IVA e IRC / Regras de localização e Modelo 30
PT28636 - Julho de 2025
Determinada sociedade por quotas, com atividade afeta à indústria e sujeito passivo de IVA, recebeu uma fatura emitida pela empresa Microsoft Ireland Operations Limited, com sede na Irlanda e com NIF PT 980xxxxxx, com um valor total de 36,87 euros, tendo sido aplicada uma taxa de IVA de 0% na fatura. Nesta situação, deve ser entregue a Modelo 30? Para além disso, deve a empresa proceder à autoliquidação do IVA à taxa de 23% ao abrigo do mecanismo de inversão do sujeito passivo, uma vez que se trata de um serviço intracomunitário (considerando que o fornecedor tem um NIF português (iniciado por "PT") apesar de estar sediado na Irlanda)?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se com a aquisição de serviços de aquisição de uma licença de software por um sujeito passivo português a um fornecedor com registo de IVA em Portugal (NIF 980XXXXX), não tendo o mesmo liquidado IVA na fatura. Questiona ainda sobre a obrigação da Modelo 30 relativamente ao pagamento de tais serviços.
IVA
Ora, tratando-se de aquisição de serviços a um fornecedor estrangeiro devemos atender às regras de localização do artigo n.º 6 e seguintes do CIVA.
Estão previstas duas regras gerais de localização das prestações de serviços que constam no número 6 do artigo 6.º do Código do IVA.
Nas prestações de serviços que tenham como destinatários sujeitos passivos do imposto, a regra geral de localização atende ao lugar em que estes disponham da respetiva sede, de um estabelecimento estável ou do domicílio fiscal [alínea a)].
Quando o destinatário dos serviços não seja um sujeito passivo de IVA, a operação é tributada no lugar da sede, estabelecimento estável ou domicílio do prestador dos serviços [alínea b)].
As regras gerais patentes no n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA podem ser afastadas por aplicação das regras de exceção dos números seguintes da mesma norma. Assim, determinadas prestações de serviços devidamente identificadas devem ser enquadradas, caso as suas condições se verifiquem, nas normas (de territorialidade) em que as mesmas se inserem face ao disposto nos números 7 e 8 do artigo 6.º do Código do IVA.
Ora, a prestação de serviços aqui em causa, aquisição licença software, que embora possam ser considerados como prestações de serviços por via eletrónica descritas no anexo D ao CIVA, não se enquadram em nenhuma das exceções previstas neste artigo 6.º quando a operação se realiza entre dois sujeitos passivos, pelo que, deverá ser aplicada a regra geral patente na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA, que como referido anteriormente, remete a localização das operações para o Estado-membro do adquirente, quando a operação se realiza entre dois sujeitos passivos de imposto (as vulgarmente denominadas operações B2B, isto é business to business).
Tratando-se de prestação de serviços efetuada entre dois sujeitos passivos de IVA, e desde que não se trate das situações elencadas nos n.ºs 7 e 8 do mesmo artigo 6.º do CIVA, não é relevante, para efeitos de localização, o espaço fiscal onde são materialmente realizadas as operações.
Este enquadramento torna irrelevante o sítio onde o serviço é materialmente executado, o que faz com que a operação seja tributada no local onde se situe a sede do adquirente dos serviços, o que, neste caso, será em Portugal, sendo tributada nos termos gerais do CIVA.
Este entendimento é corroborado pelo Ofício-Circulado n.º 30115/2009, de 29 de dezembro.
Face ao exposto, se da análise da operação se concluir que a operação é localizada em território nacional, quer seja por falta de enquadramento nas exceções do artigo 6.º do CIVA e então terá abrangência na regra geral da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, quer seja por se tratar com um serviço relacionado com um imóvel localizado em território nacional, o imposto é devido pelo adquirente.
