Ordem nos media
Concessionárias de auto-estradas fora da lei
17 January 2005
Código do IVA obriga a emitir uma factura ou documento equivalente, lembra o presidente da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas
Diversas empresas concessionárias de auto-estradas afixaram cartazes, nas suas portagens, avisando o automobilista de que apenas se entregará os talões da passagem, caso seja solicitado. A justificação oficial é a de tornar o tráfego mais fluido. Mas, na opinião do presidente da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas, a emissão do talão é obrigatória por lei e essa prática é permissiva de práticas fiscais abusivas. Por certo, já aconteceu a quem conduz. Se pagou a portagem em dinheiro e arrancou, o funcionário da portagem não veio atrás para entregar o talão. Na verdade, diversas empresas concessionárias de auto-estradas - como, por exemplo, a Brisa (Grupo Melo) com 48 por cento dos quilómetros de auto-estradas ou as Estradas do Atlântico (Grupo Somague) com 7 por cento dos quilómetros - chegam mesmo a avisar os clientes de que essa é a sua prática de funcionamento. Um pequeno papel colado no vidro, a uma altura que pode ser lido pelos automobilistas, lembra que apenas se dará o talão quando solicitado. «É ilegal esse aviso», afirma categórico o presidente da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas é peremptório. «O artigo 28º do Código do IVA obriga à emissão do talão», afirmou António Domingues Azevedo ao PÚBLICO. O Código afirma que é obrigação dos contribuintes, como os concessionários de auto-estradas, «emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços». Para Domingues de Azevedo, o talão dado ao cliente não é um recibo porque isso obrigaria à identificação da factura que deu origem a esse pagamento. Mas também não será uma factura. «É um comprovante da pagamento», sustenta. Mas, para um perito fiscal contactado, o título deverá mesmo ser equiparado a factura, sendo obrigatória a sua emissão. Na realidade, o que se passa em cada portagem é o pagamento de um serviço e, ainda de um imposto (IVA, de 19 por cento). A empresa recolhe essa quantia e deverá remetê-la ao Estado. A operação é quase indolor do ponto de vista fiscal, mas existe. E multiplica-se por milhões e milhões de vezes ao longo de cada ano. Só pelas estradas da Brisa, contabilizaram-se, em 2003, cerca de 7,92 mil milhões passagens de veículos, num total de pagamentos de 502 milhões de euros. Do total de transacções, a Brisa - como foi respondido ao PÚBLICO - quantifica que 57 por cento são através de Via Verde, e como tal sujeitos a facturação enviada ao cliente. Sobram 43 por cento que pagam por Multibanco e cartão de crédito, sujeitas à emissão de talão, e em dinheiro. A Brisa estima que, desse grupo, uns 40 por cento passa sem emissão de talão. Em resumo: Na Brisa, 17 por cento das transacções de 2003 foram feitas sem emissão de talão. Se esta estrutura de pagamentos for igual para cada posto de portagem, então cerca de 68 milhões de euros estariam sem talão. Desconhece-se quantas transacções nas Auto-estradas do Atlântico ficaram sem talão, uma vez que a empresa não respondeu a essas perguntas do PÚBLICO. Objectivo das empresas é facilitar trânsito Se o talão não é emitido, fica aberto a porta para práticas fraudulentas. Mas nem a Câmara dos TOC nem os dirigentes do Sindicato do Comércio, Escritórios, Serviços de Portugal (CESP) conhecem casos de aproveitamentos semelhantes. Seja por funcionários, seja pelas próprias empresas. «Possibilidade técnica haverá», afirma Manuel Guerreiro, sindicalista do CESP. «Mas considero que não é possível: teriam de ser os trabalhadores a tirar esses recibos» e isso seria, de alguma forma, conhecido. Na sua opinião, a não emissão do talão é apenas para dar «maior rapidez e eficácia», porque «o acto faz perder algum tempo». Domingues Azevedo não conhece casos, mas sublinha o «mecanismo permissivo». Por parte das empresas, essa questão nem se levanta. A Brisa, através do seu porta-voz, considerou estar fora de causa o uso abusivo, já que essa questão «tem como pressuposto a má-fé da Brisa e é, por si, insultuosa». Além disso, «os talões que não são solicitados não são emitidos», por norma escrita. «A violação destas normas é uma falta disciplinar». A Auto-Estradas do Atlântico declara que a não emissão do talão permite obter «um maior rendimento no funcionamento da via e ajudando a evitarsituações de congestionamento de tráfego», enquanto a Brisa frisa o objectivo de «agilizar as transacções na portagem e prevenir a emissão de recibos que depois são abandonados pelosautomobilistasna auto-estrada». E garante que «não representa uma violação da legislação em vigor, nem pode ser interpretado como a negação por parte da concessionária do direito de qualquer cliente de ter recibo». Mas quando questionada pelo PÚBLICO, não esclareceu qual a base legal para esse comportamento.