Entrevista
Entrevista a Bárbara Barroso, fundadora do Moneylab
12 September 2025
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«A literacia financeira deve ser encarada como uma competência de base, tão essencial como saber ler, escrever ou fazer contas»


Considerada uma referência na área das finanças pessoais, Bárbara Barroso defende que a sensibilização para conceitos fundamentais como poupança, valor do dinheiro, troca e responsabilidade financeira deve começar nos bancos das escolas.  Para a fundadora do projeto MoneyLab, «o futuro será muito mais exigente para quem não souber gerir dinheiro.» Bárbara Barroso mostra-se convicta que a «convergência» e a «colaboração» entre contabilistas certificados e os chamados finfluencers permitirá preparar cidadãos mais informados e empresas mais organizadas.


Contabilista – É o rosto do projeto de educação e literacia financeira MoneyLab, que se desdobra em podcasts, redes sociais e cursos, tendo por mote que esta é uma das ferramentas para transformar a sociedade. Qual é o balanço que faz das experiências e interações promovidas por este laboratório especializado nos 11 anos da sua existência?

Bárbara Barroso – O balanço destes 11 anos é profundamente positivo e, acima de tudo, transformador. O MoneyLab nasceu com um propósito muito claro: democratizar o acesso ao conhecimento financeiro e ajudar as pessoas a tomarem melhores decisões financeiras. Num país com níveis de literacia ainda preocupantes, sabíamos que o impacto não podia ser apenas teórico, mas sim real, tangível e mensurável nas vidas das pessoas. Ao longo destes anos, foram milhares as vidas impactadas, desde pessoas que superaram dívidas, começaram a investir, tomaram decisões conscientes e, sobretudo, ganharam mais autonomia. Essa transformação é o verdadeiro retorno do nosso trabalho. Continuamos a crescer, com mais formação, mais eventos, mais formatos e projetos, mas a missão continua a mesma: ajudar as pessoas a tomarem melhores decisões financeiras e contribuir para mais e melhor educação e literacia financeira, de forma que Portugal saia da cauda da Europa. Sempre fazendo diferente, e fazendo a diferença.
 

O Moneylab foi recentemente considerado entidade formadora certificada pela DGERT (Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho). Este selo de garantia poderá levar o projeto de descomplicar o mundo das finanças pessoais a um público mais vasto?

A certificação pela DGERT é um selo de qualidade, sim, mas é também uma credencial que abre portas: junto de entidades públicas, escolas, empresas e parceiros institucionais. Num país onde a literacia financeira ainda é vista como “extra”, esta certificação reforça o nosso papel como entidade formadora de referência.  É um reconhecimento oficial da robustez da nossa metodologia pedagógica, que é validada agora também por critérios técnicos e rigorosos definidos pelo Estado. Esta certificação atesta que o que fazemos é mais do que comunicar bem: é formar com qualidade, estrutura e impacto.

Além do prestígio institucional, traz vantagens muito concretas para os formandos: os cursos certificados passam a ser dedutíveis em sede de IRS, contam para o cumprimento das 40 horas de formação obrigatória anual nas empresas e são reconhecidos para efeitos de valorização curricular e profissional. Num país que precisa urgentemente de mais e melhor literacia financeira, esta certificação permite-nos chegar ainda mais longe com mais legitimidade, mais acessibilidade e mais impacto.

 

Em setembro começa a lecionar uma masterclass chamada «Investir Agora». Ter o dinheiro parado, em vez de rentabilizá-lo, é um erro que muitas pessoas cometem nas suas poupanças?

Sem dúvida. O dinheiro parado é um luxo ao qual já não podemos dar-nos. Num cenário de inflação persistente, quem mantém o dinheiro parado está a perdê-lo todos os dias. A masterclass «Investir Agora» nasce precisamente desta urgência: mostrar que investir não é para poucos nem para génios da matemática. É, sim, uma ferramenta essencial para quem quer proteger o que tem e construir o que deseja. E o primeiro passo é vencer o medo, que muitas vezes nasce da falta de conhecimento. É acessível por ser gratuita, online, e qualquer pessoa que queira aprender a rentabilizar o seu dinheiro pode, e deve, participar.

