Pareceres
IRC - transmissão de participações sociais entre sociedades
28 Março 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

 


IRC - transmissão de participações sociais entre sociedades
PT28386 - novembro de 2024

 

Determinada empresa “ABC”, cujo objeto social é o de compra e venda de bens imobiliários, mediação imobiliária, arrendamento de bens imobiliários e administração de imóveis por conta de outrem, detinha, desde 2018, a totalidade do capital social da sociedade “CDE”, cuja atividade consistia na exploração de um restaurante. Não tinha qualquer atividade nem outras participações.
Em 2023 a sociedade “ABC” vendeu as quotas que detinha da sociedade “CDE” a terceiros tendo a venda gerado uma grande mais-valia.
A declaração modelo 22 de 2023 foi entregue refletindo essa mais-valia, tendo resultado um IRC a pagar no valor de aproximadamente 250 mil euros que a sociedade “ABC” ainda não conseguiu liquidar.
A mais-valia obtida na esfera da empresa “ABC” pode ser isenta de IRC (ao abrigo do artigo 51.º do CIRC ou outro diploma)? Se assim for, como reagir agora, uma vez que a modelo 22 foi entregue refletindo essa mais-valia e a demonstração de liquidação de IRC recebida tinha prazo para pagamento até 24 de setembro de 2024?
Acrescenta-se que a empresa “ABC”, de acordo com a informação contabilística de 2020 e 2021, não dispunha de imóveis nem obteve qualquer rendimento de arrendamento de imóveis. Por outro lado, a sociedade “CDE” não detém imóveis ou se detiver estes representam menos de 50 por cento do seu ativo.