Em resultado deste enquadramento, o sujeito passivo português, entidade adquirente das prestações de serviços em causa, efetuadas por entidades estrangeiras, tornar-se-á sujeito passivo por esta aquisição, face ao disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que refere:
"e) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a), pela aquisição dos serviços abrangidos pela alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º, quando os respetivos prestadores não tenham, no território nacional, sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, a partir do qual os serviços são prestados".
Relativamente ao facto de o fornecedor deter um número de registo em sede de IVA em Portugal, não é relevante, aplicando-se a referida regra de inversão do sujeito passivo, quando esse fornecedor não tenha sede, estabelecimento estável, domicílio ou representante fiscal em Portugal (vide ponto 22 do Ofício-Circulado n.º 030 235, de 27-04-2021).
Assim, nestas operações, a liquidação do imposto relativo à venda de bens ou prestações de serviços, deverá ser efetuada pela empresa adquirente e não pelo fornecedor PT980 XXX, aplicando-se a regra da alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
Perante este enquadramento, o sujeito passivo deverá proceder à autoliquidação do imposto em território nacional, sendo esta autoliquidação efetuada na Declaração Periódica, mais concretamente nos campos 16 e 17 do Quadro 06, no caso de o prestador se localizar num país da União Europeia.
Caso o prestador se localize num país terceiro, a autoliquidação do IVA deve ser relevada na declaração periódica do IVA, incluindo-se a base tributável e o IVA autoliquidado desta aquisição de serviços, no campo 3 e 4 do Quadro 06. Deverá, ainda, ser assinalado "SIM" na primeira questão desse quadro 06, e incluir a base tributável no campo 98 do Quadro 06-A da declaração periódica.
IRC
Vamos assumir o pressuposto que esta empresa não possui estabelecimento estável em Portugal ou que, possuindo-o, os rendimentos não lhe são imputáveis.
O facto de a sociedade em causa ter um registo de IVA (PT980XXXXXX) não significa que detenha um estabelecimento estável em território nacional.
O conceito de estabelecimento estável para efeitos de IRC está previsto no artigo 5.º do CIRC.
Em termos de retenção na fonte, as entidades não residentes que não tenham estabelecimento estável em território português serão tributadas em Portugal, apenas pelos rendimentos obtidos em território português, sendo esta tributação designada de base territorial.
As entidades não residentes que não tenham sede, direção efetiva nem estabelecimento estável em território português, são tributadas em Portugal apenas pelos rendimentos obtidos em território nacional, conforme previsto no n.º 2 do artigo 4.º do CIRC.
Para efeitos do disposto no parágrafo anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, são identificados no n.º 3 do artigo 4.º do CIRC (onde se incluem, nomeadamente, os royalties e as prestações de serviços) sem prejuízo do disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
Será sempre necessário identificar a correta qualificação dos rendimentos em causa, face ao disposto naquela norma.
Nas situações genericamente mencionadas na questão, e para restringirmos o âmbito do tema, poderão estar em causa rendimentos enquadráveis como royalties [subalínea 1) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC] (licenças de software) ou como prestações de serviços [subalínea 7) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC] (onde se inserem os serviços eletrónicos, comissões e publicidade), com base no que esteja contratualmente previsto entre as partes.
Por exemplo, se uma licença de software ou outros direitos similares, pagos por uma empresa portuguesa a entidades não residentes, implicar a transferência de direitos de propriedade intelectual ou a personalização do programa, então, o rendimento qualifica-se como royalties.
Por outro lado, tratando-se apenas de licenças de uso de software estandardizado, não havendo transferência de quaisquer direitos de propriedade intelectual, nem qualquer personalização do programa, o rendimento qualificar-se-á como prestação de serviços. A título exemplificativo, veja-se a Informação Vinculativa da Autoridade Tributária (AT), Processo n.º 9449/2017, por Despacho de 20/10/2017, do Diretor de Serviços de Relações Internacionais, no qual estavam em causa pagamentos mensais a uma empresa irlandesa por uma licença de utilização do software.
