Investimentos financeiros em Cabo Verde
PT28617 – junho de 2025
Determinada sociedade por quotas está a investir em Cabo Verde, tendo estabelecimento estável naquele país (apartamentos turísticos).
Como deverão ser lançados os montantes transferidos da conta da empresa em Portugal para Cabo Verde? Como propriedades de investimento? A empresa tem de ter NIF e contabilidade em Cabo Verde? Como deverão ser contabilizados os resultados obtidos em Cabo Verde?
Parecer técnico
As questões colocadas relacionam-se com o tratamento contabilísticos e fiscal de uma sucursal em Cabo Verde de uma empresa portuguesa.
Começamos por referir que o enquadramento contabilístico e fiscal cabo-verdiano deverá ser aferido diretamente nesse país, junto de entidades competentes, uma vez que está fora do âmbito das competências exclusivas do contabilista certificado e, consequentemente, da atuação do departamento técnico da OCC.
No que se refere ao tratamento das operações em Portugal, é importante qualificar se é ou não o estabelecimento estável e se, por exemplo, se trata de uma sucursal ou de uma filial da empresa portuguesa.
Pelo exposto pressupomos tratar-se de um estabelecimento estável em forma de sucursal em Cabo Verde.
Para a interpretação do estabelecimento estável, refira-se que um dos conceitos de estabelecimento estável consta no artigo 5.º da Convenção Modelo da Organização do Comércio e Desenvolvimento Económico (OCDE) para eliminar a dupla tributação internacional. Modelo que Portugal adotou para estabelecer as convenções de dupla tributação (CDT). Internamente, para efeitos fiscais, o estabelecimento estável está previsto no artigo 5.º do Código do IRC (CIRS), em termos que são muito próximos do artigo 5.º da Convenção Modelo da OCDE.
Na Convenção entre Portugal e a Cabo Verde para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Lei n.º 63/2000, a referida Convenção, o artigo 7.º (Lucros das empresas) prevê:
«1 - Os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que sejam imputáveis a esse estabelecimento estável.
2 - Com ressalva do disposto no n.º 3, quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado contratante, a esse estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.
3 - Na determinação do lucro de um estabelecimento estável é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para realização dos fins prosseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo as despesas de direção e as despesas gerais de administração, efetuadas com o fim referido, quer no Estado em que esse estabelecimento estável estiver situado quer fora dele.
4 - Nenhum lucro será imputado a um estabelecimento estável pelo facto da simples compra de mercadorias, por esse estabelecimento estável, para a empresa.
5 - Para efeitos dos números precedentes, os lucros a imputar ao estabelecimento estável serão calculados, em cada ano, segundo o mesmo método, a não ser que existam motivos válidos e suficientes para proceder de forma diferente.
6 - Quando os lucros compreendam elementos do rendimento especialmente tratados noutros artigos desta Convenção, as respetivas disposições não serão afetadas pelas deste artigo.»
Este artigo da Convenção Portugal/Cabo Verde não se afasta muito do princípio geral consagrado no Modelo de Convenção da OCDE relativamente a esta matéria, estabelecendo o n.º 1 que o direito de tributar os lucros das empresas pertence ao Estado de que tais empresas são residentes. Mas, a segunda parte deste n.º 1, consagra uma exceção à regra geral acima exposta, na qual está prevista a atribuição do poder de tributar os estabelecimentos estáveis de sociedades não residentes ao Estado da fonte, exigindo, no entanto, que os lucros obtidos nesse Estado, sejam imputáveis ao estabelecimento estável.
Os números seguintes estabelecem a forma de determinação do lucro do estabelecimento estável. O n.º 2 equipara o estabelecimento estável a uma empresa independente. O que leva a pressupor a rejeição do princípio da força atrativa do estabelecimento estável e a aceitação da não diferenciação entre o estabelecimento estável e uma sociedade subsidiária.
Logicamente que para a determinação do lucro do estabelecimento estável é permitida a dedutibilidade de todas as despesas efetuadas para a prossecução dos objetivos do dito estabelecimento, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração, ainda que tais despesas não tenham sido realizadas no território de localização do estabelecimento (n.º 3).
