Pareceres
IRC - utilidade social
31 Março 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRC - utilidade social
PT28388 – Novembro de 2024

 

Determinada empresa efetuou um seguro de vida individual, por morte ou invalidez permanente, para os seus funcionários. Para além da sua contabilização na conta 63..., deverá fazer algo mais?

 

Parecer técnico

 

A questão colocada refere-se com o enquadramento fiscal da atribuição de um seguro de vida à generalidade dos trabalhadores de uma empresa.
O Código do IRS prevê a tributação dos rendimentos obtidos pelas pessoas singulares, independentemente do local, moeda e forma como o mesmo seja obtido. O que importa é que o rendimento obtido se encontre abrangido por norma de qualificação, ou seja, por norma de incidência objetiva em qualquer uma das categorias de rendimento tipificadas no Código do IRS.
O artigo 2.º do Código do IRS trata dos rendimentos da Categoria A - Trabalho dependente, determinando que qualquer remuneração paga ou colocada à disposição do trabalhador proveniente da relação laboral existente, independentemente da designação, periodicidade ou frequência e natureza é tributada.
Pelo exposto, ainda que não existindo norma que objetivamente se refira a determinada operação em concreto no n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, teremos sempre de ter presente o disposto n.º 2 da mesma norma, face à natureza residual e consequentemente abrangente da mesma.
O n.º 2 do artigo 2.º do Código do IRS dispõe: «(...) as remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em coimas ou multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não (...).»
No caso em análise enquadrar-se-á na enumeração de situações que consta no n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS. Vejamos o disposto no n.º 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS:
«(...) 3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:
(...)
b) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente:
(...)
3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal:
i) Com seguros e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários;
ii) Para os fins previstos na subalínea anterior e que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes, objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade (...).»
Consideram-se direitos adquiridos e individualizados, conforme n.º 9 do artigo 3.º do Código do IRS aqueles «(...) cujo exercício não depende da manutenção do vínculo laboral, ou como tal considerado para efeitos fiscais, do beneficiário com a respetiva entidade patronal (...).»
No caso exposto, importa desde logo verificar se se trata de um direito adquirido e individualizado. Configurando um direito adquirido e individualizado, será rendimento de trabalho dependente.
Não se configurando como direito adquirido e individualizado, mas tendo o seguro de vida uma componente de capitalização, aplicar-se-á o ponto ii) da subalínea 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS. No limite a sujeição a IRS, nestes casos, ocorrerá aquando do resgate por parte do trabalhador.
Naturalmente que é fundamental a análise do contrato estabelecido entre as partes com todas as suas especificidades.
No que respeita ao enquadramento dos encargos com seguros de vida como realizações de utilidade social, cumpre-nos referir que, de acordo com o disposto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRC «são (...) considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15 por cento das despesas com o pessoal contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com:
i. Contratos de seguros de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, de doença ou saúde, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa, e;
ii. Contratos de seguros de doença ou saúde em benefício dos trabalhadores, reformados ou respetivos familiares.»
Todavia, para que tais gastos sejam dedutíveis fiscalmente, é necessário que se encontrem verificados cumulativamente os requisitos previstos no n.º 4 do citado normativo, das quais destacamos a obrigatoriedade destes benefícios serem estabelecidos:
• Para a generalidade dos colaboradores permanentes da empresa;
• Segundo um critério objetivo e idêntico para todos os colaboradores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional;
• Não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2 .º do Código do IRS; e,
• A gestão e disposição das importâncias despendidas não pertençam à própria empresa, os contratos de seguros sejam celebrados com empresas de seguros que possuam sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, ou com empresas de seguros que estejam autorizadas a operar neste território em livre prestação de serviços, e os fundos de pensões ou equiparáveis sejam constituídos de acordo com a legislação nacional ou geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, que estejam autorizadas a aceitar contribuições para planos de pensões de empresas situadas em território português.
Relativamente ao critério de atribuição à generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa, tem sido entendimento da Autoridade Tributária, divulgado em pareceres vinculativos (poer exemplo, processo: 2018 003021, PIV n.º 14217 sancionado por despacho de 6 de dezembro de 2018, da subdiretora-geral do IR), que, «caso o benefício em causa reúna todos os requisitos para ser enquadrado no regime previsto no artigo 43.º do CIRC e algum (ou alguns) trabalhadores não pretendam usufruir do contrato de seguro de saúde, por não ser do seu interesse pessoal, podem manifestar a sua renúncia àquele, mediante documento escrito, assinado e datado, que a ateste, sem que isso represente implicações fiscais para a requerente.»