Neste caso, pode-se estar perante serviços que se consideram obtidos em território nacional por via do disposto no artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 7), do CIRC.
Porém, haverá que equacionar se se podem inserir no n.º 4 do artigo 4.º do CIRC, que refere que não se consideram obtidos em território português os rendimentos enumerados na alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC quando os mesmos constituam encargo de estabelecimento estável situado fora desse território relativo à atividade exercida por seu intermédio e, bem assim, quando não se verificarem essas condições, os rendimentos referidos no n.º 7 da mesma alínea, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens situados nesse território nem estejam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
Esta norma de não sujeição possui grande subjetividade. Pelo que, terá que ser analisada com a devida cautela e pontualmente, isto é, face à situação concreta que se nos depara. A respeito da aplicação do n.º 4 do artigo 4.º do CIRC, sugere-se a análise da Informação Vinculativa, Despacho de 26.07.02 - Processo n.º 1112/1998, que permite ter conhecimento do raciocínio adotado pela AT acerca desta problemática.
A verificação das condições de realização e de utilização são alternativas, donde decorre que são abrangidas quer as prestações realizadas em território português, mas utilizadas fora desse território, quer as prestações realizadas fora do território, mas que nele sejam utilizadas.
Em princípio, uma prestação de serviços é considerada como realizada em território português quando a mesma aí for materialmente ou fisicamente executada.
Já para averiguar se uma prestação de serviços é considerada como utilizada em território português deve atender-se às características próprias de cada serviço, havendo que examinar, casuisticamente, onde o serviço é usufruído ou onde os seus resultados efetivamente se projetam ou em benefício de quem revertem.
Dada a subjetividade da norma de não sujeição, bem como o facto de não conhecermos todos os detalhes das prestações de serviços em concreto, poderá suceder que a AT considere que estes serviços devem ser tributados em território nacional. Razão pela qual, para salvaguarda da entidade e para evitar entendimentos divergentes, se recomenda que seja efetuado pedido de informação vinculativa à AT nos termos do artigo 68.º da LGT.
Não obstante, faz-se ainda referência à Informação Vinculativa da AT, Processo n.º 2016 003767, por despacho da Subdiretora-geral do IR, de 17/07/2016.
De acordo com esta informação vinculativa, a AT entende que ao pagamento de rendimentos relativos à aquisição de domínios e prestação de serviços em cloud, é aplicável a norma do artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 7), do CIRC, que os considera obtidos em território nacional. Segundo o entendimento vertido naquela informação, considera-se que dada a ausência do caráter de permanência dos servidores dos vários prestadores de serviços num local concreto não se pode afirmar que tais serviços tenham sido realizados integralmente fora do território português. Assim, enquadrar-se-ão como outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português que não se enquadram na exceção constante do n.º 4 do artigo 4.º do CIRC.
Nessa mesma informação vinculativa é ainda feita referência aos pagamentos de serviços de staffing tecnológico, os quais são enquadrados no disposto na subalínea 1) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, considerando a AT que se trata de royalties.
Tratando-se de rendimentos que se considerem obtidos em território nacional quando o devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em Portugal, tais royalties ou prestações de serviços realizadas por sujeitos passivos não residentes estão sujeitas a uma taxa de retenção na fonte, com caráter definitivo, de 25%, nos termos do n.º 4 do artigo 87.º conjugado com os n.ºs 4 e 5 do artigo 94.º, ambos do CIRC.
Quando o rendimento em causa se qualifique como royalties, então, deve ser analisada a aplicabilidade da isenção de IRC prevista nos n.ºs 12 a 16 do artigo 14.º do CIRC - isenções ao abrigo da Diretiva 2003/49/CE - Diretiva Juros e Royalties. Está em causa uma isenção de IRC no que respeita a royalties pagos a sociedades associadas sediadas noutro Estado-Membro da União Europeia ou na Confederação Suíça, nos termos e condições daquelas disposições.