Assim, o estabelecimento estável em Cabo Verde será aí tributado como sujeito passivo de IRC, sobre os lucros obtidos em Cabo Verde, decorrentes da atividade aí desenvolvida, como se se tratasse de «uma sociedade subsidiária.» Este estabelecimento estável será também tratado em Cabo Verde como sujeito passivo de IVA, dada a obrigação de registo nesse território, em função da realização no mesmo de atividades.
Pelo que as relações comerciais entre a sede (em Portugal) e o estabelecimento estável (em Cabo Verde) deverão ser vistas e tratadas como se as mesmas fossem realizadas entre dois sujeitos passivos independentes, cada qual localizado no seu País.
Em sede de imputação dos gastos (à sede ou ao estabelecimento estável), há que atender ao disposto no artigo 7.º da CDT quanto à determinação do lucro tributável do estabelecimento estável (e, naturalmente, ao artigo 18.º do CIRC, quanto ao lucro da sede).
Esta imputação ao estabelecimento estável de gastos suportados em Portugal pode ser feita através de faturação de prestação de serviços, como se a um cliente independente fossem faturados, com as necessárias implicações contabilísticas, em IRC e IVA.
As transferências de matérias-primas ou produtos intermédios do estabelecimento estável para a sede serão normais importações de bens de Cabo Verde para Portugal, e vice-versa, para assim seres faturadas e tratadas em sede contabilística, em IRC e IVA.
Em síntese, esse estabelecimento estável terá de cumprir todas as obrigações estabelecidas na legislação de Cabo Verde, nomeadamente as obrigações fiscais e contabilísticas.
O estabelecimento estável tem de possuir um sistema de contabilidade própria no sentido de permitir o apuramento do lucro tributável da atividade desenvolvida na Cabo Verde.
Posteriormente esses movimentos contabilísticos do estabelecimento estável são integrados na contabilidade da sede em Portugal, sendo também objeto de tributação, pois relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, de acordo com n.º 1 do artigo 4.º do CIRC, nomeadamente os obtidos pelo estabelecimento estável na Cabo Verde.
Esta integração deve constituir uma reprodução de todos os movimentos escriturados na contabilidade do estabelecimento estável (em Cabo Verde) na contabilidade da sede em Portugal.
Existem duas formas de fazer esta integração, ou através de fotocópias dos documentos ou através de um resumo mensal dos movimentos reproduzindo-os nas correspondentes contas, por extração dos balancetes a enviar pelo «estabelecimento estável», acompanhados também de fotocópia dos documentos.
A este respeito, de referir que, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira Portuguesa não aceite fotocópias como documentos de suporte aos lançamentos, nesta situação, em concreto, devem ser aceites não só devido à particularidade do caso, como também pelo facto dos originais da documentação terem de ficar no estabelecimento estável para serem presentes à Administração Fiscal de Cabo Verde.
Quando o POC se encontrava em vigor, foi publicada uma diretriz contabilística sobre este tema (Diretriz Contabilística n.º 23 - relação entre entidades contabilísticas de uma mesma entidade jurídica), que preceituava:
«A integração dos movimentos contabilísticos da sede e das sucursais, para efeito dos lançamentos periódicos e das demonstrações financeiras globais, deve processar-se mediante a elaboração de mapas de trabalho que evidenciem todas as operações das sucursais e eliminem as operações internas e eventuais resultados derivados das mesmas, designadamente nas transferências de existências.»
Em certa medida, este entendimento permanece válido quando se refere à obrigação de integração de todas as operações das sucursais, eliminação das operações internas e eventuais resultados derivados das mesmas. O que importa ter em conta quanto ao demais - ou seja, a forma como essa integração se processa - é a relevação de todas as operações das sucursais, atendendo a que a contabilidade deve estar apta a ser exportada através do ficheiro normalizado de dados conhecido como SAF-T, nos termos do já citado n.º 8 do artigo 123.º do CIRC.
Em termos fiscais, o artigo 4.º do CIRC refere que «sobre as pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.»
Ou seja, a regra geral de tributação dos rendimentos obtidos em território nacional, opera para os residentes numa base universal (tributa-se a totalidade dos rendimentos obtidos, incluindo os obtidos fora do território nacional); para os não residentes, opera numa base territorial (tributam-se os rendimentos obtidos em território nacional).