Refira-se ainda que, encontrando-se cumpridos os critérios do artigo 43.º do CIRC, são igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15 por cento das despesas com o pessoal contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contratos de seguros de vida, não se considerando rendimentos do trabalho dependente, estando assim tais importâncias excluídas de tributação, nos termos do artigo 2.º-A, n.º 1, alínea e) do CIRS.
Assim, para efeitos de dedutibilidade em IRC, os gastos com seguros de vida têm um tratamento fiscal distinto, conforme sejam, ou não, considerados rendimentos do trabalho dependente na esfera do beneficiário.
Conforme exposto, são qualificados como rendimentos do trabalho dependente, na esfera do beneficiário, as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários - n.º 3), da alínea b), do n.º 3, do artigo 2.º do CIRS.
Por outro lado, o artigo 43.º do CIRC determina que são considerados gastos do período de tributação os suportados com diversas realizações de utilidade social, mas tal dedutibilidade apenas é admissível desde que se verifiquem, cumulativamente, várias condições elencadas no n.º 4 do artigo 43.º, entre as quais que os benefícios não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
Assim sendo, o conceito de direitos adquiridos e individualizados é uma questão prejudicial à interpretação e aplicação das normas sobre a matéria em análise.
Existem «direitos adquiridos» sempre que o trabalhador mantenha o direito aos benefícios, independentemente da manutenção ou da cessação do vínculo existente com a empresa. Por oposição, nas «meras expectativas» não há um direito efetivo ao benefício futuro, que o trabalhador não sabe se virá a usufruir.
Por outro lado, os montantes despendidos pela entidade patronal constituirão direitos individualizados quando não exista a aplicação genérica a todos os trabalhadores e os montantes se encontrem alocados individualmente a cada trabalhador, sendo possível, a todo o momento, determinar o que foi atribuído a cada um.
Se as realizações não consubstanciarem direitos adquiridos e individualizados, os gastos incorridos ou suportados não terão acolhimento no artigo 23.º, mas no âmbito do artigo 43.º do CIRC.
Por outro lado, para ter enquadramento no âmbito do artigo 43.º do CIRC, um seguro não pode constituir contrapartida do trabalho prestado pela pessoa segura a favor do segurado nem ser substitutivo de qualquer prémio, ainda que não arbitrariamente atribuído pelo empregador.
Assim, o enquadramento a atribuir ao produto em concreto subscrito pela empresa deverá ser feito à luz do acima exposto. Neste contexto, a tributação pode ocorrer de acordo com dois cenários possíveis:
- No cenário em que o seguro de vida é considerado um direito adquirido e individualizado dos beneficiários, deverá ser considerado nos termos do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS como trabalho dependente, e neste sentido nos termos da alínea d) do n.º 2 artigo 23.º do CIRC, será na totalidade considerado como gasto fiscal.
- No cenário em que o seguro de vida não é considerado um direito adquirido dos beneficiários, os gastos serão considerados como gastos do período de tributação, até ao limite de 15 por cento das despesas com pessoal contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com: Contratos de seguros de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, de doença ou saúde, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.
Relativamente à declaração mensal de remunerações (DMR), a mesma deve ser apresentada pelas pessoas ou entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente sujeito a IRS, ainda que isentos, bem como os que se encontrem excluídos de tributação nos termos do artigo 2.º do CIRS.
As contribuições para o seguro de vida são consideradas rendimentos da categoria A de IRS, são rendimentos em espécie, não estando sujeitas a retenção na fonte, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 99.º do CIRS.
Se as contribuições para o seguro de vida forem consideradas como rendimentos de trabalho dependente, objeto de tributação, mas estando dispensadas de retenção na fonte por se tratar de rendimentos em espécie, devem ser indicadas com o código A no quadro 5 da DMR da AT.
Se as contribuições para o seguro de vida forem consideradas como rendimentos de trabalho dependente, poderão beneficiar ainda da isenção prevista no artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que importará atender a essa disposição. Apesar de eventualmente poderem beneficiar desta isenção de IRS, os trabalhadores beneficiários têm que obrigatoriamente sujeitar a englobamento esses rendimentos isentos, uma vez que terão relevância para a determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos tributáveis, conforme disposto no n.º 4 do mesmo artigo 18.º do EBF. Assim esses rendimentos sujeitos, mas isentos de IRS com obrigação de englobamento, por enquadramento no n.º 1 do artigo 18.º do EBF, devem ser indicadas com o código A18 no quadro 5 da DMR da AT.