 

No final de junho a CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), após analisar 150 conteúdos e cerca de 20 horas de vídeos (sites ou podcasts), detetou 33 famosos (finfluencers) nas redes sociais a dar conselhos e orientações sobre investimentos financeiros. Como explica este crescimento e como fazer para distinguir o trigo do joio, prevenindo eventuais burlas e fraudes? O caminho passa por dissuadir e sancionar as atividades de aconselhamento financeiro que não cumpram a lei?

Este crescimento é natural. Quando faltam respostas claras nos canais tradicionais, as pessoas procuram quem as simplifique. Mas essa procura pode tornar-se perigosa quando há falta de responsabilidade ou promessas ilusórias. A solução está também em educar quem ouve. O caminho é a regulação equilibrada, que proteja os consumidores sem travar a divulgação responsável. A vice-presidente da CMVM, Inês Drumond, esteve no nosso podcast MoneyBar, exatamente a falar sobre esse tema e concordamos que a literacia é a melhor forma de combater fraudes, e é também o que permite distinguir conteúdos de valor de simples espetáculo financeiro.

 

A profissão de contabilista certificado é regulada e de interesse público. Admite que os finfluencers possam ser percecionados, por alguma população, como concorrentes dos contabilistas certificados?

Não vejo concorrência, vejo papéis complementares. O contabilista certificado é um profissional técnico, com responsabilidades fiscais e legais cruciais para o funcionamento das empresas. Já o comunicador de literacia financeira atua no campo da educação, da consciencialização, da prevenção. Quando bem preparados, os finfluencers podem até reforçar o valor do trabalho dos contabilistas, ao preparar cidadãos mais informados e empresas mais organizadas. Acredito que haja espaço para convergência e para colaborações de sucesso.

 

Quais os erros mais comuns que identifica na gestão diária das pessoas em termos de finanças pessoais?

Um dos erros mais comuns é a falta de noção detalhada sobre o que se gasta e onde se gasta. Muitas pessoas vivem com a sensação de que «o dinheiro desaparece», mas nunca pararam para analisar os hábitos ou fazer um orçamento simples. Outro erro é não ter um fundo de emergência adequado, o que deixa as pessoas vulneráveis a qualquer imprevisto. Basta um problema de saúde ou uma reparação inesperada para se recorrer ao crédito, perpetuando um ciclo de endividamento.

A isto junta-se o desconhecimento absoluto sobre investimentos. Para uma grande parte da população, investir ainda é visto como algo arriscado, exclusivo ou «complicado demais». Isso leva a outro erro grave: manter o dinheiro parado, sem perceber que a inflação o está a corroer todos os dias. A ilusão de segurança acaba por sair cara.

Por fim, há uma ausência generalizada de planeamento e de clareza sobre objetivos financeiros. A literacia financeira começa precisamente aqui: entender onde se está, para onde se quer ir e como lá chegar com os recursos que se têm.

 

O facto de muitos portugueses auferirem o salário mínimo ou verem situado o seu vencimento no limiar dos mil euros, agravado com o aumento do custo de vida, é argumento de peso para que não se consiga poupar?

É, sem dúvida, uma limitação real, mas não tem de ser um impedimento absoluto. A poupança não depende apenas do valor que se ganha, mas também do hábito que se constrói. Mesmo que o montante seja pequeno, o simples ato de poupar com regularidade cria disciplina, visão de longo prazo e uma nova mentalidade em relação ao dinheiro.