Pelo princípio da atração do estabelecimento estável (consignado no n.º 3 do artigo 3.º do CIRC português) são certamente imputáveis ao estabelecimento estável em Cabo Verde as operações praticadas naquele território provenientes de atividades idênticas ou similares às habitualmente realizadas pelo estabelecimento estável, independentemente de a faturação ser emitida pela, ou para a, sede ou pelo, ou para o, estabelecimento estável.
Apesar desta tributação em Cabo Verde, relativamente aos rendimentos obtidos pelo estabelecimento estável ali localizado, nos termos do artigo 91.º do CIRC, a empresa portuguesa pode deduzir à coleta do IRC, o imposto sobre esses rendimentos pago na Cabo Verde, desde que este não seja superior à fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados.
Atendendo a estas regras contabilísticas e fiscais, os lucros ou prejuízos obtidos por uma empresa portuguesa num estabelecimento estável localizado noutro país, devem ser integrados nos resultados dessa empresa, sendo objeto de sujeição a IRC.
Em termos do preenchimento da declaração de rendimentos modelo 22, não há qualquer distinção entre os rendimentos obtidos no país onde a empresa é residente e os rendimentos obtidos no estabelecimento estável localizado noutro país, devendo o resultado líquido global da empresa ser sujeito a tributação nos termos do CIRC.
Uma das formas de evitar a dupla tributação jurídica internacional, uma vez que os rendimentos atribuídos ao estabelecimento estável em Cabo Verde também são tributados nesse país, é através da dedução à coleta do imposto pago na Cabo Verde, conforme o artigo 91.º do CIRC, com a respetiva inclusão desse valor no campo 353 do quadro 10 da declaração modelo 22, com o limite já mencionado.
Nos termos do artigo 68.º do CIRC, quando seja utilizado o crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 91.º do CIRC, tem-se que acrescer, no campo 724 do quadro 07 da declaração modelo 22, o imposto sobre o rendimento pago em Cabo Verde (na contabilidade da sede deve estar relevado na conta 812x - Imposto sobre o rendimento do período - Imposto de Cabo Verde).
Para além do procedimento para evitar ou atenuar a dupla tributação em imposto sobre o rendimento pelo método do crédito de imposto previsto no artigo 91.º do CIRC, a empresa portuguesa tem a opção de aplicar o método de isenção previsto no artigo 54.º-A do CIRC, como forma alternativa para evitar a dupla tributação relativamente aos rendimentos líquidos obtidos e imputáveis ao estabelecimento estável situado fora do território nacional.
A empresa portuguesa tem, assim, a opção de aplicar o método do crédito de imposto previsto no artigo 91.º ou o método de isenção previsto no artigo 54.º-A, para os rendimentos obtidos e imputáveis ao estabelecimento estável situado fora do território nacional.
O método de isenção previsto no artigo 54.º-A apenas pode ser aplicado desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
- Os lucros imputáveis a esse estabelecimento estável estejam sujeitos e não isentos de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro (no caso em concreto, do imposto sobre os rendimentos das sociedades cabo-verdianas);
- E, esse estabelecimento estável não esteja localizado em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
A opção do método de isenção deve ser mantida por um período mínimo de três anos, a contar da data em que se inicia a sua aplicação.
Essa opção (ou cessação de aplicação) deve ser efetuada através de envio de declaração de alterações até ao fim do terceiro mês do período de tributação em que se pretende iniciar ou cessar a respetiva aplicação.
Optando-se pela utilização do método de isenção, os lucros (contabilísticos) obtidos e imputáveis ao estabelecimento estável devem ser deduzidos no campo 794 do quadro 07 da declaração modelo 22. Os prejuízos (contabilísticos) obtidos e imputáveis ao estabelecimento estável devem ser acrescidos no campo 787 do quadro 07 da declaração modelo 22.
Em termos de registos contabilísticos, pode-se atender às regras previstas na diretriz contabilística n.º 23/98 - Relações entre entidades contabilísticas de uma mesma entidade jurídica, ainda que esta tenha sido revogada com a entrada em vigor do SNC.
