Pareceres
IRS - Rendimentos em espécie
14 Agosto 2023
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem


IRS - Rendimentos em espécie
Junho 2023


Solicita-se esclarecimento no enquadramento em IRS de um seguro de vida contratado e pago por uma empresa minha cliente a um pequeno grupo das profissões que compõem o seu quadro de pessoal. O conjunto dos beneficiários do citado seguro representam menos de 10% dos trabalhadores efetivos. Dado os elementos que me disponibilizaram, considerei os prémios de seguro como rendimentos em espécie, dado o seguro não ser de aplicação generalizada. Pretende-se saber, nomeadamente, se existe algo a corrigir quanto ao enquadramento que efetuei sobre estes rendimentos em espécie. Dado que não existe nenhum código previsto na DMR para comunicar os rendimentos citados, instrumentalmente, utilizei o código A66 o que teve como consequência que a AT classificou os rendimentos para efeito da declaração de IRS no código 410. Apesar de me parecer que o código dos rendimentos não é determinante para o cálculo, questiona-se se existe algum código mais favorável ao sujeito passivo que o possa beneficiar na liquidação do respetivo IRS.

Parecer Técnico


Questiona-nos sobre o enquadramento fiscal em sede de IRS e IRC dos encargos suportados por uma entidade com seguros de vida, efetuado a favor de alguns colaborador e/ou gerentes da entidade.

De acordo com o disposto no artigo 2º do Código do IRS (“CIRS”), consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado.

Nesta aceção, o n.º 2 do mesmo artigo clarifica que as remunerações referidas compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas, bem como as remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.

Por sua vez, a redação da al. b) do n.º 3 do mesmo artigo dispõe que se consideram ainda rendimentos do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.

Ora, nestes termos, entende-se que todas as remunerações, direitos, benefícios ou regalias que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta, e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem, são considerados rendimentos do trabalho dependente. 

Em suma, ao definir um conceito amplo de remuneração para efeitos fiscais, o legislador pretendeu abranger uma extensa diversidade de prestações, designadamente, os chamados “fringe benefits”, que os colaboradores recebem no âmbito da sua relação laboral, quer se tratem de rendimentos pecuniários, quer se tratem de rendimentos em espécie ou outras vantagens que consistam em compensações relacionadas com a prestação de trabalho.

Relativamente às normas de exclusão, prevê o artigo 2º-A do Código do IRS que não se consideram rendimentos do trabalho dependente, entre outros:
“…
a)      As prestações efetuadas pelas entidades patronais para regimes obrigatórios de segurança social, ainda que de natureza privada, que visem assegurar exclusivamente benefícios em caso de reforma, invalidez ou sobrevivência;
b)      Os benefícios imputáveis à utilização e fruição de realizações de utilidade social e de lazer mantidas pela entidade patronal, desde que observados os critérios estabelecidos no artigo 43.º do Código do IRC e os 'vales infância' emitidos e atribuídos nas condições previstas no Decreto-Lei n.º 26/99, de 28 de janeiro;
c)       As prestações relacionadas exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores, quer estas sejam ministradas pela entidade patronal, quer por organismos de direito público ou entidade reconhecida como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes;
d)      As importâncias suportadas pelas entidades patronais com a aquisição de passes sociais a favor dos seus trabalhadores, desde que a atribuição dos mesmos tenha carácter geral;
e)       As importâncias suportadas pelas entidades patronais com seguros de saúde ou doença em benefício dos seus trabalhadores ou respetivos familiares desde que a atribuição dos mesmos tenha carácter geral;
…”
Relativamente aos seguros de vida, as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente por parte da entidade patronal para contribuições para seguros e operações do ramo Vida, constituindo direitos adquiridos e individualizados dos beneficiários (trabalhadores), são considerados como rendimentos de trabalho dependente, em conformidade com o disposto na subalínea i) do ponto 3, da alínea b) do n.º 3 do art.º 2 do CIRS.

Os direitos adquiridos são, portanto, aqueles cujo exercício não depende da manutenção do vínculo laboral, ou seja, direitos que continuam a ser do colaborador mesmo que venha a cessar a relação laboral entre as partes.

Normalmente, quando existam cláusulas no contrato de seguro que determinam que o beneficiário é exclusivamente o trabalhador e/ou os seus herdeiros, e não a entidade empregadora, essas contribuições efetuadas pela empresa são consideradas como direitos adquiridos e individualizados do trabalhador nesse momento da realização dessas contribuições.

