Pareceres
IRS - adiantamento por conta de lucros a pessoas singulares
27 Maio 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


IRS - adiantamento por conta de lucros a pessoas singulares
PT28482 - fevereiro de 2025

 


Determinada empresa pretende, ao longo do ano, receber pagamentos por conta dos dividendos, pagando em simultâneo a taxa dos 28 por cento.
Qual o tratamento contabilístico e fiscal destes pagamentos? Existe algo importante a considerar para além do pagamento da taxa liberatória? Se, no final do ano, a empresa apresentar prejuízo, quais são as consequências destes dividendos terem sido efetuados e processados?

 

Parecer técnico

 

A questão colocada refere-se com o procedimento fiscal e contabilístico referente ao adiantamento por conta de lucros a pessoas singulares.
O direito aos lucros do exercício encontra-se consagrado no artigo 217.º (sociedades por quotas) e 294.º (sociedades anónimas) ambos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), vencendo-se decorridos 30 dias sobre a deliberação de atribuição de lucros, salvo diferimento consentido pelo sócio e sem prejuízo de disposições legais que proíbam o pagamento antes de observadas certas formalidades, podendo mesmo ser deliberada, com fundamento numa situação excecional da sociedade, a extensão do prazo até mais 60 dias.
A proposta de aplicação dos resultados, elaborada pela gerência (ou administração), tem de ser aprovada em assembleia geral, a realizar no 1.º trimestre do ano seguinte (ou até ao 5.º mês seguinte, no caso de contas consolidadas e aplicação do método de equivalência patrimonial), para deliberação sobre essa aprovação das contas anuais e aplicação dos resultados.
A distribuição de lucros do exercício, por uma sociedade aos respetivos sócios, deve ser deliberada em assembleia geral de sócios, cujo objetivo seja a aprovação de contas, onde se decida a forma de aplicação dos resultados, devendo a mesma ficar lavrada em ata.
Nesta assembleia geral não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício, que seja considerado distribuível nos termos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), exceto se existir alguma cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos do capital social representado na assembleia geral, que permita uma distribuição diferente ou a retenção desses resultados na sociedade (eventualmente como reservas livres), conforme previsto no artigo 217.º do CSC.
Os lucros do exercício apenas se tornam distribuíveis se existir algum excesso após os primeiros destinos que os sócios lhes atribuírem na data de aprovação das contas e aplicação dos resultados.
Efetivamente, em primeiro lugar, os lucros do exercício devem ser destinados à cobertura de prejuízos transitados, e após não existirem mais prejuízos transitados (ou se não existirem de todo) devem ser destinados à constituição da reserva legal ou de reservas estatutárias, conforme as regras previstas no n.º 1 do artigo 33.º do CSC.
Nos termos do n.º 2 do artigo 33.º do CSC, não podem ainda ser distribuídos aos sócios lucros do exercício enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não estiverem completamente amortizadas, exceto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas.
Após o cumprimento dessas obrigações e aplicações, os lucros do exercício são considerados distribuíveis, podendo ser atribuídos aos sócios, na proporção das respetivas participações no capital social, ou podendo no todo, ou em parte, manterem-se retidos na sociedade, como reservas livres, resultados transitados ou outro item de capital próprio.
Assim, existindo lucros distribuíveis, os sócios podem em qualquer momento, incluindo para além do momento da aprovação de contas de um determinado exercício, deliberar a distribuição desses montantes retidos na sociedade (reservas, resultados transitados).
No entanto, o artigo 32.º do CSC estabelece que não podem ser distribuídos aos sócios, bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.
Desta forma, se devido à deliberação dos sócios de distribuição desses montantes (por exemplo de reservas livres ou resultados transitados), ou devido a alterações que posteriormente ocorram no património da sociedade, dessa distribuição de lucros resultar que o capital próprio da sociedade fique, ou venha a ficar, inferior à soma do capital social e das reservas não distribuíveis (incluindo as reservas legais), não se pode realizar a referida distribuição de resultados retidos.
