Pareceres
IRC - Rendimentos obtidos por sociedade não residente
26 Março 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

 

IRC - Rendimentos obtidos por sociedade não residente
PT28384 - novembro de 2024

 

Determinada empresa sediada na Letónia irá construir em Portugal um empreendimento habitacional. O plano de negócios elaborado prevê um resultado líquido antes de impostos de cerca de quatro milhões de euros.
Em termos de IRC, a empresa será tributada à taxa de IRC da Letónia ou à taxa de IRC de Portugal Continental? A mesma não irá ter um estabelecimento estável em Portugal. Contudo, haverá a presunção de existência de estabelecimento estável em obras de construção civil com duração superior a seis meses.
Desta forma, assume-se que a tributação do resultado apurado antes de imposto será realizada em Portugal, sem prejuízo de também ser tributado na Letónia, a não ser que seja evocada a CDT entre Portugal e a Letónia.


Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal da obtenção de rendimentos, em território nacional, por uma sociedade não residente.
Face ao exposto, é questionado como a empresa será tributada, em termos de IRC.
Previamente à análise da situação em causa, cumpre desde logo esclarecer que a validação das questões legais inerentes a tal operação extravasa as competências do consultório técnico, motivo pelo qual, sobre os aspetos legais inerentes sugerimos a consulta de um jurista ou advogado.
Nos termos dos artigos 4.º e 13.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), está prevista a possibilidade de uma entidade sem residência em Portugal exercer aqui uma atividade comercial sem para tal ter de constituir uma sociedade nos termos do direito português, fazendo-o através de uma «representação permanente», «estabelecimento estável» ou «sucursal», estando, também, sujeita a registo comercial.
De acordo com a alínea c) do artigo 10.º do Código do Registo Comercial, um estabelecimento estável deve ser registado na conservatória do registo comercial, devendo também efetuar-se o registo das respetivas prestações de contas.
Nos termos do artigo 65.º do CSC, as entidades sujeitas ao CSC, devem elaborar e apresentar aos órgãos de gestão, o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual.
Note-se que um estabelecimento estável em Portugal não tem personalidade jurídica própria e independente da sede, embora adquira personalidade tributária em território nacional para a tributação dos rendimentos cá obtidos, nos termos da legislação aplicável.
Os estabelecimentos estáveis em Portugal têm de cumprir todas as obrigações estabelecidas na legislação portuguesa, nomeadamente as obrigações fiscais e contabilísticas. Porém, todas as operações efetuadas devem ser integradas na contabilidade da empresa que representa (estrangeira).
A alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRC (CIRC) determina que são sujeitos passivos de IRC as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 4.º do CIRC estabelece que as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos. Conforme previsto no corpo do n.º 3 do citado artigo 4.º, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado.
São componentes do lucro imputável do estabelecimento estável os rendimentos de qualquer natureza obtidos por seu intermédio, bem como os seguintes rendimentos de que sejam titulares as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português (n.º 3 do artigo 3.º do CIRC):
«a) Rendimentos derivados da venda a pessoas ou entidades com residência, sede ou direção efetiva em território português de bens ou mercadorias idênticos ou similares aos vendidos através desse estabelecimento estável;
b) Os demais rendimentos obtidos em território português, provenientes de atividades idênticas ou similares às realizadas através desse estabelecimento estável.»
O conceito de estabelecimento estável é composto por dois elementos de verificação cumulativa:
• Um elemento estático - que exprime a organização através da qual é exercida uma certa atividade; e
• Um elemento dinâmico - que exprime a atividade em si mesma considerada.
Nos termos do artigo 5.º do CIRC, considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. Determina o n.º 2 do referido normativo que se incluem na noção de estabelecimento estável, nomeadamente, desde que satisfeitas as condições indicadas:
«a) Um local de direção;
b) Uma sucursal;
c) Um escritório;
d) Uma fábrica;
e) Uma oficina;
f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais situado em território português.»
Como decorre do acórdão arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), relativo ao processo n.º 229/2021-T, de 28 de fevereiro de 2022, o local de direção efetiva corresponde ao local onde são tomadas, em substância, as decisões chave, tanto a nível de gestão geral como de gestão a nível comercial, necessárias à condução das atividades da entidade na sua globalidade.
Adicionalmente, e nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do CIRC, incluem-se, ainda, na noção de estabelecimento estável:
«a) Um local ou um estaleiro de construção de instalação ou de montagem, bem como as atividades de coordenação, fiscalização e supervisão com eles conexas, quando a duração desse local ou estaleiro ou a duração dessas atividades, exceda seis meses;
b) As instalações, plataformas ou navios utilizados na prospeção ou exploração de recursos naturais, quando a duração da sua atividade exceda 90 dias;
c) As atividades de prestação de serviços, incluindo serviços de consultoria, prestados por uma empresa, através dos seus próprios empregados ou de outras pessoas contratadas pela empresa para exercerem essas atividades em território português, desde que tais atividades sejam exercidas durante um período ou períodos que, no total, excedam 183 dias num período de 12 meses com início ou termo no período de tributação em causa.» (itálicos nossos)
Para efeitos de contagem do prazo referido, no caso dos estaleiros de construção, de instalação ou de montagem, o prazo aplica-se a cada estaleiro, individualmente, a partir da data de início de atividade, incluindo os trabalhos preparatórios, não sendo relevantes as interrupções temporárias, o facto de a empreitada ter sido encomendada por diversas pessoas ou as subempreitadas.
Os estabelecimentos estáveis não determinam o apuramento de dois resultados líquidos, mas apenas de um, que deve integrar a totalidade dos rendimentos e gastos referentes ao exercício da atividade em Portugal. Assim, a entidade não residente que detém o estabelecimento estável em Portugal deve integrar na sua contabilidade todas as operações efetuadas pelo seu estabelecimento estável, mas este último apenas deverá relevar na sua contabilidade os acontecimentos e operações realizados em Portugal ou imputáveis ao estabelecimento estável.
Recorde-se que este estabelecimento estável tem de cumprir todas as obrigações estabelecidas na legislação portuguesa, nomeadamente as obrigações fiscais e contabilísticas. Porém, todas as operações efetuadas pelo estabelecimento estável devem ser integradas na contabilidade da entidade não residente que representa. Haverá, assim, que reproduzir todo o movimento escriturado na contabilidade do estabelecimento estável em Portugal na contabilidade da entidade não residente.
Uma entidade não residente com estabelecimento estável em Portugal é um sujeito passivo de IRC e, tal como resulta do n.º 1 do artigo 123.º do CIRC, as entidades não residentes com estabelecimento estável são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei.
Adicionalmente, o artigo 125.º do CIRC refere que a contabilidade das sucursais deve ser elaborada e estar centralizada em território nacional, abrangendo apenas as operações ocorridas em Portugal.
De modo a permitir o apuramento e o controlo do lucro tributável, devem ser também cumpridos os requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º do CIRC, ou seja, a contabilidade deve:
- Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas no CIRC;
- Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes;
- Estar organizada com recurso a meios informáticos.
Estas entidades são tributadas em Portugal pelo lucro que lhes seja imputável, conforme definido pela alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRC, devendo ser cumpridas todas as obrigações fiscais decorrentes da sua qualidade de sujeito passivo de IRC e de IVA, nomeadamente as obrigações declarativas - declaração de início de atividade, declaração periódica de rendimentos (declaração modelo 22) e Informação Empresarial Simplificada (IES) - e as obrigações contabilísticas.
Nos termos do artigo 55.º do CIRC, o lucro tributável imputável a estabelecimento estável de sociedades e outras entidades não residentes é determinado aplicando, com as necessárias adaptações, o disposto na secção II do referido Código.
Podem ser deduzidos como gastos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que sejam imputáveis ao estabelecimento estável, nos termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações, devendo esses critérios ser uniformemente seguidos nos vários períodos de tributação.
Nos casos em que não seja possível efetuar uma imputação com base na utilização pelo estabelecimento estável dos bens e serviços a que respeitam os encargos gerais, são admissíveis como critérios de repartição nomeadamente os seguintes:
a) Volume de negócios;
b) Gastos diretos;
c) Ativo fixo tangível.
Efetuado o enquadramento genérico dos estabelecimentos estáveis, deve ser avaliado se estarão reunidas as condições que enunciámos para que a entidade não residente indicada, face às atividades que exerce/irá exercer em território nacional, tenha de considerar que detém um estabelecimento estável em Portugal.
No caso em concreto, existindo um estabelecimento estável em Portugal, pode levar a problemas relacionados com o concurso de normas, possibilitando que mais do que um Estado, caso tenham disposições fiscais idênticas, pretendam tributar a mesma entidade, verificando-se a ocorrência de dupla tributação.