Assim, as importâncias despendidas a título de contribuições para um seguro de vida são tributadas na esfera dos colaboradores como rendimento da categoria A, embora dispensadas de retenção na fonte, pelo facto se de tratar de um rendimento em espécie, de acordo com o estabelecido no art.º 99.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

Todavia, reunida que estejam as condições previstas no art.º 18.º, n.º 1 do EBF, isto é, se as importâncias despendidas pela entidade patronal respeitarem a contratos que garantam exclusivamente o benefício de reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência e desde que sejam observadas, cumulativamente, as condições previstas nas alíneas a), b), d), e) e f) do nº 4 do art.º 43º do Código do IRC (abaixo enunciadas), as contribuições estarão isentas de IRS.
·         Alínea a) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRC: Os benefícios deverão ser estabelecidos para a generalidade dos colaboradores permanentes da empresa;
·         Alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRC: Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objetivo e idêntico para todos os colaboradores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional;
·         Alínea d) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRC: Sejam efetivamente pagos sob a forma de prestação pecuniária mensal vitalícia pelo menos dois terços dos benefícios em caso de reforma, invalidez ou sobrevivência;
·         Alínea e) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRC: As disposições de regime legal da pré-reforma e do regime geral de segurança social sejam acompanhadas, no que se refere à idade e aos titulares do direito às correspondentes prestações, sem prejuízo de regime especial de segurança social, de regime previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de outro regime legal especial, ao caso aplicáveis;
·         Alínea f) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRC: A gestão e disposição das importâncias despendidas não pertençam à própria empresa, os contratos de seguros sejam celebrados com empresas de seguros que possuam sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, ou com empresas de seguros que estejam autorizadas a operar neste território em livre prestação de serviços, e os fundos de pensões ou equiparáveis sejam constituídos de acordo com a legislação nacional ou geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, que estejam autorizadas a aceitar contribuições para planos de pensões de empresas situadas em território português.

Por outro lado, não constituindo direitos adquiridos e individualizados, aquelas importâncias são igualmente rendimentos do trabalho dependente, tributados na esfera do beneficiário (colaborador da empresa) em sede da categoria A, quando sejam objeto de resgate, adiantamento ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade ou sempre que haja qualquer recebimento em capital, conforme subalínea ii) do ponto 3, da alínea b), do n.º 3 do art.º 2º do CIRS.

Sendo este assunto, claramente, uma matéria complexa e com muitas particularidades, resumidamente poderemos referir o seguinte:
a)       Caso as contribuições efetuadas pela entidade patronal, constituam direitos adquiridos para os colaboradores, aquelas serão consideradas como rendimento do trabalho dependente, embora dispensados de retenção na fonte por se tratar de um rendimento em espécie (art.º 99.º, n.º 1, al. a) do CIRS).
Todavia, face à disposição constante no art.º 18º, n.º 1, do EBF, se as contribuições respeitarem a contratos que garantam exclusivamente o benefício de reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência e que observem cumulativamente os requisitos exigidos no artigo 43º, n.º 4, alíneas a), b), d), e) e f), os limites previstos nos n.ºs 2 e 3 e o referido nos n.ºs 5 e 6, todos do mesmo artigo do Código do IRC, aquelas contribuições encontrar-se-ão isentas de IRS;
b)      Caso as contribuições efetuadas pela entidade patronal, constituam meras expetativas para os colaboradores, justifica-se, desde logo, a não tributação das contribuições no momento em que estas sejam efetuadas, desde que observados os critérios estabelecidos no art.º 43.º do CIRC;
c)       Ainda que as contribuições efetuadas pela entidade patronal constituam meras expetativas para os colaboradores, caso sejam objeto de resgate, adiantamento ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, as mesmas serão igualmente consideradas rendimento do trabalho dependente (Categoria A).

Tendo por base a informação transmitida, se não estiverem reunidos os requisitos para a sua consideração como Realizações de utilidade social, os prémios do seguro serão, deste modo, aceites fiscalmente em sede de IRC, por constituírem uma remuneração do trabalho dependente na esfera dos colaboradores ou sócio-gerente, devendo ser mencionados na DMR, por falta de código específico, com o código “A” (não sujeitos a retenção na fonte nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 99º do CIRS, por se tratar de um rendimento em espécie). Desta forma, estes rendimentos serão sujeitos a tributação na esfera pessoal dos colaboradores, aquando da entrega da Modelo 3 de IRS.

Em termos contabilísticos, somos de opinião de que estas despesas deverão ser mencionadas numa conta 63X – Gastos com o pessoal.