Pareceres
IVA / Transmissão de bens
29 July 2025
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem

PT28563 – IVA / Transmissão de bens
Abril, 2025


Determinada sociedade tem uma viatura de mercadorias de dois lugares, em estado de fim de vida, sobre a qual deduziu IVA na aquisição. Vai ser vendida a um sucateiro pelo valor de 60 euros, que vai dar baixa da matrícula e entregar a viatura num centro de abate. A fatura é feita pelo regime normal (liquidação do IVA) ou com IVA autoliquidação, visto que vai para abate?

Parecer técnico


As questões colocadas referem-se ao enquadramento, em sede de IVA, da transmissão de um veículo em fim de vida.

No caso concreto, é referido que "determinada sociedade tem uma viatura de mercadorias de dois lugares, em estado de fim de vida, sobre a qual deduziu IVA na aquisição".

De acordo com a pergunta, esta viatura "vai ser vendida a um sucateiro pelo valor de 60 euros, que vai dar baixa da matrícula e entregar a viatura num centro de abate".

Pretende-se saber, neste sentido, o enquadramento em sede de IVA desta operação.

Ora, a transmissão de bens pertencentes ao ativo fixo tangível, realizadas por sujeitos passivos de IVA, enquadrados como tal nos termos do artigo 2.º do CIVA, são, em condições normais, operações sujeitas a este imposto, conforme decorre do n.º 1 do artigo 3.º do CIVA.

Caso o direito à dedução do IVA suportado na aquisição da viatura em análise tivesse sido vedado pela limitação prevista na alínea a) do número 1 do artigo 21.º do CIVA, a sua transmissão a título oneroso estaria, como sabemos, isenta nos termos do número 32) do artigo 9.º do CIVA.

Contudo, será preciso ter em conta que, de acordo com a pergunta, o sujeito passivo deduziu o IVA aquando da aquisição desta viatura, pelo que a sua transmissão estará, deste modo, sujeita a IVA nos termos gerais.

Feitas estas notas introdutórias, tenha-se em conta o seguinte:
Como sabemos, refere a alínea i) do número 1 do artigo 2.º do CIVA que:
"i) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que, no território nacional, sejam adquirentes dos bens ou dos serviços mencionados no anexo E ao presente Código e tenham direito à dedução total ou parcial do imposto, desde que os respetivos transmitentes ou prestadores sejam sujeitos passivos do imposto".

Assim, os adquirentes dos bens e serviços mencionados no Anexo E, que tenham direito à dedução total ou parcial do imposto, desde que os respetivos fornecedores sejam sujeitos passivos de IVA, tornar-se-ão sujeitos passivos de IVA por essa aquisição.

Chamamos desde já a atenção de que não está em causa qualquer isenção, mas, como vimos, uma inversão do sujeito passivo, que se materializa na entrega, por parte do adquirente, do IVA associado a esta operação (e não pelo fornecedor, como acontece em circunstâncias normais).

A confirmar-se este enquadramento, a liquidação do IVA que se mostre devido nessas operações deverá, deste modo, ser feita pelo sujeito passivo adquirente.

Ora, no tocante à aplicação desta regra de inversão do sujeito passivo, será preciso ter em conta quatro conceitos fundamentais: reciclagem, resíduos, desperdícios e sucata.

As primeiras duas definições começaram por constar do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, diploma que estabeleceu, inicialmente, o regime geral da gestão de resíduos e que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril e a Diretiva n.º 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de dezembro.

Contudo, salientamos que o Decreto-Lei n.º 178/2006 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, mais recentemente alterado pelo Decreto-Lei n.º 24/2024, de 26 de março, que, através do seu artigo 2.º, republicou o Regime Geral da Gestão de Resíduos, constante, atualmente, do seu Anexo I.

Salientamos, neste sentido, o disposto nas alíneas w) e aa) do artigo 3.º deste novo Regime, que referem que se entende por:
"w) «Reciclagem», qualquer operação de valorização, através da qual os materiais constituintes dos resíduos são novamente transformados em produtos, materiais ou substâncias para o seu fim original ou para outros fins, incluindo o reprocessamento de materiais orgânicos, mas excluindo a valorização energética e o reprocessamento em materiais que devam ser utilizados como combustível ou em operações de enchimento;
(...)
aa) «Resíduos», quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer".
Por outro lado, apesar de esta definição não estar explícita em nenhum diploma legal, de acordo com o dicionário Priberam, "desperdícios" são os «restos que ficam da manipulação ou fabrico de certas coisas».

Por fim, quanto à definição de "sucata", refira-se que o mesmo dicionário Priberam indica que sucata é o «nome genérico de toda a espécie de artefactos metálicos, fora de uso, que podem ser refundidos e entregue o metal de novo à indústria», ou, então, «aquilo que está inutilizado ou que tem pouco valor».

Contudo, chamamos a atenção para que o termo utilizado - sucata - gerou e continua a suscitar dúvidas e resulta, por vezes, no enquadramento errado de algumas operações e incorreta aplicação da regra de inversão do sujeito passivo.

Ainda assim, tenha-se em consideração que, para efeitos da aplicação da regra de inversão do sujeito passivo em causa, "sucata" é qualquer resíduo cuja utilização é inviável para o seu propósito inicial, sendo, porém, reciclável e passível de utilização em outros processos produtivos.

Não se considera sucata ou resíduo a mercadoria usada, mesmo que parcialmente danificada, que ainda possa ser utilizada no seu fim originário, sendo irrelevante o destino específico que lhe venha a ser dado pelo adquirente.

Ora, estas definições são importantes porque, como visto anteriormente pelo seu nome, o Anexo E do CIVA engloba, única e exclusivamente, desperdícios, resíduos ou sucatas e que, cumulativamente, sejam recicláveis. Ou seja, não ficam abrangidos pela regra de inversão os bens que sejam reutilizáveis no seu estado original.

Este entendimento é corroborado pelo ponto 7 da Informação Vinculativa referente ao Processo n.º 13158, por despacho de 2018-12-11, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação).

No caso concreto, respondendo à questão concreta, segundo entendemos do exposto, a "viatura de mercadorias de dois lugares" em causa, embora já se encontre "em estado de fim de vida", ainda se encontra apta a ser utilizada para o seu propósito originário (ou seja, como viatura), pelo que a sua transmissão, como referido, independentemente de o adquirente ser, ou não, um sucateiro, não poderá ficar abrangida pela regra de inversão prevista na alínea i) do número 1 do artigo 2.º do CIVA, pelo que caberá ao alienante proceder à liquidação do IVA que se mostre devido por esta operação.

Este entendimento é corroborado pela Informação Vinculativa referente ao Processo n.º 5801, por despacho de 2014-02-20, do SDG do IVA, por delegação do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT.

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