É importante ter consciência de que existem três formas de melhorar a capacidade de poupança: reduzir despesas, aumentar o rendimento ou fazer ambos. Para quem já cortou ao máximo os custos, o foco tem de passar inevitavelmente por procurar novas formas de gerar rendimento, seja através de formação, reconversão profissional ou criação de fontes adicionais.

Claro que o Estado tem a responsabilidade de criar melhores condições — com rendimentos dignos, habitação acessível e políticas estruturais. Mas, enquanto isso não acontece, há escolhas individuais que podem fazer a diferença no presente e, sobretudo, no futuro.

A comissária europeia Maria Luís Albuquerque disse recentemente que «os incentivos fiscais nos produtos de poupança são importantes.» Partilha que o Estado podia ir mais longe, encorajando com maior firmeza o aforro?

São importantes e devem ser reforçados. O Estado tem um papel decisivo em criar condições para que o esforço individual de poupança e investimento seja compensado. Mas não basta incentivar: é preciso garantir que os produtos com benefícios fiscais são claros, justos e compreendidos pelas pessoas. Incentivar sem educar pode gerar desconfiança. Os dois caminhos — o fiscal e o pedagógico — têm de andar de mãos dadas.
 

A Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) tem apoiado diversas ações no âmbito da literacia financeira, sendo porventura a edição dos livros «A Joaninha e os Impostos», uma das iniciativas mais emblemáticas. O caminho de consciencialização tem de começar pelos bancos da escola?

Sem dúvida. A literacia financeira deve ser encarada como uma competência de base, tão essencial como saber ler, escrever ou fazer contas. Se queremos adultos mais livres, autónomos e conscientes, temos de começar por ensinar às crianças, desde cedo, conceitos fundamentais como poupança, valor do dinheiro, troca e responsabilidade financeira.

Iniciativas como esse livro promovido pela OCC são um excelente exemplo de como é possível ensinar de forma lúdica, acessível e pedagógica, gerando impacto duradouro. No MoneyLab também já desenvolvemos vários programas em contexto escolar, desde o 1.º ciclo até ao ensino universitário, e os resultados são claros: os alunos compreendem, aplicam e partilham este conhecimento com as suas famílias.

É importante integrar estes temas no percurso escolar de forma contínua. Só assim formaremos cidadãos mais bem preparados para lidar com as suas finanças pessoais e para tomar decisões conscientes ao longo da vida.

 

A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento dará mais atenção à literacia financeira e ao empreendedorismo, inserindo-se na nova estratégia nacional para a educação para a cidadania, uma promessa eleitoral do governo. Teme que este novo rumo, que tem merecido aceso debate ideológico, possa ser invertido num governo de outra orientação política?

A literacia financeira devia estar acima de disputas ideológicas. É uma ferramenta de cidadania, de inclusão e de desenvolvimento. Países com políticas consistentes nesta área são mais resilientes, economicamente mais fortes e socialmente mais coesos. Recuar nesse compromisso seria uma falha estratégica grave. Precisamos de garantir estabilidade nesta agenda, independentemente do governo em funções.

 

Já revelou publicamente que os seus dois filhos começaram a poupar de forma regular desde os 4, 5 anos. Se a geração mais nova, a chamada «Geração Z» e a que se seguir, não ganhar hábitos de poupança e com a perspetiva de as reformas minguarem cada vez mais com o passar dos anos, o que é que o futuro lhes reserva?

O futuro será muito mais exigente para quem não souber gerir dinheiro. Com reformas cada vez mais incertas, quem não desenvolver hábitos de poupança e investimento ficará exposto a uma velhice vulnerável e dependente. Ensinar os nossos filhos a poupar desde cedo, como faço com os meus, não é um capricho, é um ato de responsabilidade. Se queremos uma geração mais livre, temos de lhes dar ferramentas, não apenas conselhos.

 

O diagnóstico do tecido empresarial português está há muito tempo feito: empresas muito pequenas ou familiares, conservadorismo e aversão ao risco. Mudar o paradigma passa por incutir uma mentalidade empresarial diferente e agressiva, no saudável sentido do termo?

