IRC - reinvestimento realizado na venda de bens
PT28401 - dezembro de 2024
Determinada sociedade por quotas vendeu em 2022 uma casa e na declaração modelo 22 só se colocou os 50 por cento da mais-valia, em virtude de ter intenção de reinvestir noutro apartamento para arrendar ou para alojamento local, sabendo que tem dois anos para o fazer.
Em abril de 2024 adquiriu um apartamento, mas, devido ao mercado, decidiu em agosto do mesmo ano vender esse mesmo apartamento.
Após esta aquisição teria de cumprir algum prazo antes de voltar a vender?
Caso não tenha de cumprir com algum prazo, entende-se que foi feito o reinvestimento ou tem de refazer a declaração modelo 22 do ano 2022? Se sim, até quando?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal, em sede de IRC, do reinvestimento realizado na venda de bens.
Apesar de na exposição efetuada não ser questionado o tratamento contabilístico, consideramos importante efetuar o mesmo como introdução ao tema. Cumpre assim referir que a contabilidade deve basear-se nas operações realizadas no período, com o objetivo de se preparar e apresentar demonstrações financeiras que contenham a posição financeira e o desempenho económico verificado nesse período, independentemente de outros formalismos legais.
Quanto ao reconhecimento de um bem no ativo da empresa, remetemos, num primeiro momento para a definição de ativos. Assim, de acordo com o parágrafo 49 da estrutura conceptual, é referido que:
«Ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.»
Nos termos do parágrafo 51 da estrutura conceptual, o mesmo transmite-nos que «[a]o avaliar se um item satisfaz a definição de ativo, passivo ou capital próprio, é preciso dar atenção à sua subjacente substância e realidade económica e não meramente à sua forma legal. (...)»
Para que um item seja reconhecido no balanço como ativo, não basta cumprir a definição de ativo, sendo necessário que cumpra os critérios de reconhecimento do parágrafo 87 da estrutura conceptual:
- Seja provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade;
- O ativo tenha um custo que possa ser mensurado com fiabilidade.
Cumpridos que se encontrem tais requisitos, será indispensável aferir a tipologia do ativo em causa.
Considerando que não é indicado o normativo contabilístico adotado pela entidade, atendendo às questões colocadas, assumimos que a entidade está a dotar as normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) previstas no aviso n.º 8 256/2015, de 29 de julho.
O tratamento contabilístico referente aos imóveis detidos pelas entidades poderá variar em função do destino ou função na atividade. Estes diferentes tratamentos contabilísticos estarão estreitamente ligados com o tipo de rendimento a reconhecer pela exploração desses imóveis, sendo sempre considerados no conceito de rédito.
Para o efeito teremos de atender à norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 7 - Ativos fixos tangíveis, NCRF 11 - Propriedades de investimento e NCRF 18 - Inventários, que estabelecem o tratamento contabilísticos dos imóveis, dentro da atividade das entidades.
Haverá ainda que atender às notas de enquadramento do Código de Contas do SNC, que estabelecem as contas a utilizar conforme o tipo de ativo estabelecido pelas NCRF, não existindo, no entanto, uma relação direta estabelecida entre estas contas e as rubricas dos modelos das demonstrações financeiras.
Os imóveis detidos pelas entidades deverão ser registados na conta 43 - Ativos fixos tangíveis, quando estejam ocupados pela própria entidade, e essa ocupação se destine ao seu uso no processo de produção, fornecimento bens ou serviços ou fins administrativos, de acordo com o parágrafo 6 da NCRF 7.
Os imóveis deverão ser registados na conta 32 - Mercadorias, quando sejam destinados a serem vendidos no decurso da atividade ordinária da empresa, ou seja, durante o ciclo operacional, sendo essa atividade a compra e venda de imóveis.
Efetivamente, tratando-se de imóveis cujo destino será a venda no decurso da atividade corrente da entidade, estes terão a natureza de inventários (existências), conforme o parágrafo 6 da NCRF 18.
Assim, a compra dos imóveis que se destinam à venda devem ser registadas na conta 311 - Mercadorias, sendo o inventário posteriormente reconhecido na conta 32 - Mercadorias e o rédito resultante da venda deve ser registado na conta 711 - Vendas - Mercadorias.
Situação diferente será no caso de os imóveis serem adquiridos com o objetivo de se verificar uma valorização do capital investido e cujo destino seja a sua venda, normalmente, sendo esta uma mera atividade de investimento da empresa, acessória à sua atividade corrente (que não é a compra e venda de imóveis), os imóveis deverão ser registados na conta 42 - Propriedades de investimento, no termos do parágrafo 5 da NCRF 11.
De acordo com o mesmo parágrafo 5 da NCRF 11, os imóveis destinados ao arrendamento, quer a empresa exerça a atividade de arrendamento de imóveis, ou não, e quer estejam arrendados, ou não, deverão ser também registados na conta 42 - Propriedades de investimento.
Desta forma, os imóveis adquiridos com vista ao arrendamento, a sua aquisição deve ser registada na conta 42 - Propriedades de investimento, caso seja adotada as NCRF.