Face a esta limitação, a sociedade não pode efetuar a distribuição dos lucros aos sócios (incluindo lucros retidos e do próprio exercício), se com tal distribuição não se assegurar a manutenção do capital próprio.
Essa manutenção do capital próprio visa que a sociedade possa ter capacidade de fazer face ao cumprimento das suas obrigações para com os credores sociais, nomeadamente da liquidação do seu passivo.
Por outro lado, quaisquer reservas constituídas pelos incrementos decorrentes da aplicação do justo valor através de componentes do capital próprio, incluindo os da sua aplicação através do resultado líquido do exercício, apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios da sociedade, quando os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos, liquidados ou, também quando se verifique o seu uso, no caso de ativos fixos tangíveis e intangíveis.
Ou seja, por exemplo, os excedentes de revalorização reconhecidos pela aplicação do modelo de revalorização previsto para os ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis, que são reconhecidos como reservas livres no capital próprio da sociedade, apenas podem ser considerados distribuíveis após esses ativos terem sido vendidos, abatidos ou em função da respetiva depreciação ou amortização.
Os bens distribuíveis aos sócios, por aplicação de resultados do período ou resultados retidos, não têm de ser atribuídos necessariamente em dinheiro, podendo ser efetuados através de bens em espécie, como por exemplo através da atribuição de itens do ativo da sociedade.
Os lucros (do período e retidos) são, em princípio, distribuídos pela proporção das respetivas participações dos sócios, salvo se existir uma convenção ou preceito especial em contrário, conforme previsto no n.º 1 do artigo 22.º do CSC.
As deliberações dos sócios em assembleia geral, nomeadamente a deliberação de aprovação das contas e aplicação dos resultados, têm de constar em ata, conforme o artigo 63.º do CSC. Essa ata é o documento de suporte para efetuar os respetivos registos contabilísticos.
Em termos contabilísticos, aquando da deliberação de distribuição de lucros aos sócios, reconhece-se o passivo, creditando-se a conta 264 - Resultados atribuídos e debitando-se a conta 56 - Resultados transitados. O lançamento contabilístico irá ocorrer no exercício “N”, embora o lucro respeite ao exercício “N-1” (exercício anterior).
Assim, no início de cada período (em 01/01/N):
Pela transferência do resultado líquido do período apurado no período anterior (N-1):
- Débito/crédito da conta 818 - Resultado líquido do período, por contrapartida a crédito/débito da conta 56 - Resultados transitados, pelo montante do resultado líquido (positivo ou negativo).
Na data da aprovação das contas e distribuição dos lucros:
Pela deliberação de distribuição de lucros do período (ou de lucros retidos):
- Débito da conta 56 - Resultados transitados, por contrapartida da conta 264 - sócios - Resultados atribuídos, pelo montante distribuído.
Na data da disponibilização dos lucros:
Por essa disponibilização e regularização dos adiantamentos por conta de lucros:
- Débito da conta 264 - Sócios - Resultados atribuídos, pelo montante atribuído na distribuição;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 263 - Sócios - Adiantamentos por conta de lucros, pelo montante adiantado a regularizar (se for o caso);
- Crédito da conta 265 - Sócios - Lucros disponíveis, pelo montante disponível a entregar aos sócios (já líquido de retenção na fonte);
Na data do pagamento dos lucros aos sócios:
- Débito da conta 265 - Sócios - Lucros disponíveis, pelo valor dos lucros distribuídos, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo montante pago e a crédito da conta 242 - Retenção de impostos sobre o rendimento (no caso de ser aplicável).
Tratando-se de adiantamentos por conta de lucros porque o exercício em que se perspetiva gerar tais lucros ainda não está encerrado, haverá que cumprir o disposto no artigo 297.º do CSC (Adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício), também aplicável com as devidas adaptações pelas sociedades por quotas.