Não sendo aplicável a isenção prevista no artigo 14.º do CIRC, deve averiguar-se a existência ou não de convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional entre Portugal e o país beneficiário do rendimento.
Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do CIRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada (n.º 1 do artigo 98.º do CIRC).
No caso de pagamento de royalties, se for acionada a convenção para eliminar a dupla tributação sobre o rendimento com o Estado de residência do beneficiário dos rendimentos, tais rendimentos são tributados quer no país da residência do fornecedor, quer no país de obtenção do rendimento (Portugal). No país da fonte a tributação opera por retenção na fonte a uma determinada taxa máxima estipulada na respetiva Convenção.
Por outro lado, se as operações em causa se enquadrarem como prestações de serviços, no âmbito do artigo 7.º da Convenção Modelo da OCDE, a tributação é exclusiva no Estado de residência, exceto quando os lucros ou rendimentos sejam obtidos através de um estabelecimento estável ou instalação fixa no Estado de fonte. Sendo acionada a convenção para evitar a dupla tributação, os pagamentos relativos àqueles serviços prestados por não residentes estão dispensados de retenção na fonte (taxa zero). No âmbito do artigo 7.º da Convenção Modelo da OCDE, é afastada a tributação no país fonte do rendimento.
Nas situações referidas nos parágrafos anteriores, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova da verificação dos pressupostos de isenção ou atenuação do imposto perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis. A prova deve ser efetuada em conformidade com o disposto no artigo 98.º, n.º 2, do CIRC.
Para acionar a respetiva Convenção, as entidades beneficiárias dos rendimentos (entidades estrangeiras) devem entregar à sociedade devedora dos mesmos, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto retido na fonte, certificado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado
Este certificado de residência deve ser anexado ao formulário Modelo 21-RFI devidamente preenchido (pela entidade pagadora). Estes documentos deverão ser arquivados para sempre que solicitado, poderem ser apresentados à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos do artigo 128.º do CIRC conjugado com alínea a) do n.º 7 do artigo 119.º do CIRS, tratando-se de rendimentos devidos a sujeitos passivos não residentes em território português, as entidades devedoras são obrigadas a entregar à AT, até ao fim do 2.º mês seguinte àquele em que ocorre o ato do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respetivo quantitativo, consoante os casos, uma declaração de modelo oficial relativa àqueles rendimentos.
Assim, sempre que a empresa portuguesa paga rendimentos a uma entidade não residente em Portugal, quer haja lugar a retenção na fonte, quer seja aplicada a dispensa total ou parcial de retenção, deverá declarar esses rendimentos (e retenções na fonte, quando efetuadas) na declaração Modelo 30.
De referir ainda que a obrigatoriedade da apresentação da declaração - Modelo 30 - subsiste igualmente nos casos em que não tenha lugar a retenção na fonte, em virtude de ter sido acionada a convenção para evitar a dupla tributação.
Deverão constar nesta declaração as situações elencadas no n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, norma que enumera os rendimentos obtidos em território nacional que se consideram abrangidos pela regra da territorialidade que se aplica aos não residentes.
Neste cenário, é sempre obrigatória a obtenção do NIF para o beneficiário do rendimento nos termos estabelecidos no Decreto-Lei n.º 81/2003, de 23/04. Para tal, poderá aceder ao portal das finanças, através do seguinte acesso, e extrair o ficheiro "Suporte_Informatico_ICE.zip":
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/apoio_contribuinte/Suporte_Informatico_Formato_ficheiros/Pages/default.aspx#DL Terá de criar um ficheiro em formato "xml" com base no exemplo demonstrado.
Os originais dos formulários e outros documentos de prova que justifiquem a não aplicação de qualquer taxa de imposto, a utilização de taxas reduzidas ou outras situações, deverão ser conservados na posse da entidade declarante, devendo ser exibidos à Autoridade Tributária e Aduaneira sempre que esta os solicite.