IVA - Isenções
PT28342 – outubro de 2024
Um empresário em nome individual iniciou atividade no regime de isenção do artigo 53.º do IVA e assim permaneceu até 31 de janeiro de 2024. A partir desta data ficou abrangido pelo regime normal trimestral, por ter ultrapassado o limite do artigo 53.º.
Atualmente pretende encerrar a atividade e passar a laborar enquanto sociedade unipessoal, vendendo os stocks restantes e o imobilizado à sociedade. Esta venda está ou não sujeita a IVA? Embora o sujeito passivo esteja atualmente abrangido pelo regime normal de IVA, pelo menos o imobilizado foi adquirido com IVA suportado pelo contribuinte.
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal da transferência do património da atividade de um empresário em nome individual (ENI) para uma sociedade, no caso, unipessoal.
Em concreto, é-nos transmitido que o sujeito passivo que exerce a atividade enquanto ENI, pretende constituir uma sociedade em nome individual. Para o efeito, é referido que pretende transferir os ativos da atividade independente para a nova sociedade.
Começamos por dar nota que os aspetos legais sobre esta operação estão fora do âmbito deste consultório, pelo que, sugerimos a consulta de um jurista ou advogado.
Em termos fiscais, o artigo 38.º do Código do IRS (CIRS) consagra um regime de neutralidade fiscal aplicável às pessoas singulares que pretendam transmitir a título oneroso o seu património afeto a uma atividade empresarial e profissional para realização do capital subscrito em sociedade.
Permite-se, então, que não haja lugar ao apuramento de qualquer resultado tributável por virtude da realização de capital social resultante da transmissão da totalidade do património afeto ao exercício, por uma pessoa singular, de uma daquelas atividades.
Para que este benefício fiscal, que se traduz num diferimento de tributação proveniente da transferência do património, se concretize, torna-se necessário que se observem as seguintes condições, impostas pelo n.º 1 do referido artigo 38.º do CIRS:
«a) A entidade para a qual é transmitido o património seja uma sociedade com sede e direção efetiva em território português ou, sendo residente noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, o património transmitido seja afeto a um estabelecimento estável situado em território português dessa mesma sociedade e concorra para a determinação do lucro tributável imputável a esse estabelecimento estável;
b) A pessoa singular transmitente fique a deter pelo menos 50 por cento do capital da sociedade e a atividade exercida por esta seja substancialmente idêntica à que era exercida a título individual;
c) Os elementos ativos e passivos objeto da transmissão sejam tidos em conta para efeitos desta com os mesmos valores por que estavam registados na contabilidade ou nos livros de escrita da pessoa singular, ou seja, os que resultam da aplicação das disposições do presente Código ou de reavaliações feitas ao abrigo de legislação de carácter fiscal;
d) As partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão sejam valorizadas, para efeito de tributação dos ganhos ou perdas relativos à sua ulterior transmissão, pelo valor líquido correspondente aos elementos do ativo e do passivo transferidos, valorizados nos termos da alínea anterior;
e) A sociedade referida na alínea a) se comprometa, através de declaração, a respeitar o disposto no artigo 86.º do Código do IRC, a qual deve ser junta à declaração periódica de rendimentos da pessoa singular relativa ao exercício da transmissão.»
Nos termos do n.º 3 do artigo 38.º do CIRS, se o titular da quota ou das ações, recebidas em contrapartida do património individual, proceder à sua transmissão onerosa antes de decorridos cinco anos serão os ganhos resultantes da transmissão das partes de capital tributados como rendimentos empresariais ou profissionais, e considerados como rendimentos líquidos da categoria B.
Face ao exposto, o sujeito passivo não pode, durante aquele período, efetuar operações sobre as partes sociais que beneficiem de regimes de neutralidade, sob pena de, no momento da concretização destas, se considerarem realizados os ganhos.
Se as partes de capital forem transmitidas depois de decorrido aquele período os ganhos correspondentes serão tributados como mais-valias da alienação onerosa de partes sociais, nos termos da subalínea 2) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS e, portanto, tributados como rendimentos da Categoria G.