A este respeito, cumpre ressalvar que caso nos encontremos perante propriedades de investimento e a entidade adote a norma contabilística das microentidades (NC-ME) ou a norma contabilística e de relato financeiro para as pequenas entidades (NCRF-PE), o registo deverá ser realizado na conta 43 - Ativos fixos tangíveis, conforme determinam os parágrafos 7.2 e 7.5, respetivamente.
Esta diferente classificação preconizada no SNC estará relacionada com a forma como cada tipo de imóvel irá gerar benefícios económicos para a entidade, e não tanto em relação à atividade desenvolvida pela entidade, exceto no caso de a entidade ter como atividade a compra e venda de imóveis.
Assim, são ativos fixos tangíveis os imóveis utilizados que não irão gerar benefícios económicos por si mesmos, sendo utilizados em conjunto com outros ativos, como máquinas e equipamentos, na produção e fornecimento ou para fins administrativos.
Os imóveis detidos para serem vendidos no âmbito da atividade ordinária (corrente), classificados como inventários, irão gerar benefícios económicos pela obtenção de rédito pela venda de bens, nos termos da NCRF 20.
Por outro lado, estamos perante propriedades de investimento quando os imóveis são detidos com o objetivo de gerar rendas ou ganhos na valorização do imóvel, sendo que esses benefícios económicos são completamente independentes da restante atividade da entidade e da utilização de outros ativos, estando apenas dependentes das condições de mercado.
Neste sentido, e no caso em concreto, se estamos perante imóveis que foram adquiridos ou eram detidos para serem arrendados, entendemos que estamos perante propriedades de investimento, tendo em consideração o parágrafo 5 da NCRF 11. Recorde-se que, nos termos deste parágrafo, são considerados propriedades de investimento os imóveis destinados ao arrendamento, quer a empresa exerça a atividade de arrendamento de imóveis, ou não, e quer estejam arrendados, ou não.
Em termos fiscais, na alienação do imóvel, classificado como propriedade de investimento, deverá ser determinada a mais-valia ou menos-valia nos termos do artigo 46.º e seguintes do Código do IRC (CIRC).
Admitindo a existência de uma mais-valia, esta configura um rendimento tributável nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas, decorrentes da alienação onerosa de bens do ativo, nomeadamente, de propriedades de investimento.
A mais-valia ou menos-valia resulta da diferença entre o valor de realização (valor da respetiva contraprestação recebida), líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas no artigo 31.º-B, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente.
Adicionalmente, e pelo n.º 1 do artigo 48.º do CIRC, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias pode ser considerada em apenas 50 por cento para efeitos de determinação do lucro tributável desde que haja reinvestimento do valor de realização da totalidade dos ativos.
O reinvestimento do valor de realização terá de ocorrer:
a) No período de tributação anterior ao da realização;
b) No próprio período de tributação; ou
c) Até ao fim do segundo período de tributação seguinte.
Se houver apenas reinvestimento parcial do valor de realização, o benefício de tributação em apenas 50 por cento é aplicado à parte proporcional da diferença entre as mais-valias e as menos-valias.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º do CIRC, só é elegível para efeitos de reinvestimento do valor de realização as operações aquisição, produção ou construção de:
- Ativos fixos tangíveis;
- Ativos intangíveis;
- Ativos biológicos que não sejam consumíveis;
Os referidos ativos devem ser detidos por um período não inferior a um ano, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda.
Não é considerado como reinvestimento a aquisição de bens, em estado de uso, feitas a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC.
A intenção de efetuar o reinvestimento deve ser mencionada no quadro 09 do anexo A da IES. Igualmente, devem ser declarados neste quadro os reinvestimentos efetuados em cada período relevante.
Não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do prazo previsto (segundo período de tributação seguinte ao da realização), além de se considerar como rendimento desse período de tributação, a diferença positiva entre mais-valias ou menos-valias (ou a parte proporcional dessa diferença) que não tenha sido incluída no lucro tributável ainda há uma penalização que consiste na majoração desse valor em 15 por cento.
Não obstante, cumpre ter presente que o n.º 10 do artigo 48.º do CIRC determina que «[n]ão são suscetíveis de beneficiar deste regime as propriedades de investimento, ainda que reconhecidas na contabilidade como ativo fixo tangível." (itálico nosso)
Face ao exposto, e no caso em concreto, caso se conclua que estávamos perante uma propriedade de investimento, entendemos que não se encontram cumpridos os requisitos do artigo 48.º do CIRC, motivo pelo qual o sujeito passivo não poderia beneficiar do regime do reinvestimento, em 2022.
Adicionalmente, mesmo que o imóvel alienado em 2022 fosse um ativo fixo tangível, recorde-se que só é elegível para efeitos de reinvestimento do valor de realização as operações aquisição, produção ou construção de:
a) Ativos fixos tangíveis;
b) Ativos intangíveis;
c) Ativos biológicos que não sejam consumíveis;
No caso em concreto, sendo adquirido um imóvel com vista ao arrendamento, conforme enquadramento anterior, estamos perante uma propriedade de investimento, motivo pelo qual a sua aquisição não seria elegível para efeitos do citado reinvestimento.
Assim, caso se conclua que a declaração de rendimentos modelo 22 não foi devidamente preenchida, notamos que, em termos fiscais, de acordo com o n.º 1 do artigo 122.º do CIRC, «quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.» (itálico nosso)