Dupla tributação será o fenómeno que ocorre quando um mesmo facto tributário corresponde a uma pluralidade de normas, dando origem a mais de um imposto. Assim haverá dupla tributação quando o mesmo rendimento se integre na hipótese de incidência de duas ou mais normas tributárias materiais distintas, originando a constituição de mais do que uma obrigação de imposto.
Assim, é importante, no caso concreto, atender à Convenção para evitar a dupla tributação (CDT), celebrada entre Portugal e a Letónia.
Neste sentido, note-se que as entidades não residentes em território nacional, apenas são tributadas pelos rendimentos nele obtidos.
De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado.
Não obstante a definição de estabelecimento estável, anteriormente transcrita, presente na legislação nacional, nomeadamente no CIRC, o artigo 5.º da CDT celebrada entre Portugal e a Letónia vem compreender na definição de estabelecimento estável:
«a) Um local de direção;
b) Uma sucursal;
c) Um escritório;
d) Uma fábrica;
e) Uma oficina; e
f) Uma mina, um poço de petróleo ou gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais.»
Determina ainda o citado artigo 5.º da CDT que:
«3 - Um local ou um estaleiro de construção, de instalação ou de montagem ou as atividades de supervisão conexas só constituem um estabelecimento estável se a sua duração exceder nove meses.
4 - Não obstante as disposições anteriores deste artigo, a expressão “estabelecimento estável” não compreende:
a) As instalações utilizadas unicamente para armazenar, expor ou entregar bens ou mercadorias pertencentes à empresa;
b) Um depósito de bens ou de mercadorias pertencentes à empresa mantido unicamente para os armazenar, expor ou entregar;
c) Um depósito de bens ou de mercadorias pertencentes à empresa mantido unicamente para serem transformados por outra empresa;
d) Uma instalação fixa mantida unicamente para comprar bens ou mercadorias ou reunir informações para a empresa;
e) Uma instalação fixa mantida unicamente para exercer, para a empresa, qualquer outra atividade de carácter preparatório ou auxiliar;
f) Uma instalação fixa mantida unicamente para o exercício de qualquer combinação das atividades referidas nas alíneas a) a e), desde que a atividade de conjunto da instalação fixa resultante desta combinação seja de carácter preparatório ou auxiliar.»
Adicionalmente, note-se que o artigo 7.º da CDT estabelece que:
«1 - Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.
2 - Com ressalva do disposto no n.º 3, quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares nas mesmas condições ou em condições similares e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.
3 - Na determinação do lucro de um estabelecimento estável é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para realização dos fins prosseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo as despesas de direção e as despesas gerais de administração efetuadas com o fim referido, quer no Estado em que esse estabelecimento estável estiver situado quer fora dele.
4 - Se for usual num Estado Contratante determinar os lucros imputáveis a um estabelecimento estável com base numa repartição dos lucros totais da empresa entre as suas diversas partes, a disposição do n.º 2 deste artigo não impedirá esse Estado Contratante de determinar os lucros tributáveis de acordo com a repartição usual; o método de repartição adotado deve, no entanto, conduzir a um resultado conforme com os princípios enunciados neste artigo.
5 - Nenhum lucro será imputado a um estabelecimento estável pelo facto da simples compra de bens ou de mercadorias, por esse estabelecimento estável, para a empresa.
6 - Para efeitos dos números precedentes, os lucros a imputar ao estabelecimento estável serão calculados, em cada ano, segundo o mesmo método, a não ser que existam motivos válidos e suficientes para proceder de forma diferente.
7 - Quando os lucros compreendam elementos do rendimento especialmente tratados noutros artigos desta Convenção, as respetivas disposições não serão afetadas pelas deste artigo.»
Face ao exposto, se a entidade não residente dispuser de estabelecimento estável, em Portugal, então o lucro imputável a este é tributado em território nacional, nos termos do artigo 55.º do CIRC.
Este estabelecimento estável terá de cumprir todas as obrigações estabelecidas na legislação portuguesa, nomeadamente as obrigações fiscais e contabilísticas, devendo-se entregar uma declaração de início de atividade, com a identificação expressa de estabelecimento estável.
Caso a legislação do país de residência (Letónia) determine que estes rendimentos também serão tributados nesse território, o artigo 24.º da CDT - «Eliminação da dupla tributação» determina que é à Letónia que compete a eliminação da dupla tributação, nomeadamente pelo crédito do imposto.
Sobre este assunto, aconselhamos a consulta do manual de formação «Fiscalidade Internacional» de 2024, desenvolvido pela Ordem dos Contabilistas Certificados, que pode aceder através do site da OCC em Formação > Materiais de apoio à formação.