Entrevista
Entrevista a Mónica Mira d’Andrade, presidente do Conselho de Supervisão
14 May 2025
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«Todos os órgãos trabalham para a mesma missão de serviço público»


A presidente do órgão mais recente nascido com o novo estatuto das ordens profissionais faz o balanço de praticamente um ano de trabalho. Em entrevista, Mónica Mira d’Andrade revela ainda que o CS deliberou fazer nova recomendação no sentido de prolongar a isenção e gratuitidade das taxas nos exames de acesso à Ordem.

Contabilista – Apesar de ser uma personalidade independente, como prevê o Estatuto da Ordem, de que forma tem acompanhado a evolução da profissão? Que conhecimento tinha desta instituição e dos seus membros?

Mónica Mira d’Andrade
– Estou em crer que qualquer cidadão português que lida, direta ou indiretamente, com estas matérias, relacionadas com as empresas, conhece a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC). E é preciso não esquecer que há um marco que foi determinante para a visibilidade desta instituição: a pandemia e a forma como impactou nas empresas e a necessidade de fazer chegar rapidamente os apoios. O trabalho dos profissionais durante o período mais agudo da covid-19 ainda hoje é recordado por muita gente. A OCC foi, nessa altura, muito importante para o tecido empresarial, em particular, mas para todos os portugueses, de uma forma geral. E eu não sou exceção. A minha formação é em Direito e todo os dias eram publicados diplomas que eu conseguia interpretar, mas como era em grande volume, com elevada complexidade e difícil aplicação prática, e nesse caso concreto a Ordem, através da bastonária, fizeram um trabalho excecional e «entraram pela casa de toda a gente.» De forma expedita, ajudou a resolver os problemas das empresas, dos empresários e dos trabalhadores. Essa exposição gerou confiança na opinião pública o que faz com que, frequentemente, a instituição seja chamada a ter um papel interventivo em múltiplos aspetos da vida económica e social, e também ao nível das instituições políticas. Para além disso, há dois anos e meio iniciei uma colaboração com esta instituição, no papel de formadora, no âmbito da contratação pública, que é uma matéria de Direito. Foi um contributo para os membros no âmbito do plano de formação que decorreu até assumir as funções nos órgãos da OCC.

Que balanço faz destes meses que leva como presidente do CS, um dos novos órgãos criado com as alterações estatutárias?

Faço um balanço muito positivo. Trata-se de um órgão novo que decorre da última revisão do diploma das associações públicas profissionais e da alteração estatutária, em consonância. Com a criação do CS o legislador pretendeu garantir uma maior transparência, controlo democrático e não corporativo sobre o funcionamento das ordens, promovendo o interesse público e a missão que está subjacente ao trabalho destas instituições. O CS é um mecanismo de fiscalização interna dos órgãos, assegurando que existe o cumprimento das normas legais e estatutárias. Para além disso, o desempenho desta função é algo que me enche de orgulho. Quero salientar os cinco colegas que comigo trabalham neste órgão: dois contabilistas certificados (Luís Caetano e Ângela Silva) e outros dois que proveem da área académica (Clotilde Celorico Palma e Abílio Sousa), para além da provedora dos destinatários dos serviços, Joana Barata Lopes, que também o integra, por inerência. 

O facto de ser um órgão novo na estrutura orgânica representa uma dificuldade acrescida?

Temos a noção que este é um caminho que está a ser feito, precisamente por este ser um órgão muito recente. Estou em crer que os processos e as práticas podem sempre ser aperfeiçoados. No nosso caso, a partir do trabalho que está a ser desenvolvido, estamos a traçar um rumo e quem vier a seguir terá esta base de trabalho para, se assim o entender, reorientar ou não, esse mesmo rumo. Ao nível das tarefas realizadas, destaco o papel de acompanhamento da atividade da Ordem, dentro das nossas competências, que estão inscritas no artigo 54.º-B do Estatuto. 

Que outras ações destacaria no campo de ação do CS?

