Participação financeira
Uma sociedade por quotas detém uma quota de elevado valor noutra sociedade. Os capitais próprios da sociedade detida são em 31 de dezembro de 2020 negativos, estando a resolver alguns contenciosos para efetuar a sua liquidação. A sociedade detentora irá contabilizar uma imparidade no valor da participação.
Como deverá ser tratada contabilisticamente esta imparidade? Não existem dúvidas que o custo contabilístico apurado com esta imparidade irá ser considerado como custo fiscal?
Deverá ser solicitado a autoridade independente a validação da desvalorização total da participação (CC ou ROC), ou bastará obter o balanço da sociedade participada?
As questões colocadas referem-se ao enquadramento contabilístico e fiscal decorrente do reconhecimento de uma perda por imparidade relativa a uma participação financeira.
Os dados indicados na questão são insuficientes. Por exemplo, não é referida a percentagem de participação nem de controlo e também não é indicado o normativo contabilístico adotado pela sociedade investidora que detém a participação financeira.
Não obstante, iremos efetuar um enquadramento inicial.
Para as entidades que aplicam a norma contabilística para microentidades (NC-ME), o parágrafo 17.3 daquela norma estabelece que as participações de capital são mensuradas ao custo de aquisição e sujeitas a ajustamentos subsequentes derivados de eventuais imparidades.
Para as entidades que aplicam a norma contabilística e de relato financeiro para pequenas entidades (NCRF-PE), o parágrafo 17.6 daquela norma refere que a mensuração de investimentos em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos e outros instrumentos de capital próprio de uma outra entidade que não sejam negociados publicamente, deve ser feita ao custo menos perdas por imparidade.
Todavia, o parágrafo 17.7 da NCRF-PE permite a adoção do método de equivalência patrimonial (MEP), na mensuração dos investimentos em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos, tal como previsto na NCRF 13 – Interesses em empreendimentos conjuntos e investimentos em associadas, desde que esta opção seja aplicada a todos os investimentos da mesma natureza.
Para as entidades que aplicam as normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF), os investimentos financeiros em participadas, que permitam a existência de controlo ou influência significativa na gestão dessas entidades por parte da investidora, devem ser contabilizados pelo MEP nas demonstrações financeiras individuais dessa entidade investidora, nos termos previstos nas NCRF 13 – Interesses em empreendimentos conjuntos e investimentos em associadas e NCRF 15 – Investimentos em subsidiárias e consolidação.
Os procedimentos do MEP encontram-se definidos nos parágrafos 62 a 68 da NCRF 13, para cuja leitura se remete e recomenda.
Tendo aplicado o MEP e reconhecido as perdas da associada ou subsidiária de acordo com o parágrafo 54 da NCRF 13, o investidor deve determinar se é necessário reconhecer qualquer perda por imparidade adicional com respeito ao conjunto de interesses nessa participação financeira (conforme parágrafo 56 da NCRF 13).
De acordo com o disposto no parágrafo 57 da NCRF 13, a totalidade da quantia escriturada do investimento numa associada ou subsidiária deve ser testada quanto a imparidade segundo a NCRF 12 – Imparidade de ativos como se de um único ativo se tratasse, comparando a sua quantia recuperável (o mais elevado entre valor de uso e justo valor menos os custos de vender) com a sua quantia escriturada. Uma perda por imparidade reconhecida nessas circunstâncias deve ser imputada primeiramente ao goodwill. Deste modo, qualquer inversão dessa perda por imparidade é reconhecida em conformidade com a NCRF 12, na medida em que a quantia recuperável do investimento aumente subsequentemente. Uma perda por imparidade reconhecida para o goodwill não deve ser revertida num período posterior.
No âmbito de concentrações de atividades empresariais, deve ser tido em atenção o previsto na NCRF 14 – Concentrações de atividades empresariais.
A NCRF 27 – Instrumentos financeiros aplica-se a todos os instrumentos financeiros, com exceção dos investimentos financeiros em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos.
Nos termos do parágrafo 11 da NCRF 27, após o reconhecimento inicial, uma entidade deve mensurar, em cada data de relato, todos os ativos financeiros pelo justo valor com as alterações de justo valor reconhecidas na demonstração de resultados, com exceção das situações previstas nas alíneas a) a d) desse parágrafo.
E de acordo com a alínea a) do parágrafo 11 da NCRF 27, os instrumentos de capital próprio de uma outra entidade que não sejam negociados publicamente e cujo justo valor não possa ser obtido de forma fiável, devem ser mensurados ao custo menos perdas por imparidade.
Em face do exposto, recomenda-se que verifique qual o normativo que está a ser adotado pela entidade, o tipo de participação financeira em causa e a mensuração do investimento, nomeadamente, se está a ser mensurado ao custo ou pelo MEP, tendo em conta o previsto nas normas contabilísticas, de modo a aplicar os procedimentos contabilísticos corretos.
Sem prejuízo do referido no parágrafo anterior, responde-se de seguida às questões concretamente colocadas:
O registo contabilístico de uma perda por imparidade em investimentos financeiros pode ser:
- Débito da conta 653 – Perdas por imparidade - Em investimentos financeiros, por contrapartida a crédito da conta 419 – Perdas por imparidade acumuladas, pelo valor da perda por imparidade determinada nos termos da norma contabilística que seja aplicável à sociedade investidora.
Efetuando-se o teste de imparidade previsto e determinando-se o reconhecimento de uma perda por imparidade referente ao investimento financeiro da entidade participada, em termos fiscais, essa perda por imparidade não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável da sociedade investidora, por não estar prevista nos artigos 28.º-A a 28.º C do CIRC.
Essa perda por imparidade reconhecida em termos contabilísticos é acrescida na determinação do lucro tributável de IRC do período em que for contabilizada no campo 721 do quadro 07 da declaração modelo 22.
Relativamente à terceira questão, os procedimentos de determinação de uma perda por imparidade encontram-se definidos na NCRF 12, para cuja leitura se remete.
Em traços gerais, nos termos da NCRF 12, o teste de imparidade é efetuado comparando a quantia escriturada do investimento financeiro com a sua quantia recuperável.
A quantia recuperável é a quantia mais alta entre:
- O valor de uso:
Este valor é estimado de acordo com um dos seguintes métodos, que segundo pressupostos apropriados apresentam o mesmo resultado: a sua parte no valor presente dos futuros fluxos de caixa estimados que se espera venham a ser gerados pela participada, incluindo os fluxos de caixa das suas operações e os proventos da alienação final do investimento; ou o valor presente, dos futuros fluxos de caixa estimados que se espera surjam de dividendos a serem recebidos do investimento e da sua alienação final.
- E o justo valor menos os custos de vender.
Caso a quantia escriturada seja superior à quantia recuperável então o investimento financeiro está em imparidade, devendo a quantia do investimento financeiro ser reduzida para a sua quantia recuperável.