PT28349 - Benefícios fiscais
Outubro de 2024
Determinada sociedade por quotas, com sede em território nacional, apresenta em resultados transitados o valor aproximado de 70 mil euros, derivado do acumular de resultados positivos nos exercícios de 2021, 2022 e 2023.
Se a sociedade decidir aumentar o seu capital social por integração desses resultados transitados, poderá beneficiar do regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas ou apenas poderá beneficiar deste regime por integração dos lucros do exercício de 2024 antes da entrega da modelo 22?
Parecer Técnico
A questão colocada refere-se com o benefício fiscal do regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas (ICE), previsto no artigo 43.º-D do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
O regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas consta no artigo 43.º-D do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), tendo sido aditado pelo Orçamento do Estado para 2023, aprovado pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro. Tendo sido levantadas legítimas dúvidas sobre a redação do referido artigo, que contrariava algumas disposições que se haviam anunciado e perspetivado, a Lei n.º 20/2023, de 17 de maio, que alterou o regime de vários benefícios fiscais, conferiu uma nova redação ao artigo 43.º-D do EBF. Mais tarde, também a Autoridade Tributária e Aduaneira divulgou o Ofício Circulado n.º 20261/2023, de 16 de outubro, o qual visava esclarecer algumas dúvidas de interpretação deste benefício fiscal. Este regime foi novamente alterado pelo Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024), aprovado pela Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro, pelo que neste parecer observaremos as disposições do artigo 43.º-D do EBF em vigor a partir de 1 de janeiro de 2024.
De acordo com o regime fiscal indicado, que não foi possível aplicar no período de 2022, na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português pode ser deduzida uma importância correspondente à aplicação da taxa Euribor a 12 meses, que corresponda à média do período de tributação, calculada tendo por base o último dia de cada mês, adicionada de um spread de 1,5 pontos percentuais, ao montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis.
Caso o sujeito passivo se qualifique como micro, pequena ou média empresa (PME) ou empresa de pequena-média capitalização (small mid cap), de acordo com os critérios previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, a dedução indicada é a correspondente à aplicação da taxa Euribor a 12 meses, que corresponda à média do período de tributação, calculada tendo por base o último dia de cada mês, adicionada de um spread de 2 pontos percentuais, ao montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis.
Recordamos que, no período de 2023, o benefício fiscal foi apurado através da aplicação da taxa de 4,5% ao montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis. Esta taxa era majorada em 0,5 pontos percentuais caso o sujeito passivo se qualificasse como PME ou small mid cap.
A referida dedução deverá constar no campo 774 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos (modelo 22). Deverá, igualmente, ser preenchido o quadro 04-C do anexo D da modelo 22. Acrescente-se que este benefício fiscal está excluído das limitações do resultado da liquidação, nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 92.º do Código do IRC.
O montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis deve ser apurado por referência ao somatório dos valores apurados no próprio período e em cada um dos 6 períodos de tributação anteriores, considerando-se que o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis corresponde a zero nas situações em que desse somatório resulte uma diferença negativa (n.º 3 do artigo 43.º-D do EBF). Para o referido apuramento, apenas se consideram os aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis verificados nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2023 (n.º 9 do artigo 43.º-D do EBF).
A dedução ao rendimento tributável não pode exceder, em cada período de tributação, o maior dos seguintes limites (n.º 4 do artigo 43.º-D do EBF):
a) 4.000.000,00 euros; ou
b) 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos ("EBITDA fiscal"), apurado nos termos do n.º 13 do artigo 67.º do Código do IRC.
Para efeitos deste regime, consideram-se:
- Aumentos de capitais próprios elegíveis:
i) As entradas realizadas em dinheiro no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital social da sociedade beneficiária;
ii) As entradas em espécie realizadas no âmbito de aumento do capital social que correspondam à conversão de créditos em capital;
iii) Os prémios de emissão de participações sociais;
iv) A aplicação dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição, de acordo com a legislação comercial, em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital.
- Aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis, a diferença, positiva ou negativa, entre:
i) Os aumentos dos capitais próprios elegíveis, e;
ii) As saídas, em dinheiro ou em espécie, a favor dos titulares do capital, a título de redução do mesmo ou de partilha do património, e as distribuições de reservas ou resultados transitados.