Mudar começa na mentalidade. Muitas empresas ainda funcionam em modo de sobrevivência, não de crescimento. Precisamos de formar empresários com visão estratégica, capacidade de análise financeira e abertura à inovação. A educação financeira empresarial é também essencial. Isto porque saber ler números, projetar investimentos e avaliar riscos não é luxo, é sobrevivência e crescimento a longo prazo. Só assim se cria um tecido empresarial moderno e competitivo.

 

A transformação digital no setor financeiro é irreversível, atraindo já muitos investidores, nomeadamente nas criptomoedas. Que principais perigos e potencialidades identifica?

A transformação digital no setor financeiro é irreversível e está a abrir novas possibilidades, mas também traz novos desafios. Nunca foi tão fácil aceder a plataformas de investimento ou a produtos financeiros, e isso é, por um lado, positivo, porque democratiza o acesso. No entanto, essa facilidade também expõe os investidores, sobretudo os menos experientes, à ilusão de que é possível obter «dinheiro rápido», o que os torna mais vulneráveis a decisões impulsivas ou fraudes.

As criptomoedas são o exemplo mais evidente desta dualidade: têm potencial enquanto tecnologia e como nova classe de ativos, mas ainda operam num ambiente de grande volatilidade e especulação. Muitos pequenos investidores entram sem compreender os riscos e sem saber que podem perder o capital investido rapidamente.

É precisamente aqui que a literacia financeira é determinante. É preciso garantir que as pessoas compreendem o que estão a fazer, distinguem entre ativos, percebem os riscos e sabem como se proteger. O futuro será, sem dúvida, digital, mas tem de ser informado, regulado e seguro. Caso contrário, estaremos apenas a substituir um sistema tradicional com falhas por um sistema novo ainda mais frágil.

 

Na recente reunião do Banco Central Europeu (BCE), em Sintra, conseguiu uma rara entrevista com a presidente Christine Lagarde, para o seu podcast Moneybar. Este é um sinal inequívoco da perda de influência – até ao nível dos decisores – dos meios de informação ditos tradicionais para outros comunicadores em termos da notoriedade junto das massas?

A entrevista com Christine Lagarde foi um marco para a literacia financeira em português e uma validação inequívoca do impacto do MoneyLab. Recebi uma chamada diretamente de Frankfurt a manifestar interesse em participar no MoneyBar. Ou seja, partiu do próprio Banco Central Europeu. É um sinal claro de que os grandes decisores reconhecem o alcance e a credibilidade de novos canais, como o nosso podcast, para chegar às pessoas com uma linguagem clara e acessível. Para o MoneyLab, foi também o reconhecimento do nosso trabalho como referência em educação financeira, não só a nível nacional, mas também europeu. 

PERFIL

Bárbara Barroso é fundadora da empresa de educação e literacia financeira MoneyLab (que promove um dos podcasts mais ouvidos em Portugal, o MoneyBar), especialista em finanças pessoais, investidora e palestrante internacional há mais de 20 anos. Eleita pelo Canal História a maior referência da área das Finanças Pessoais em Portugal, é formadora certificada, membro da Financial Planning Association e professora convidada em Universidades de Gestão e Negócios. Conta com formação na área da banca e mercados financeiros, e frequência na certificação em consultoria financeira pessoal (Certified Financial Planner – CFP), na Universidade de Boston. Com uma carreira que passou pelo jornalismo económico, acumula várias distinções a nível nacional e internacional, pelo trabalho desenvolvido na área da literacia financeira. Vencedora do «Prémio Cinco Estrelas 2025» na categoria «Influenciadora Digital de Negócios», é também mentora e consultora de personalidades e empresas reconhecidas mundialmente.

Entrevista Nuno Dias da Silva | Fotos Raquel Wise

Entrevista publicada na Revista Contabilista n.º 304 de agosto 2025

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