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal da transmissão de participações sociais entre sociedades, no caso, a transmissão de quotas.
Notamos que na presente resposta apenas iremos dar resposta às questões técnicas, nomeadamente fiscais, pelo que as demais situações serão respondidas pelo departamento jurídico da Ordem dos Contabilistas Certificados.
Previamente à nossa análise, cumpre notar que transmissão de quotas entre sócios ou a pessoas terceiras é permitida pelo Código das Sociedades Comerciais (CSC). Efetivamente, o CSC não estabelece qualquer restrição à transmissão de quotas entre pessoas, salvo as que resultem das estabelecidas no contrato da sociedade.
Assim, para que possa ocorrer essa transmissão de quotas deverá, antes de mais, verificar-se as condições estabelecidas no pacto social, isto é, se este define alguma restrição na transmissão das quotas, sendo estas restrições ou proibições permitidas, conforme estabelecido pelo artigo 229.º do CSC.
Para além do pacto social, o artigo 228.º CSC e seguintes definem a forma, bem como o procedimento, para a realização dessa transmissão de quotas, nomeadamente, se deverá a transmissão de quotas ser reduzida a escrito.
A transmissão de quotas carece de consentimento da sociedade, que deverá ser comunicada por escrito pelos sócios. A única exceção à necessidade desse consentimento será quando se trate de cessão entre cônjuges ou entre sócios.
Cumpre ainda referir que os valores pelos quais o negócio deve ser celebrado dependem da vontade das partes envolvidas - alienantes e adquirentes - em resultado provavelmente da avaliação efetuada ao património social, onde se incluem as situações ativas e passivas.
Em termos contabilísticos, esta cedência de quotas, sendo realizada pelos sócios, e não existindo qualquer alteração quantitativa do capital, não implicará qualquer alteração quantitativa do património societário, uma vez que a sociedade continuará com o mesmo capital social, embora agora detido em percentagens diferentes pelos diversos sócios (ou por outro(s) sócio(s)).
Na esfera da sociedade, o registo contabilístico resume-se apenas à alteração de titularidade do respetivo capital (valor nominal) independentemente do valor pelo qual as quotas são cedidas entre os sócios.
Neste sentido, entendemos que os movimentos contabilísticos, na esfera da sociedade “CDE”, passarão pela reclassificação entre as diversas contas 51X - Capital subscrito.
Como se poderá concluir, a diferença positiva ou negativa entre o valor de cedência das quotas e o seu valor de aquisição apenas se refletirá na esfera patrimonial dos sócios cedentes e não na própria sociedade.
Assim, na esfera da sociedade “ABC”, o investimento financeiro detido em instrumentos de capital próprio da outra sociedade (sociedade “X”) deve ser desreconhecido pela venda dessa participação.
O investimento financeiro detido pela sociedade “ABC” pode estar classificado como um investimento numa subsidiária, associada, empreendimento conjunto ou numa outra entidade, dependendo da percentagem de controlo, exercida pela sociedade na outra empresa, face aos respetivos direitos de voto detidos pela sociedade.
O tratamento contabilístico dos investimentos financeiros em instrumentos de capital próprio de outras entidades está previsto na norma contabilística e relato financeiro (NCRF) 13 - Interesses em empreendimentos conjuntos e investimentos em associadas, na NCRF 15 - Investimentos em subsidiárias e consolidação e NCRF 27 - Instrumentos financeiros.
Estas NCRF determinam que, na ótica da investidora (sociedade), nas suas demonstrações financeiras individuais, se o investimento financeiro for classificado como investimento em subsidiárias, investimento em associada ou investimento em empreendimento conjunto deve ser reconhecido e mensurado pelo método da equivalência patrimonial (MEP), com ajustamento dessa participação financeira, na data de relato, em relação às variações dos capitais próprios da participada.
A alienação de investimentos financeiros em instrumentos de capital próprio da outra empresa, classificados como investimentos em subsidiárias, associadas ou empreendimentos conjuntos, e mensurados pelo método de equivalência patrimonial (MEP), devem implicar a determinação de um ganho ou uma perda (mais ou menos-valia) em função da diferença entre o montante da contraprestação obtida e a quantia escriturada do investimento financeiro.
Caso esteja mensurado pelo custo menos perdas por imparidade, a alienação do investimento financeiro também irá originar a determinação de um ganho ou uma perda (mais ou menos-valia) em função da diferença entre o montante da contraprestação obtida e a quantia escriturada do investimento financeiro, estando mensurado ao custo menos perdas por imparidade.
Assim, na esfera da sociedade “ABC” os registos contabilísticos a efetuar podem ser:
Pela alienação da participação
- Débito da conta 12 - Depósitos à ordem (ou conta 278 - Outros devedores e credores), pelo valor recebido ou a receber (valor de realização);
- Débito da conta 6853 - Gastos e perdas em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos - Alienações (ou conta 6862, caso esteja mensurado pelo custo) (no caso de existir perda), pela diferença negativa entre o valor de realização e a quantia escriturada do investimento financeiro;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 411x - Participações de capital, pela proporção da quantia escriturada do investimento financeiro (incluindo a mensuração pelo MEP, se for o caso e também os empréstimos concedidos);
- Crédito da conta 7852 - Rendimentos em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos - Alienações (ou conta 7862, caso esteja mensurado pelo custo) (no caso de existir perda), pela diferença positiva entre o valor de realização e a quantia escriturada do investimento financeiro;
Pela realização do ajustamento em ativos financeiros (se existirem)
- Débito da conta 571x - Ajustamentos em ativos financeiros - Relacionados com o método da equivalência patrimonial
