18.º do Código do IRS que se identificam as diversas situações que configuram rendimentos obtidos em território nacional. Apenas os casos previstos nesta enumeração é que são suscetíveis de tributação em território nacional. Caso se esteja perante algum tipo de rendimento obtido por não residente que não conste do rol das situações elencadas, então tal rendimento não se considera abrangido pelas normas de incidência em sede de IRS.
Assim, estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS que os rendimentos do trabalho dependente decorrentes de atividades exercidas em território nacional, ou quando tais rendimentos sejam devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento, são considerados rendimentos obtidos em território nacional.
Assim, mesmo tratando-se de rendimentos obtidos por um residente na Bélgica por trabalho exercido na Bélgica, desde que esses rendimentos sejam pagos por uma empresa com residência em Portugal, e desde que esta não possua qualquer estabelecimento estável na Bélgica, esses rendimentos consideram-se obtidos em território português, neste caso, por um sujeito passivo não residente.
Sendo este rendimento de trabalho dependente pago por sociedade portuguesa, então, encontra-se abrangido pelas normas de incidência em sede de IRS. Este tipo de rendimento é tributado à taxa liberatória de 25 por cento conforme resulta do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 71.º do Código do IRS.
No entanto, de acordo com a redação dada aos números 5 e 6 do artigo 71.º do CIRS, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (OE 2019), aos rendimentos o trabalho dependente mensalmente pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares não é aplicada qualquer retenção na fonte até ao valor da retribuição mínima mensal garantida, quando os mesmos resultem de trabalho ou serviços prestados a uma única entidade, aplicando-se a taxa aí prevista à parte que exceda esse valor.
Para o efeito, deve o titular dos rendimentos (não residente) comunicar à entidade devedora, através de declaração escrita, que não auferiu ou aufere o mesmo tipo de rendimentos de outras entidades residentes em território português ou de estabelecimentos estáveis de entidades não residentes neste território.
De referir, assim, que paralelamente à emissão do recibo de vencimento, assiste à entidade residente em território nacional a obrigatoriedade de entrega da modelo 30 (aprovada pela Portaria n.º 438/2004, de 30 de abril), até ao fim do segundo mês seguinte ao do pagamento ou colocação à disposição dos respetivos beneficiários, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 7 do artigo 119.º do Código do IRS, por remissão do artigo 128.º do Código do IRC.
Não obstante, quando haja lugar a efetuar retenção na fonte (sobre o valor que exceda o valor da retribuição mínima mensal garantida) devem ser entregues em guias autónomas, assinalando-se que se trata de retenções efetuadas a não residentes, sem prejuízo da análise da convenção ou acordo bilateral existente entre os países em causa.
Na ótica do trabalhador, residente na Bélgica, realçamos que não há lugar à entrega da declaração de rendimentos modelo 3, pela obtenção dos rendimentos que são, em regra, tributados mediante a aplicação de taxas liberatórias, as quais por serem «taxas de liquidação» desobrigam os seus titulares do rendimento desta obrigação.
Face ao exposto, a entidade portuguesa, ou seja, a entidade fonte do rendimento deverá dar conhecimento ao sujeito passivo, que os seus rendimentos estarão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo (nos termos acima referidos), atendendo a que poderá existir no outro Estado (na Bélgica) alguma forma de eliminar ou atenuar a dupla tributação.
Como se poderá verificar por estas regras fiscais, em termos de tributação ou residência não será de considerar a nacionalidade das pessoas que aufiram rendimentos, sendo o local habitual e a forma como os obtenham, o critério fundamental para a respetiva tributação.
Por existirem duas regras de tributação dos rendimentos nos diversos Estados poderá ocorrer uma dupla tributação sobre esses rendimentos, pois os rendimentos poderão ser tributados no país onde são obtidos (regra da territorialidade) e no país de residência da pessoa que os obtêm (regra da universalidade), quando esse país não for o mesmo.
Devido a esta situação foram criadas as convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas entre Portugal e outros Estados, com o objetivo de estabelecer uma redução ou eliminação de tributação de determinados rendimentos obtidos num Estado por residentes do outro Estado.
O mecanismo da redução ou eliminação da tributação far-se-á através da dedução ao imposto nele liquidado dum quantitativo igual ao do imposto pago no outro Estado, até ao limite da fração do imposto liquidado no Estado da residência correspondente aos rendimentos auferidos no estrangeiro, calculado antes da dedução.
O artigo 15.º da Convenção entre Portugal e a Bélgica para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, estabelece a tributação dos rendimentos do trabalho dependente, como sejam os salários, ordenados e remunerações similares obtidas.
Nos termos deste artigo, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado (na Bélgica) pelo exercício de um trabalho dependente apenas poderão ser tributados nesse Estado (na Bélgica). No entanto, se o emprego for exercido no outro Estado contratante (Portugal), as remunerações correspondentes poderão ser tributadas nesse outro Estado (Portugal).
Além disso, quando estejam cumpridas as condições cumulativa referidas no n.º 2 do citado artigo da CDT, as remunerações apenas podem ser tributadas em território belga, estado da residência do beneficiário.
Conclui-se desta forma, que atendendo às regras fiscais portuguesas, consoante alguns critérios, os rendimentos a pagar ao sujeito passivo residente na Bélgica podem estar sujeitos a IRS (quando aufiram um valor superior à retribuição mínima mensal garantida), a uma taxa liberatória de 25 por cento, podendo ainda estar sujeitos à tributação na Bélgica. No entanto, para se evitar esta dupla tributação, no caso de ser acionada a Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Bélgica, estes rendimentos de trabalho dependente poderão apenas ficar sujeitos a tributação no Estado de residência do trabalhador, uma vez que as funções serão unicamente exercidas na Bélgica.
Para ser acionada a Convenção, o trabalhador deverá entregar o formulário modelo 21-RFI preenchido e assinado pelo beneficiário do rendimento, acompanhado do certificado de residência fiscal emitido pelas entidades competentes do seu Estado de residência (Administração Fiscal belga).
Assim, caso o trabalhador comprove a residência fiscal na Bélgica, e estejam reunidos os critérios cumulativos do n.º 2 do artigo 15.º da CDT, a entidade portuguesa, pagadora dos rendimentos, não deverá efetuar retenção na fonte, uma vez que o referido artigo 15.º da Convenção, neste caso concreto, atribui a exclusividade de tributação ao Estado de residência (na Bélgica).
Em relação à Segurança Social, nos termos do Regulamento (CEE) n.º 1 408/71, e regulamentos modificativos posteriores, a pessoa que exercer uma atividade assalariada no território de um Estado-membro está sujeita, em princípio, à legislação de Segurança Social deste Estado, mesmo que resida no território de outro Estado-membro ou mesmo que a empresa ou entidade patronal que emprega essa pessoa tenha a sua sede ou domicílio no território de outro Estado-membro, conforme a alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º do referido Regulamento.
Assim, se uma empresa portuguesa contratar um trabalhador noutro Estado-membro para aí exercer atividade, será aplicável a legislação desse outro Estado-membro.
Sugerimos a consulta aos serviços da Segurança Social portuguesa e belga para o enquadramento da situação referida, bem como a consulta à administração fiscal na Bélgica para cumprimento de outras eventuais obrigações legais devido à contratação de um trabalhador na Bélgica.