Para as sociedades por quotas não existe previsto um procedimento específico, ficando em dúvida a possibilidade de utilizar o mesmo procedimento pelo cumprimento dos mesmos requisitos para as sociedades anónimas.
Ainda assim, em termos genéricos, será sempre possível efetuar adiantamentos por conta de lucros aos sócios, desde que o capital próprio da sociedade, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, não se preveja que venha a ficar inferior à soma do capital social e das reservas legais ou estatutárias não distribuíveis, nos termos do artigo 32.º do CSC.
Por outro lado, se tal vier a acontecer, ou de outra forma não se tiver respeitado os limites de distribuição de lucros aos sócios, ainda que a título de adiantamento, os sócios ficarão obrigados a restituir esses adiantamentos, ou excesso que tenha superado os referidos limites, nos termos do artigo 34.º do CSC.
Contabilisticamente teremos:
- No momento da atribuição do adiantamento por conta de lucros, nos termos dos artigos 31.º e 32.º do CSC:
Débito: 263 - Adiantamentos por conta de lucros
Crédito: 264 - Resultados atribuídos, pelo montante atribuído na deliberação da Assembleia-geral de sócios.
- No momento da colocação à disposição:
Débito: 264 - Resultados atribuídos, pelo montante atribuído;
Crédito: 265 - Lucros disponíveis, pelo montante disponibilizado para pagamento (líquido de retenção na fonte);
Crédito: 242x - Retenção de impostos sobre rendimentos - Capitais, pelo imposto retido.
- No momento do pagamento:
Débito: 265 - Lucros disponíveis
Crédito: 12 - Depósitos à ordem, pelo montante pago
No período de “N+1”:
No momento da deliberação da atribuição da distribuição dos lucros do exercício aos sócios:
Débito: 56 - Resultados transitados, pelo montante total atribuído (incluindo os valores já adiantados);
Crédito: 263 - Adiantamentos por conta de lucros, pela regularização dos montantes já adiantados; e
Crédito: 264 - Resultados atribuídos, pelo montante restante.
Seguem-se movimentos idênticos aos mencionados anteriormente relativamente à colocação à disposição.
Salientamos que a distribuição de lucros aos sócios, pessoas singulares, está sujeita a uma retenção na fonte à taxa liberatória de 28 por cento de acordo com o artigo 71.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, com opção pelo englobamento (artigo 71.º, n.º 9).
Não havendo a opção pelo englobamento, não se declara o rendimento auferido na declaração de rendimentos modelo 3.
Havendo opção pelo englobamento, o artigo 40.º-A do Código do IRS, permite a eliminação total ou parcial da dupla tributação económica, quando os rendimentos auferidos sejam considerados rendimentos da categoria E, devendo tanto a entidade devedora dos lucros assim como o beneficiário desse rendimento ser residentes em território nacional. Caso estes requisitos sejam cumpridos, o rendimento será apenas considerado em 50 por cento do seu valor.
Esta é a forma de evitar a dupla tributação económica. Todavia, esta dedução de 50 por cento no englobamento não releva para efeitos de retenção na fonte, que é deduzida na totalidade (veja-se o ponto 2.2 da Circular n.º 4/2002, de 8 fevereiro).
Os lucros colocados à disposição encontram-se sujeitos a retenção na fonte à taxa de 28 por cento sobre o valor bruto distribuído no momento do pagamento ou colocação à disposição, sendo o rendimento inscrito em 50 por cento e a retenção na fonte na totalidade no anexo E da declaração modelo 3 do IRS, caso opte pelo englobamento.
Sempre que sejam pagos ou colocados à disposição os rendimentos de capitais sujeitos a retenção na fonte pelas taxas previstas no artigo 71.º do CIRS ou sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, cujos titulares sejam residentes em território português e não beneficiem de isenção, dispensa de retenção ou redução de taxa, deve ser enviado eletronicamente a declaração modelo 39 - Rendimentos e retenções a taxas liberatórias (até final do mês de janeiro do ano seguinte a tal pagamento ou colocação à disposição). Nesta declaração serão identificados os beneficiários desses rendimentos.
Relativamente aos adiantamentos por conta de lucros, quando o lucro gerado no seio de uma sociedade é transferido para a esfera pessoal dos sócios (pessoas singulares) que a constituem passa a integrar a base de incidência do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, por serem rendimentos de categoria E (artigo 1.º do CIRS).