Nos termos do disposto no artigo 86.º do CIRC, os bens transmitidos para a sociedade devem ser contabilizados pelos mesmos valores que tinham na contabilidade ou nos livros de escrita da pessoa singular do sujeito passivo, devendo ainda ter-se em conta na determinação do lucro tributável da sociedade o seguinte:
«a) O apuramento dos resultados respeitantes aos bens que constituem o património transmitido é calculado como se não tivesse havido essa transmissão;
b) As depreciações ou amortizações sobre os elementos do ativo depreciáveis ou amortizáveis são efetuadas de acordo com o regime que vinha a ser seguido para efeito de determinação do lucro tributável da pessoa singular;
c) Os ajustamentos em inventários, as perdas por imparidade e as provisões que tiverem sido transferidos têm, para efeitos fiscais, o regime que lhes era aplicável para efeito de determinação do lucro tributável da pessoa singular.»
Os prejuízos fiscais relativos ao exercício pela pessoa singular de atividade empresarial e profissional, e ainda não deduzidos ao seu rendimento tributável até 1 de janeiro de 2024, podem ser deduzidos nos lucros tributáveis da nova sociedade nos termos do artigo 52.º do CIRC, com a redação dada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro.
Assim, contempla o artigo 38.º do CIRS, a figura da «transformação» em sociedade, que consiste na transmissão da totalidade do património do empresário em nome individual para realização do capital social da nova sociedade, ou seja, este regime de neutralidade, consiste em transferir o ativo e passivo da atividade de IRS para uma sociedade a constituir.
Por outro lado, o valor de tal património deverá constar de certificação emitida por revisor oficial de contas (ROC) nos termos do disposto no artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) por se tratar da realização do capital da nova sociedade por novas entradas em espécie. O ROC será a entidade habilitada para apurar o valor do património.
Para utilização deste regime de neutralidade fiscal deverão verificar-se algumas condições, entre elas a emissão de declaração pela nova sociedade constituída, em como esta se compromete ao cumprimento do disposto no artigo 86.º do CIRC, que deverá integrar o dossiê fiscal do empresário em nome individual. Esta declaração deverá ser adaptada a cada caso em concreto, de acordo com os itens objeto de transferência e nas condições que os mesmos possuem.
Caso o regime de neutralidade fiscal não se possa aplicar, nomeadamente por a sociedade já estar constituída, a transferência dos bens deverá ser efetuada através da alienação do património havendo lugar à determinação de rendimentos tributáveis, tratando-se dos inventários, e ao apuramento das mais ou menos-valias, no caso do ativo/imobilizado.
Esta alienação deverá ser efetuada nos termos e condições que seriam normalmente utilizados numa situação normal de mercado com ausência de relações especiais, tendo em conta os bens em causa e a sua posição no mercado.
Para efeitos de tributação do IVA, a transferência do património do ENI para uma sociedade (seja por transferência ao abrigo do regime de neutralidade fiscal ou, através da venda desse mesmo património) não é considerada uma transmissão, aplicando-se o disposto no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, desde que verificados os requisitos deste preceito.
Deste modo, não há lugar à obrigação de emissão de uma fatura por tal transferência do património.
Mas se não verificar as condições para aplicação da não sujeição prevista no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, nomeadamente se só for transmitida parte do património e essa parte transmitida não for suscetível de constituir um ramo de atividade independente, há lugar à emissão de fatura.
Note-se que as operações enquadradas no âmbito do n.º 4 do artigo 3.º CIVA não são de inscrever na Declaração Periódica de IVA.
Por último, referimos que se a sociedade não paga nada ao ENI, na transmissão gratuita dos bens do ativo fixo tangível, esta operação é considerada uma variação patrimonial positiva tributada em IRC, na esfera da sociedade.
Em termos de movimentos contabilísticos, na nova sociedade, os ativos e passivos transmitidos serão registados consoante as respetivas naturezas, isto é, debitando as respetivas contas relativas aos bens que constituem valores ativos e creditando as contas que representam valores passivos.