O cálculo do benefício deverá ser assim efetuado por recurso a uma conta-corrente em que é considerado o somatório dos valores dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis apurados no próprio período e em cada um dos 6 períodos de tributação anteriores, relevando apenas os que se verifiquem nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2023.
Nos termos do artigo 12.º da suprarreferida Lei n.º 20/2023, que prevê um regime transitório no âmbito do EBF:
- Para efeitos da subalínea iv) da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º-D do EBF, considera-se como primeiro lucro contabilístico abrangido o lucro do período de 2022, cuja deliberação e correspondente aplicação, em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital, ocorra no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2023.
- Não são considerados, para efeitos da subalínea iv) da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º-D do EBF, os aumentos do capital efetuados com recurso aos lucros gerados no período de tributação com início em 2022 que tenham beneficiado do regime da remuneração convencional do capital social previsto no anterior artigo 41.º-A do EBF.
Este regime fiscal aplica-se exclusivamente aos sujeitos passivos que, no exercício em causa, exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que preencham, cumulativamente, as seguintes condições (n.º 7 do artigo 43.º-D do EBF):
a) Não sejam entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, nem sucursais em Portugal de instituições de crédito, de outras instituições financeiras ou de empresas de seguros;
b) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;
c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; e
d) Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.
Para a determinação deste benefício fiscal, sugerimos a utilização do simulador disponibilizado pela OCC no seu sítio eletrónico, nesta ligação.
Efetuado o enquadramento genérico do regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas, analisemos agora a questão colocada.
Deixamos ainda referência ao Guia Prático sobre o tema preparado pela OCC, que poderá consultar aqui
No caso apresentado, uma determinada entidade pretende proceder ao aumento do capital social com recurso a resultados transitados, questionando se tal aumento é elegível para efeitos do ICE.
Importa desde logo referir que quaisquer questões de direito societário que estejam relacionadas com o aumento de capital de sociedades devem ser analisadas em sede própria, estando fora do âmbito do Departamento de Consultoria da OCC, recomendando-se que os responsáveis das empresas consultem advogado para completo esclarecimento destes temas.
Não obstante, daremos nota de alguns aspetos genéricos.
Na esfera do Código das Sociedades Comerciais (CSC) são relevantes os seguintes normativos:
- Artigos 87.º a 93.º, em geral;
- Artigos 266.º a 269.º, nas sociedades por quotas;
- Artigos 456.º a 462.º, nas sociedades anónimas.
Da análise das disposições do CSC, destaca-se essencialmente o seguinte:
a) Deliberação de aumento de capital
- A deliberação de aumento de capital representa uma alteração do contrato social, pelo que deve ser tomada por maioria qualificada.
- Sendo uma alteração do contrato, a deliberação deve ser reduzida a escrito, conforme n.º 3 do artigo 85.º do CSC, e objeto de registo comercial.
b) Quanto à modalidade do aumento, temos:
- Aumento de capital por novas entradas - em dinheiro ou em espécie (artigos 28.º e 87.º a 90.º do CSC);
- Aumento de capital por incorporação de reservas (artigos 91.º a 93.º CSC).
Como se verifica, o Código das Sociedades Comerciais (CSC) não prevê especificamente a possibilidade de "aumentar o capital social por incorporação de resultados transitados".
Prevê sim a modalidade de "aumento de capital por incorporação de reservas", conforme artigos 91.º a 93.º CSC.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos do entendimento que nada obsta que os sócios possam deliberar no sentido de constituir reservas livres e posteriormente deliberarem no sentido do aumento do capital.
Em termos contabilísticos, os registos poderão ser:
1) Pela constituição da reserva:
Débito da conta 56 - "Resultados transitados" por contrapartida a crédito da conta 552 - "Outras reservas"
2) Pelo aumento de capital:
Débito da conta 552 - "Outras reservas" por contrapartida a crédito da conta 51 - "Capital subscrito"
Sem prejuízo do exposto, como inicialmente referido, trata-se de matéria jurídica, recomendando-se que os responsáveis da entidade consultem advogado ou outro profissional da área jurídica para pleno esclarecimento de dúvidas.
Face ao exposto e respondendo concretamente à questão colocada, mesmo que seja possível aumentar o capital social através dos resultados transitados/reservas livres, esse aumento não é elegível para efeitos do ICE, uma vez que não constitui um "aumento de capital próprio elegível", já que não constitui aumento de capital em dinheiro nem em espécie, nas modalidades de conversão de créditos em capital.