PT19544 - IVA - Agências de viagens: Adiantamentos
01-08-2017
Uma empresa tem como CAE principal o transporte de passageiros. Esporadicamente faz de operador turístico e recentemente surgiu um negócio com pessoas ligadas a uma instituição dos EUA, o que suscitou algumas dúvidas.
Foi-lhes apresentado um roteiro com alguns sítios a visitar e foi feito uma proposta, com valor a incluir as despesas todas para determinado número de pessoas. Eles aceitaram e entretanto transferiram a importância de 38 747 euros de uma só vez para a conta da empresa. Posteriormente vão existir documentos de hotéis, entradas em locais a visitar e outras que serão emitidas em nome da empresa, pois é esta que vai contratar.
A transferência é oriunda dos Estados Unidos, mas a instituição alegou não precisar de documentos. Estes teriam que ser emitidos em nome de várias pessoas mas, para nossa transparência, devíamos emitir documento.
Como se deve proceder em termos de IVA visto tratar-se de um adiantamento? Terá que se regularizar o IVA? Nas despesas feitas pode-se deduzir o IVA?
Para já, foi registado o adiantamento como entrada no banco e contrapartida na conta 21823. Consoante forem surgindo as despesas será feita a conta-corrente.
Este procedimento contabilístico é correto?
Parecer técnico
Parece-nos que haveria que avaliar se há lugar à aplicação do regime especial de IVA aplicável às agências de viagens, face ao cenário descrito, e que consta do Decreto-Lei n.º 221/85, de 3 de julho.
O regime prevista neste diploma é aplicável:
- Às operações das agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos com sede em território português (ou estabelecimento estável neste território a partir do qual os serviços sejam prestados);
- Que atuem em nome próprio perante os clientes; e
- Recorram, para a realização dessas operações, a transmissões de bens ou a prestações de serviços efetuadas por terceiros.
Cumprindo-se os requisitos de aplicação, o IVA será apurado de acordo com o método "base de base", isto é, apura-se a margem bruta nas operações realizadas nos termos do diploma sendo o imposto devido calculado a partir da mesma.
Quando a sede do prestador (operador turístico/agência de viagens) esteja localizada em Portugal a operação será sempre localizada cá, quer para efeitos de aplicação de taxa, quer para a aplicação das isenções especificamente previstas no diploma (veja-se os n.ºs 3 e 4 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 221/85).
A qualidade formal do operador não é relevante para a aplicação deste regime especial, apenas a verificação das condições exigidas para o efeito, tal como consta de jurisprudência comunitária (acórdão do TJUE de Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, 22/10/1998) mas também de entendimento já divulgado pela Autoridade Tributária (informação vinculativa, processo T120 2005407 - despacho do SDG dos Impostos, em substituição do Director-Geral, em 10-11-06).
A qualidade do adquirente, de acordo com as normas transpostas para a legislação portuguesa, também não é relevante para o enquadramento no regime especial, tendo-se a AT pronunciado também relativamente a esta situação (informação vinculativa, processo n.º 2449, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2011-10-11).
Temos então que, reunidas as condições para a aplicação do diploma, e acima resumidas, o IVA das operações será apurado de acordo com este diploma, sendo o IVA a pagar apurado de acordo artigos 3.º e 6.º do regime especial (Decreto-Lei n.º 221/85):
1. Total das contraprestações devidas pelos clientes, com IVA, que se encontrem abrangidos pelo regime especial, no período em questão (mês ou trimestre) deduzido do custo suportado nas transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas por terceiros para benefício direto do cliente, com inclusão do IVA;
2. O valor assim obtido será dividido por 1,23 e arredondado o resultado por defeito ou por excesso para a unidade mais próxima - este montante corresponderá à base tributável das operações abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 221/85;
3. Aplicando a taxa de imposto, atualmente em vigor - 23%, ao valor da base tributável obtemos o imposto do período apurado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 221/85.
4. Neste caso, nenhum do valor do IVA suportado nas aquisições dos bens e serviços que constituem o pacote é dedutível.
Ou seja, considerando um valor de 100 obtido na contraprestação do cliente (IVA incluído) e um custo de 85 (IVA incluído), o valor da margem com IVA corresponderia a 15 -> 12 de base tributável, 3 de imposto liquidado.
Na declaração periódica do IVA deverão os valores ser inscritos nos campos adequados do quadro 6, no exemplo acima, 12 na base tributável (campo 3) e 3 no imposto liquidado (campo 4).
Deverá ainda ter em conta o disposto nos números 3 e 4 do artigo 1.º do regime especial:
- Se as operações relativamente às quais a agência de viagens recorre a terceiros forem efetuadas por estes fora da Comunidade, a prestação de serviços da agência é assimilada a uma atividade de intermediário, isenta por força da alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA (campo 8 do quadro 6);
- Se as operações forem efetuadas na Comunidade e fora dela, só é considerada isenta a parte da prestação de serviços da agência de viagens referente às operações realizadas fora da Comunidade (haverá que fazer a devida separação, não só para efeitos de apuramento, como também para preenchimento da DP do IVA).
Se em determinado período os gastos igualarem o valor das contraprestações, não é apurado qualquer imposto ao abrigo do regime especial, não sendo preenchido nenhum campo da declaração, e quando os gastos excedam o valor das contraprestações também não há IVA apurado, nem preenchimento de nenhum campo da DP, mas este excedente será adicionado aos gastos do período seguinte (apenas para efeitos de cálculo do imposto), conforme disposto na alínea d) artigo 6.º do regime especial.
No que toca às operações que caiam fora do âmbito deste regime especial serão tributadas nos termos normais do IVA, podendo beneficiar de qualquer das isenções previstas no Código do IVA, desde que cumpram os requisitos estabelecidos para o efeito (e que constam das próprias normas de isenção) - veja-se, por exemplo, a que consta da do CIVA artigo 14.º do CIVA, n.º 1, alínea r).
À luz das regras descritas, os adiantamentos efetuados pelos clientes relativamente a operações que fiquem abrangidas por este regime especial não são tributados, tal como consta do Despacho de 8/11/1993, Proc. S 291 92 018, do SAIVA (vide ponto 9 desta informação).
Chamamos a atenção para as condições de aplicação do regime, já atrás referidas, nomeadamente quanto ao requisito de que os serviços sejam adquiridos a terceiros para benefício direto do cliente, não sendo possível a sua aplicação quando os serviços sejam fornecidos por recursos próprios (por exemplo, transporte efetuado em viatura pertencente à empresa).
Também não nos parece ser um óbice à aplicação do regime especial o facto de ser faturado o serviço a cada um dos participantes no circuito, desde que se trate de um "pacote turístico", e que estejam reunidas as demais condições, obviamente.
Considera-se que se está na presença de um "pacote turístico" sempre que uma agência de viagens ou organizador de circuitos turísticos atue em nome próprio perante os clientes e recorra, para realização das operações (em benefício direto do cliente), a aquisições de bens e prestações de serviços a terceiros.
Nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 221/85, de 3 de julho, estas operações relativas ao "pacote turístico" são consideradas como uma única prestação de serviços, como tal sujeita a IVA (nos termos já descritos), desde que a agência de viagens/ operador tenha, no território nacional, sede ou estabelecimento estável a partir dos quais preste os seus serviços.
Como decorre da jurisprudência do TJUE esse "pacote turístico" é em regra composto pelo conjunto de serviços e bens que formam o serviço prestado, que deve incluir, pelo menos, alojamento e/ou prestação de serviços de transporte (em ambos os casos pela definição do regime especial estes serviços devem ser adquiridos a terceiros).