A diferença entre estes valores terá por contrapartida o crédito da conta 262 - Sócio - Quota não liberada". Esta conta 262 ficará com o seu saldo anulado, uma vez que já teria sido debitada por crédito da 51 - Capital social, no momento da subscrição do capital quando a sociedade foi constituída.
No caso concreto, devem ser registados bens que vão ser utilizados para a realização do capital pelo valor determinado pelo ROC, por contrapartida da respetiva conta do ativo (ativo fixo tangível, intangível, inventários).
Para aplicação do regime de neutralidade do artigo 38.º do CIRS, devem constar todas as dívidas a receber de clientes, dívidas a pagar a fornecedores, bem como os restantes ativos e passivos financeiros afetos à atividade empresarial individual, e não apenas os bens físicos.
O relatório do ROC deve incluir a valorização dessas dívidas a receber e a pagar para determinar o valor líquido (ativos menos passivos) a considerar para a realização do capital social da sociedade.
Ainda em relação à cedência de créditos, esta é uma operação comum que se traduz na transmissão de um direito - direito ao recebimento do valor em dívida, encontrando-se prevista e regulada nos termos do artigo 577.º e seguintes do Código Civil.
A transmissão das dívidas a pagar para a sociedade exige a ratificação do credor, conforme estabelecido no artigo 595.º do Código Civil.
Desta forma, a possibilidade da transferência das dívidas a pagar a fornecedores ou relativas a financiamentos obtidos, depende sempre do consentimento prévio da entidade credora.
O ENI deve solicitar a autorização aos credores da transferência dessas dívidas a pagar que estão em nome individual para a esfera da sociedade.
Quanto às dívidas a receber de clientes, não é exigido qualquer consentimento, bastando efetuar a respetiva notificação ao devedor, conforme previsto no artigo 577.º do Código Civil.
No caso em concreto, quanto às entradas em bens diferentes de dinheiro (entradas em espécie), dever-se-á ter presente os seguintes aspetos:
• As entradas dos sócios devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato de sociedade, sem prejuízo de estipulação contratual que preveja o diferimento da realização das entradas em dinheiro (artigo 26.º do CSC);
• O relatório do revisor deve, pelo menos: descrever os bens; identificar os seus titulares; avaliar os bens, indicando os critérios utilizados para a avaliação; declarar se os valores encontrados atingem ou não o valor nominal da parte, quota ou ações atribuídas aos sócios que efetuaram tais entradas, acrescido dos prémios de emissão, se for caso disso, ou a contrapartida a pagar pela sociedade.
No caso de ações sem valor nominal, deve também declarar se os valores encontrados atingem ou não o montante do capital social correspondentemente emitido;
• O relatório deve reportar-se a uma data não anterior em 90 dias à do contrato de sociedade, mas o seu autor deve informar os fundadores da sociedade de alterações relevantes de valores, ocorridas durante aquele período, de que tenha conhecimento. O relatório do revisor deve ser posto à disposição dos fundadores da sociedade pelo menos 15 dias antes da celebração do contrato.
Face ao exposto, no caso em concreto recordamos que, se a transferência do património da atividade for utilizada para a constituição do capital da sociedade, poderá beneficiar do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 38.º do CIRS. Caso contrário, enquanto ENI, a transferência do património para a sociedade será tributados na categoria B.
Como referido, esta operação poderá usufruir da neutralidade fiscal em sede de IRS, caso o património transferido seja utilizado para a realização do capital nominal da nova sociedade. Para o efeito é necessário o parecer de um ROC, nos termos suprarreferidos.
Conforme exposto, em maior detalhe acima, sendo aplicável o regime da neutralidade fiscal, na nova sociedade, os ativos e passivos transmitidos serão registados consoante as respetivas naturezas, isto é, debitando as respetivas contas relativas aos bens que constituem valores ativos e creditando as contas que representam valores passivos.