Esta diretriz contabilística refere que os movimentos de fundos iniciais (normalmente dinheiro) efetuados pela sede para o estabelecimento estável, relativos a valores assimiláveis ao capital social desse estabelecimento estável, devem ser registados em subcontas da conta 41 - Investimentos financeiros criadas para o efeito, com a designação de «Estabelecimento estável X», sendo os movimentos de fundos posteriores, por exemplo, a título de reforços de tesouraria, ou outros similares, registados em contas de terceiros, por exemplo, uma subconta da conta 278 - Outros devedores e credores.
Na contabilidade do estabelecimento estável, esses mesmos movimentos de fundos são registados numa conta de capital, com a designação de sede, quando se trate do movimento inicial e dos que tenham características de dotação de capital, sendo os restantes movimentos de fundos registados também numa conta de terceiros (com movimento contrário ao registado na sede).
O objetivo destes registos contabilísticos é que exista uma anulação destes montantes, quando se efetuar a integração da contabilidade do estabelecimento estável na contabilidade da sede.
De referir que esta integração das contabilidades destas entidades (sede e estabelecimento estável) não é efetuada de acordo com as normas previstas para a consolidação de contas, uma vez que tais normas apenas se devem aplicar quando existam duas entidades claramente independentes, o que não acontece nestes casos, em que se tratam de duas atividades da mesma entidade.
Por outro lado, todos os movimentos comerciais que possam existir entre a sede e o estabelecimento estável, nomeadamente as transferências de inventários e outras operações internas (dentro da empresa), incluindo eventuais resultados derivados dos mesmos, devem ser eliminados por inteiro quando se efetuar essa integração das duas contabilidades.
Para que se consiga efetuar este controlo das operações internas, com o objetivo de preparar as demonstrações financeiras globais da empresa, a ser apresentadas e publicadas em Portugal, mas distinguindo as operações da sede e do estabelecimento estável, a empresa deverá criar subcontas específicas, intituladas «estabelecimento estável» nas contas da classe 3 - Inventários, nomeadamente na conta de compras e nas várias contas de inventários, nas contas da classe 4 - Investimentos e classe 5 - Capital, reservas e resultados transitados, como no exemplo já foi referido em cima, e, ainda, nas contas de gastos e perdas (classe 6) e rendimentos e ganhos (classe 7).
Em termos dos inventários, a empresa deve registar em subcontas separadas conforme essas compras sejam destinadas ao armazém da sede ou do estabelecimento estável, sendo posteriormente transferidos esses valores para a respetiva conta de armazém, de forma a evidenciar as existências existentes no armazém da sede e no armazém do estabelecimento estável.
Em termos de IVA, como a empresa portuguesa passa a exercer uma atividade económica em Cabo Verde, nomeadamente através de um estabelecimento estável, deve efetuar também o respetivo registo para efeitos deste imposto, nos termos previstos na legislação fiscal de Cabo Verde.
Nas relações diretas entre a empresa e o outro Estado (Cabo Verde), respeitantes a IVA, deve ser utilizada uma subconta específica da conta 24 - Estado e outros entes públicos, conforme disposto no ponto 10 da diretriz contabilística n.º 11/92 - IVA intracomunitário (apesar de estar revogado), sugerindo-se que o IVA dessas operações (ativas e passivas) seja registado na subconta 247 - IVA em Cabo Verde.
O IVA destas operações, a deduzir ou a liquidar ao Estado cabo-verdiano, é registado na subconta 247 - IVA em Cabo Verde - estabelecimento estável, estando assim separado do IVA das operações efetuadas em Portugal, que será liquidado ou deduzido ao Estado português, e que estará registado na conta 243.
De referir que as prestações de serviços entre a sede (em Portugal) e o estabelecimento estável (em Cabo Verde), incluindo o débito de encargos (pela imputação de mão-de-obra ou encargos administrativos), não são operações sujeitas a IVA, conforme previsto no Ofício-Circulado n.º 30 114, de 25 de novembro de 2009.
O estabelecimento estável de Cabo Verde, enquanto sujeito passivo de imposto, passa a ter de cumprir todas as obrigações para com o Estado cabo-verdiano, nomeadamente de pagamento de impostos e obrigações declarativas (de IVA, imposto sobre o rendimento e outros impostos cabo-verdianos, nos termos da legislação desse país).