PT24357 – IVA – Ginásio: consulta de nutrição
20-02-2020
Um ginásio pretende facultar aos seus utentes apoio na área de nutrição. Como se deve enquadrar esta nova valência em obediência aos preceitos fiscais, nomeadamente em IVA, na perspetiva de beneficiar de imposto pela taxa reduzida. Será necessário promover qualquer alteração de atividade? Já agora, como se deve liquidar estes serviços ao utente: faturando diretamente pela empresa ou terá que ser o terceiro a faturar (na perspetiva do IVA reduzido). Finalmente, se tiver que ser pela segunda forma como imputar ao terceiro os custos do ginásio?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao enquadramento, em sede de IVA, de serviços prestados de atividades paramédicas, como consultas de nutrição, por uma entidade que exerce a atividade de serviços de atividades físicas e desportivas (ginásio).
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) já se pronunciou sobre a atividade de nutricionismo, nomeadamente, na Informação Vinculativa Processo n.º 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA, por delegação do Diretor Geral da AT, cuja leitura sugerimos.
Nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas estão isentas de imposto.
No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.
Determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação.
É, ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto.
A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, prevê no seu item 5 e 7, respetivamente, a atividade de Dietética.
De acordo com a descrição aí prevista, esta atividade compreende a "(…) Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares (…)".
A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, nomeadamente, serem asseguradas por profissionais habilitados para o seu exercício, nos termos da legislação aplicável.
Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.
Esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que o caracteriza, encontrando-se, assim, as atividades descritas, isentas ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades.
Tal entendimento decorre da interpretação desta disposição legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colect. P. I-6833, n.º 26), que resume o caráter objetivo da isenção no preenchimento de duas condições: se trate de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.
Deste modo, as prestações de serviços de nutrição que venham a ser efetivamente realizadas pelo ginásio, sendo por este faturadas diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, contando que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Nestas circunstâncias, nas faturas a emitir aos utentes relativas à prestação efetiva de consultas de nutrição deve constar a referência à citada isenção.
Recentemente, foi publicada a Informação Vinculativa da AT, Processo n.º 16277, por despacho de 2019-12-20, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação), que veio acrescentar a questão de as consultas serem prestadas com finalidades terapêuticas para efeitos de aproveitamento da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA (vide pontos 36.1.1.1. e 36.1.1.2).
Assim, conforme disposto no ponto 36.1.1.2 da referida informação vinculativa, as consultas de nutricionismo poderão aproveitar daquela isenção quando tenham como objetivo prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde, no caso, no âmbito da atividade de dietética, e de serem prestadas por profissionais devidamente habilitados e credenciados para o exercício desta atividade paramédica, no caso, nutricionistas e dietistas credenciados pela Ordem dos Nutricionistas.
Para o efeito, a entidade deve adicionar o exercício da nova atividade às que já exerce, atualizando o objeto social constante dos seus estatutos, e mediante a entrega de uma declaração de alterações, nos termos do artigo 32.º do CIVA, nela evidenciando a sua qualidade de sujeito passivo misto, bem como, indicar qual o método que pretende utilizar para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto.
Quanto à questão da divisibilidade das consultas de nutrição face ao valor da mensalidade, não basta a indicação separada na fatura, é necessário que sejam operações suscetíveis de serem desagregadas.
Ou seja, se o ginásio cobra um valor único para acesso ao mesmo, dando também a possibilidade de o cliente aceder a consultas de nutrição (independentemente de usufruir ou não efetivamente destas consultas), na nossa opinião, trata-se de uma operação única, sendo aplicável a taxa de 23%.
Se a aquisição de consultas de nutrição puder ser feita separadamente do valor cobrado para o acesso ao ginásio, então, havendo separação dessas duas prestações de serviços na fatura, à consulta de nutrição pode ser aplicada a isenção, desde que verificadas as condições acima descritas.
A este respeito é oportuno recordar o que, a propósito das prestações de serviços compostas, concluiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em de 17 de janeiro de 2013, no acórdão proferido no processo C-224/11, designado também por BGZ Leasing sp. z o.o.
O citado acórdão, a propósito da distinção entre se uma prestação é única, composta ou se são duas prestações distintas, esclarece que, para efeitos de IVA, cada prestação deve ser considerada distinta e independente, tal como resulta do artigo 1.º n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.
Este último acórdão refere ainda o seguinte:
"(…) 30 Não obstante, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em determinadas circunstâncias, várias operações formalmente distintas, suscetíveis de ser realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes (acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Part Service, C-425/06, Colet., p. I-897, n.° 51, e de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere, C-276/09, Colet., p. I-12359, n.° 23). Está em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial (acórdãos de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank, C-41/04, Colet., p. I-9433, n.° 22, e de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN, C-111/05, Colet., p. I-2697, n.° 23). É também o que sucede nos casos em que se deva considerar que um ou mais elementos constituem a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser vistos como uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal (acórdãos de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, Colet., p. I-973, n.° 30, e Part Service, já referido, n.° 52).
31 Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que não só cada prestação de serviços deve normalmente ser considerada distinta e independente como também que a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA (v., neste sentido, acórdãos CPP, já referido, n.° 29, e de 22 de outubro de 2009, Swiss Re Germany Holding, C-242/08, Colet., p. I-10099, n.° 51).
32 Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, CPP, n.° 29; Levob Verzekeringen e OV Bank, n.° 20; e Field Fisher Waterhouse, n.° 18). Contudo, recorde-se que não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo para tal necessário, pois, tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola (v., neste sentido, acórdão CPP, já referido, n.os 27 e 28). (…)”
Em conformidade com esta jurisprudência comunitária, torna-se essencial determinar se, na situação em análise, os serviços fornecidos formam uma prestação única economicamente indivisível, que seria artificial separar, ou se são constituídos por diversas prestações de serviços individualizadas.
De qualquer modo, e para evitar opiniões divergentes, o sujeito passivo em causa tem sempre a possibilidade de solicitar um pedido de informação vinculativa à AT, nos termos do artigo 68.º da LGT.