Uma das primeiras foi a aplicação do regulamento de remunerações dos órgãos sociais, que já estava publicado e aprovado pela Assembleia Representativa quando iniciámos funções, na segunda metade do ano passado. Também no âmbito da missão do CS, foram analisados os relatórios do Conselho Jurisdicional, foi feita a proposta de designação do provedor dos destinatários dos serviços, foi analisado e dado nota ao CD sobre o documento de enquadramento de instruções internas e externas da realização dos exames, nomeadamente a interligação entre várias matérias e em particular a parte prática com a vida dos contabilistas, privilegiando a capacidade de decisão e de execução de funções por parte destes profissionais. Para além disso, acompanhámos as duas fases dos exames que já decorreram, analisámos os relatos integrados intercalares publicados de julho do ano passado em diante e debruçámo-nos sobre o relatório e contas de 2024 e o plano de atividades para 2025. Apresentámos, em dezembro, o relatório anual do regulamento de remunerações e acompanhámos regular e permanentemente a legalidade e conformidade estatutária e regulamentar dos restantes órgãos sociais. Por último, mas não menos importante, fizemos a recomendação de isenção das taxas dos exames. Uma parte menos visível do trabalho, mas igualmente relevante, é o tratamento do expediente geral encaminhado para o CS e que temos de ir dando seguimento nas nossas reuniões regulares.

Segundo o estatuto, uma das competências do CS é «velar pela legalidade da atividade exercida pelos órgãos da Ordem». Como avalia a cooperação e a lógica colaborativa entre órgãos tendo em vista a apresentação das melhores práticas internas?

De forma muita positiva. Aliás, não podia ser de outra forma. O novo modelo de governação que decorre das alterações estatutárias traz consigo o CS e o provedor do destinatário dos serviços que se juntam aos órgãos sociais já existentes. Significa isto que todos trabalhamos para o mesmo propósito e para a mesma missão de interesse e serviço público, cumprindo as competências que nos são atribuídas. O CS, apesar de ter funções de fiscalização dos restantes órgãos, insere-se no modelo de governação em vigor, promovendo, pela parte que lhe toca, o melhor espírito de colaboração com os restantes órgãos da instituição, sempre no respeito das competências de cada um deles.

A provedora dos destinatários dos serviços, que já foi anteriormente entrevistada para esta revista, integra o CS por inerência, não tendo, contudo, direito a voto. Como tem sido a articulação com Joana Barata Lopes?

Somos todos órgãos sociais, mas a provedora tem como característica particular estar mais próxima de nós por pertencer, por inerência, ao CS. Aliás, faz todo o sentido que ela esteja integrada neste órgão. Ao inserir a figura do provedor dos destinatários dos serviços na orgânica das ordens, o legislador pretendeu que as instituições fossem mais abertas, mais independentes, mais transparentes e mais ligadas à defesa dos interesses dos que usam os serviços dos membros da instituição. Sendo o provedor um órgão que recebe as queixas dos utilizadores, faz sentido que os temas sobre que incidem sejam do conhecimento do CS, de forma a poder melhorar práticas e procedimentos. É um conhecimento fundamental para melhorar a nossa própria competência de fiscalização, permitindo-nos dar nota e alertar para os necessários aperfeiçoamentos em áreas concretas da instituição. 

Como presidente deste órgão fiscalizador, pode garantir que, diariamente, a missão de serviço e interesse público, o core da instituição, está salvaguardada?

Completamente. Digo-o de forma perentória e a atividade diária da Ordem, por ter o serviço público subjacente, é disso demonstrativa, tanto em prol dos membros, como, cada vez mais, em prol da sociedade. A título de exemplo, destacaria o seguinte: a  capacidade de definir normas e regulamentos, a formação profissional – muito relevante para a melhoria das capacidades técnicas dos profissionais –, a informação diária (via site, newsletters e redes sociais), as reuniões livres online e presenciais, sempre a par e passo com as novidades que, inclusive, já se tornaram uma referência para outras profissões, a multiplicidade de manuais, o apoio do consultório técnico e jurídico, a resolução de conflitos através da mediação e o trabalho da provedora dos destinatários dos serviços. Estes são apenas alguns exemplos, para não ser exaustiva.

Acompanhar regularmente a atividade formativa da Ordem, em especial a realização dos estágios de acesso à profissão, que é outra das competências do CS. A diversidade do leque formativo para candidatos e novos membros corresponde às necessidades de uma profissão em permanente reciclagem?