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 56 - Resultados transitados, pelo montante realizado pela alienação parcial da participação financeira.
Em termos fiscais, não existindo qualquer alteração patrimonial na sociedade “CDE”, a cedência de quotas não implica qualquer operação relevante para efeitos de tributação em IRC. No entanto, somos a alertar para a perda da dedução de possíveis prejuízos fiscais nos termos do n.º 8 do artigo 52.º do CIRC.
Na esfera da sociedade “ABC”, no âmbito do artigo 46.º do CIRC, devem ser determinadas as respetivas mais ou menos-valias decorrentes da alienação das participações sociais.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, respeitantes a instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.
De acordo com o artigo 2.º do artigo 46.º do CIRC, as mais ou menos-valias fiscais, derivadas da alienação de partes sociais de outras empresas, devem ser determinadas pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade aceites fiscalmente.
O valor de aquisição é o valor referente ao custo (histórico) de aquisição da participação, eventualmente líquido de perdas por imparidade, não sendo influenciado pela mensuração pelo MEP (se for o caso). Este valor de aquisição deve incluir o valor das ações ou quotas, bem como de outros instrumentos de capital próprio.
Se a alienação da parte de capital se referir a uma participação adquirida há mais de dois anos, deve ser aplicado o respetivo coeficiente de desvalorização monetária, nos termos do artigo 47.º do CIRC. Esse coeficiente apenas pode ser aplicado à parte de capital (e não aos outros instrumentos de capital próprio, se existirem).
De acordo com o n.º 1 do artigo 51.º-C do CIRC, não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e independentemente da percentagem da participação transmitida, de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano, desde que, na data da respetiva transmissão, se mostrem cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRC, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo.
Esta regra aplica-se de igual modo às partes sociais (ações ou quotas) e a outros instrumentos de capital próprio, tal como disposto no n.º 2 do artigo 51.º-C do CIRC.
Os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 51.º-C do CIRC, que permitirão a não relevância, para efeitos fiscais, das mais-valias e das menos-valias obtidas na alienação de partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio, são:
«a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;
b) A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período;
c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;
d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;
e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.»
O disposto no n.º 1 do artigo 51.º-C do CIRC não é aplicável às mais-valias e às menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes sociais, bem como à transmissão de outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais quando o valor dos bens imóveis ou dos direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis, represente, direta ou indiretamente, mais de 50 por cento do ativo.
Note-se, contudo, que para efeitos do cálculo da percentagem indicada de 50 por cento apenas se consideram os imóveis adquiridos em ou após 1 de janeiro de 2014, conforme dispõe o n.º 12 do artigo 12.º da Lei n.º 2/2004, de 16 de janeiro (diploma a que se convencionou designar por «Reforma do IRC»).
Se não forem cumpridas estas condições do artigo 51.º-C do CIRC, a referida mais ou menos valia fiscal pela alienação das participações sociais devem ser relevantes na determinação do lucro tributável de IRC das sociedades alienantes, sem prejuízo do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
No preenchimento da declaração de rendimentos modelo 22, a entidade alienante deve proceder:
- Ao acréscimo das menos-valias contabilísticas (perda contabilizada na conta 6853 ou 686), decorrente da quantia escriturada do investimento financeiro, incluindo outros instrumentos de capital próprio no campo 736 do quadro 07 da declaração modelo 22;
- À dedução das mais-valias contabilísticas no campo 767 do quadro 07 da declaração modelo 22;
- À dedução das menos-valias fiscais no campo 769 do quadro 07 da declaração modelo 22; e
- Ao acréscimo das mais-valias fiscais no campo 739 do quadro 07 da declaração modelo 22.
Não sendo o ganho ou perda (mais ou menos-valia fiscal) relevantes fiscalmente, nos termos do artigo 51.º-C do CIRC, a entidade não deve proceder ao acréscimo na linha 739 nem à dedução no campo 769, ambos do quadro 07 da declaração modelo 22.
A alienação do investimento financeiro no capital de outra empresa deve implicar o preenchimento do mapa de mais-valias e menos-valias - Modelo 31.
Face ao exposto, cumpridos que se encontrem os requisitos do citado artigo 51.º-C do CIRC, a mais-valia fiscal não concorre para a determinação do lucro tributável, motivo pelo qual na declaração modelo 22 apenas deveria ser deduzido o valor da mais-valia contabilística.
No que respeita à regularização da situação, sob pena do enquadramento a efetuar em termos jurídicos, nomeadamente por ser referido que já existe uma liquidação emitida, notamos que, em termos fiscais, de acordo com o artigo 122.º do CIRC:
«1 - Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.
2 - A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.» (itálico nosso)
Cumpre ainda notar que, para além da possibilidade prevista no artigo 122.º do CIRC, em termos legais existe ainda a possibilidade de apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial, nos termos do artigo 131.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), onde é referido o seguinte:
«1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.» (itálico nosso)
Face ao exposto, na medida em que a declaração modelo 22 apresentada, em 2024, por referência a 2023, contendo um imposto superior ao devido, poderá ser substituída no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.
A respeito deste tema, sugerimos ainda a leitura do artigo «"Participation exemption" - Implicações e benefícios para as empresas», que poderá encontrar nesta ligação.