A diferença entre estes valores terá por contrapartida o crédito da conta 262 - Sócio - Quota não liberada. Esta conta 262 ficará com o seu saldo anulado, uma vez que já teria sido debitada por crédito da 51 - Capital Social, no momento da subscrição do capital quando a sociedade foi constituída.
Em sede de IVA, esta operação poderá usufruir do regime de neutralidade fiscal, no caso em que com o património transferido seja possível constituir uma atividade um negócio nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, desde que verificados os requisitos deste preceito.
Notamos que a legislação aplicável (IRS, IRC e IVA) à operação em análise não faz qualquer distinção entre os ENI com ou sem contabilidade organizada, pelo que os nossos comentários serão igualmente aplicáveis caso nos encontremos perante um ENI com ou sem contabilidade organizada.
Assim, notamos que a única diferença será no momento do desreconhecimento dos ativos na esfera do ENI, no qual, existindo contabilidade organizada, será imposto a contabilização da mesma, sendo, contudo, imposto que os ativos e passivos a transferir sejam alvo de um relatório de um ROC, na medida em que estaremos uma vez mais perante uma entrada para realização do Capital Social da nova sociedade em espécie, pelo que na nova sociedade, serão os valores resultantes da avaliação do ROC que deverão ser considerados.
Caso não seja aplicável o n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, cumpre analisar a questão colocada.
No caso é referido que «[e]mbora o sujeito passivo esteja atualmente abrangido pelo regime normal de IVA, pelo menos o imobilizado foi adquirido com IVA suportado pelo contribuinte», ao abrigo do regime especial de isenção do artigo 53.º do CIVA, pelo que é questionado se a venda será sujeita a IVA.
A este respeito, cumpre notar que o n.º 1 do artigo 25.º - «Regularizações relativas a bens do ativo imobilizado por motivo de alteração da atividade ou imposição legal» do CIVA determina que "[s]e, por motivo de alteração da atividade ou por imposição legal, os sujeitos passivos passarem a praticar operações sujeitas que conferem direito à dedução, podem ainda deduzir o imposto relativo aos bens do ativo imobilizado, do seguinte modo:
a) Quando se trate de bens não imóveis adquiridos no ano da alteração do regime de tributação e nos quatro anos civis anteriores, o imposto dedutível é proporcional ao número de anos que faltem para completar o período de cinco anos a partir do ano em que iniciou a utilização dos bens;
b) No caso de bens imóveis adquiridos ou concluídos no ano da alteração do regime de tributação e nos 19 anos civis anteriores, o imposto dedutível é proporcional ao número de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano da ocupação dos bens;
c) A dedução pode ser efetuada no período de imposto em que se verificar a alteração.»
Não obstante, apesar de no caso em concreto esta alteração resultar de uma imposição do próprio código, o n.º 5 do citado artigo 25.º refere que a dedução a que se refere o presente artigo não é aplicável aos sujeitos passivos que, à data da alteração, se encontrassem no regime especial de isenção do artigo 53.º do CIVA.
Neste sentido, mesmo passando a realizar operações sujeitas a tributação, o sujeito passivo não tem direito à regularização do IVA das aquisições efetuadas nos termos do artigo 53.º do CIVA.
Face ao exposto, e assumindo que não estamos perante uma atividade exclusivamente isenta, e como os bens não foram adquiridos com exclusão do direito à dedução do IVA nos termos do artigo 21.º do CIVA, no momento da venda, não será aplicável a isenção do n.º 32 do CIVA, motivo pelo qual terá de ser liquidado o respetivo IVA.
Por fim, uma vez que não nos é referida qual a atividade desenvolvida e a desenvolver, existindo também a possibilidade de a sociedade ser constituída apenas por 1 acionista, cumpre chamar à atenção para a possibilidade de aplicação do regime da transparência fiscal, à nova sociedade, caso se encontrem cumpridos os requisitos definidos.
A respeito deste tema, sugerimos a consulta do manual "Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC" disponibilizado pela OCC.
Poderá ter acesso ao manual no site da OCC, separador
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