Sobre isso não tenho qualquer dúvida. Como disse anteriormente, no período em que fui formadora da instituição, tive o pleno conhecimento dessa diversidade formativa. Se olhar para o plano anual de formação, gizado para responder às mais diversas e abrangentes necessidades dos membros, verá que é parte da missão do interesse público da instituição por dar aos seus membros as ferramentas que lhes permita estarem melhor capacitados para o exercício das suas funções. A formação que a Ordem disponibiliza e ministra tem duas características únicas: a sua permanente atualização à realidade – não é por acaso que já está ao dispor dos contabilistas certificados uma formação sobre o ChatGPT; e, não menos importante, o facto de ser adaptativa, podendo ser frequentada por via online (nomeadamente através da plataforma CCClix) ou presencial, ficando essa escolha a cargo dos membros. Para os candidatos que ambicionam chegar a esta casa foi feito, do ponto de vista formativo, um enorme esforço para ministrar formação específica direcionada para os exames de admissão que têm de fazer e que são necessariamente desafiadores. Para o efeito, houve a necessidade de acomodar os milhares de candidatos em dezenas de turmas, disponibilizando-lhes manuais digitais.  Isto corresponde a um esforço e a uma mobilização dos recursos internos da instituição que, estou em crer, acaba por responder de forma inequívoca à questão que me formulou.

A isenção de taxas na inscrição à Ordem foi um fator importante na massiva adesão de candidatos tendo, até à data, mais de cinco mil prestado provas, tendo em vista a admissão. Sendo esta uma competência do CS, admite que possa vir a ser prolongada?

A gratuitidade recomendada pelo CS em julho foi um fator importante, mas não foi apenas isso que levou a que mais de cinco mil candidatos tivessem manifestado interesse em ser membros desta Ordem, sendo que mais de três mil já são membros de pleno direito. Explico: a formação para os três modelos correspondeu aos interesses das pessoas.  Tratou-se de uma valência positiva para atrair mais candidatos. Na reunião do CS do passado dia 22 de abril foi deliberado fazer nova recomendação à Ordem no sentido de prolongar esta isenção e gratuitidade das taxas, pelo menos durante esta terceira fase que vai iniciar-se.  Caberá agora ao CD decidir se opta por esta recomendação e, se for o caso, anunciá-la formalmente.

Atrair e reter talento é, nos dias que correm, uma preocupação central de qualquer profissão. Considera que esta atividade é apetecível para um número crescente de jovens?

Não conheço outra ordem que após a alteração dos estatutos tenha registado tantas candidaturas. Alguns dos motivos podem estar na resposta anterior, mas estou em crer que nos últimos anos a sociedade, de uma forma geral, tem-se aberto, cada vez mais, para estas temática da fiscalidade e da contabilidade. Por isso, acho que a Ordem vai também beneficiar com esta conjuntura retendo e atraindo talento de membros cada vez mais jovens. Recentemente, participei em algumas cerimónias de entrega de certificados e eram, quase todos, muito, muito jovens. Vi o brilho nos olhos e a emoção estampada nos seus rostos, orgulhosos de terem alcançado esta nova etapa do seu crescimento pessoal e profissional.

Tendo em conta a rápida e vertiginosa evolução tecnológica, consegue antever o que será o contabilista certificado dentro de uma década?

A evolução vertiginosa à boleia do digital e mais recentemente da Inteligência Artificial faz com que não devemos ousar prever o futuro. Mas há uma coisa que tenho a certeza: os contabilistas certificados vão continuar a escrever a história das empresas – que é uma frase que a bastonária costuma referir com frequência nas suas intervenções públicas. E a partir dessa história perceber as fraquezas, as ameaças e as oportunidades que se deparam às empresas. O tempo só vai reforçar a parceria, que já vai existindo, entre contabilistas e empresários. A sua inigualável capacidade técnica vai fazer com que os empresários não prescindam deste papel de consultores diários dos seus negócios, numa lógica de proximidade e entrosamento.

Entrevista Nuno Dias da Silva | Fotos Raquel Wise 

PERFIL

Mónica Mira d’ Andrade, 53 anos, é desde julho de 2024 presidente do Conselho de Supervisão da Ordem. Licenciada em Direito tem várias pós-graduações, a última em contratação pú­blica. Do seu percurso profissional consta o cargo de secre­tária-geral da Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis, adjunta em dois gabinetes ministeriais, em momentos distintos, Administração Interna e Economia, subdi­retora-geral da Direção-Geral do Consu­midor, diretora dos serviços jurídicos e de contraordenações da EMEL – onde também foi secretária da mesa da as­sembleia geral – e foi vogal do Conse­lho Fiscal da Lisboa E-NOVA. Neste momento é diretora do departamento jurídico e de recursos humanos da empresa Transportes Metropolitanos de Lisboa. Foi consultora e formadora, em representação da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) e da União Internacional das Comunicações (UIT), em vários países dos PALOP e, ainda, formadora da Ordem em contratação pública.

Entrevista publicada na Revista Contabilista n.º 300, de abril de 2025

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