Ordem nos media
OE 2004 «próximo da realidade, mas cheio de contradições», diz Sousa Franco
21 October 2003
Presidente do Gabinete de Estudos da CTOC analisou, hoje, Orçamento do Estado
O antigo ministro socialista António de Sousa Franco considera que o próximo Orçamento do Estado se encontra «próximo da realidade», mas exibe «muitas contradições», algumas das quais são consideradas falácias e medidas anticonstitucionais pelo actual presidente do gabinete de estudos da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC). Falando esta terça-feira em Lisboa para revelar a posição da CTOC sobre o OE 2004, Sousa Franco apresentou a leitura do seu gabinete de estudos: trata-se de «um orçamento sem sal nem pimenta, não revela imaginação nem a criatividade necessárias para alterar a situação de crise em que vivemos.» Como pontos fortes referidos consideram-se o carácter mais realista do documento, às alterações promovidas no Pagamento Especial por Conta (PEC), a tentativa de redução das despesas públicas e a aposta no crescimento das exportações. Sousa Franco referiu, no entanto, que se trata de um «orçamento de continuidade», que recorre a métodos de engenharia financeira para controlar o défice, mas que acabam por empobrecer o Estado. O ex-ministro de Guterres refere inclusive que no campo fiscal se mantêm situações perfeitamente injustificadas e que o OE exibe claras contradições na sua elaboração. Além da falta de uma política empresarial que sustente o aumento das exportações, para este membro da CTOC sublinha que há uma clara sobreavaliação das expectativas da receita fiscal, «o que torno mais complicado obter o objectivo de um défice público abaixo dos 3% em 2004.» Para Sousa Franco, o cenário de crescimento do IVA numa conjuntura de desaceleração económica «é irreal». «Não há sinais de retoma. Não os vejo. Há alguns na União Europeia, não em Portugal. Mas a retoma há-de chegar algum dias», disse. Além do IVA, também o IRS mereceu um comentário de Sousa Franco. O aumento da cobrança do IRS é considerado um ponto fraco do OE, uma vez que a existência de uma dinâmica de desemprego e face ao crescimento zero nos salários, a cobrança do IRS e a forma como a actualização dos escalões foi feita resultam numa repartição injusta. «A actualização da taxa é feita de modo igual. Aumenta a injustiça social, com o IRS a cobrar a aumentar para a grande maioria dos contribuintes, com excepção dos que se encontram no escalão mais baixo, os quais sofrem a actualização sem subir de escalão. Devia ter havido um aumento proporcional e mais elevado da taxa», refere. Por seu lado, «a manutenção dos princípios em que assenta o PEC, penalizam mais gravosamente as pequenas e médias empresas». A nível do IRC, a descida é considerada «positiva para a competitividade das empresas, mas é algo ilógico ¿ não digo injusto ¿ em relação ao sistema.» Sousa Franco não duvida que vai haver uma maior pressão na cobrança das receitas fiscais e o aumento da carga fiscal é uma realidade, sendo que a diminuição do investimento público terá um efeito negativo na recuperação da economia. Para tal, Sousa Franco realça que houve uma quebra substancial na obtenção de receitas fiscais, «pelo menos até Setembro deste ano», e que «nada indica que o cenário se modifique até ao final do ano.» Desta forma, coloca muitas reticências quanto a algumas medidas anunciadas para colmatar esta falta de verbas e para a manutenção do défice público abaixo dos 3% do PIB, como a anunciada titularização dos créditos fiscais. «Trata-se de uma proposta de Lei vaga, com quatro artigos que permitem as mais diversas leituras, representando um risco. Devia ser revista de uma ponta à outra. Tem contradições e indefinições técnicas, além de não assegurar vários imperativos constitucionais.» Sousa Franco relembra que outras países fizeram uso deste mecanismo, como a Itália, mas que nem sempre o mesmo é aplicado de uma forma adequada. «Desvirtualiza o orçamento e as receitas, bem como o défice. Pode permitir, por exemplo, a dupla contabilização de receitas, além de que não se percebe quem faz a gestão e controlo dos créditos cobrados», concluiu.