IVA - amostras
PT28319 – setembro de 2024
Determinada empresa, sedeada em Portugal, é produtora de calçado e realiza amostras de teste para aprovação dos pedidos por parte dos clientes. Essas amostras não podem ser perfuradas, pois, em alguns casos, são utilizadas para sessões fotográficas.
Para a produção das amostras, a empresa adquire matérias-primas, que são tratadas como compras diretas e não integradas no inventário. Além disso, algumas amostras não são faturadas ao cliente.
Na maioria dos casos, as amostras são faturadas e enviadas a clientes fora da Europa. No entanto, como a empresa, no momento do envio, ainda não determinou o custo final das amostras, estas são enviadas por meio de uma fatura pró-forma, com um valor residual de 1 ou 2 euros. Quando a fatura final é emitida, a empresa não possui o despacho com o valor correto das amostras, o que pode implicar no pagamento de 23 por cento de IVA.
Qual o tratamento fiscal e contabilístico adequado para estas situações?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal da produção e envio de amostras aos clientes.
Face ao exposto na questão começaremos por fazer um breve enquadramento para efeitos de IVA relativamente às amostras.
Em termos de IVA, nos termos do artigo 1.º do Código do IVA (CIVA), estão sujeitas a IVA, entre outras, as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
Neste sentido, refere o artigo 3.º do CIVA que se considera, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Adicionalmente, a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA equipara a transmissões de bens a título oneroso e consequentemente sujeitas a imposto «(...) a afetação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.» (itálicos nossos)
Chama-se, no entanto, a atenção para o conceito de amostras constante da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, segundo a qual «[c]onsideram-se amostras os bens, não destinados a posterior comercialização, de formato ou tamanho diferentes do produto que constitua a unidade de venda ou apresentados em quantidade, capacidade, peso ou medida substancialmente inferiores aos que constituem a unidade de venda que se destinem a apresentar ou promover produtos produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo.»
Acrescenta o n.º 3 do artigo 2.º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, que a distribuição de exemplares de obras ou registos, seja qual for o suporte de produção, não deve exceder em cada ano e em relação a cada um dos beneficiários da transmissão:
- Cinco exemplares de um mesmo registo, quando os destinatários forem estações de rádio ou televisão;
- Um exemplar de uma mesma obra ou registo, nos restantes casos.
A segunda parte da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA estabelece que é assimilada a transmissão onerosa de bens, a transmissão a título gratuito de bens quando, relativamente a esses tais bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto. No entanto, de acordo com a parte final da citada alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, o legislador previu ainda no campo das transmissões de bens e em rigorosa observância do direito comunitário, que as ofertas de pequeno valor, bem como as amostras, em conformidade com os usos comerciais, (pretendendo abranger apenas as relações entre a empresa e os seus clientes), não fossem submetidas a tributação.
Assim, as amostras enviadas aos clientes desde que respeitem a finalidade (fins promocionais) e características do produto já referidas, embora sejam consideradas transmissões de bens nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, estão excluídas de tributação nos termos da primeira parte do n.º 7 da mesma norma, não estando definido legalmente um limite máximo relativamente ao seu valor, já o mesmo não se verifica relativamente às ofertas.
Não respeitando os conceitos de amostras, na medida em que não estejam reunidos os termos e condições do n.º 7 do artigo 3.º e da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, serão assim considerados ofertas, sendo aplicáveis as respetivas regras de tributação.
De acordo com o artigo 3.º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho de 2008, que veio regulamentar o n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, o conceito de oferta é o seguinte:
«1 - A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo ou por bens adquiridos a terceiros.
2 - Quando a oferta seja constituída por um conjunto de bens, o valor de 50 euros, a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, aplica-se a esse conjunto.
3 - Excluem-se do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes.»
Assim, quando as ofertas são constituídas por um conjunto de bens, ou seja, quando a mesma é constituída por vários bens, sejam ou não da mesma natureza, aplica-se (em ambos os casos) o limite dos 50 euros, aos bens ofertados na sua totalidade, e não a cada bem isoladamente.
Sintetizando, relativamente a uma oferta traduzida num conjunto de bens:
- Se o valor do conjunto de bens é superior a 50 euros, e houve dedução do IVA suportado, então na oferta haverá também lugar à liquidação do IVA.
- Se o valor do conjunto de bens é superior a 50 euros, e não houve dedução do IVA suportado, na aquisição ou produção, então na oferta não haverá lugar à liquidação do IVA.
- Se o valor do conjunto de bens é igual ou inferior a 50 euros, e houve dedução do IVA suportado, na oferta não haverá lugar à liquidação do IVA.
Se a oferta excede estes limites e, caso tenha havido a dedução total ou parcial do IVA que onerou os bens oferecidos, podem colocar-se duas hipóteses:
- Regularização a favor do Estado do imposto que foi deduzido (quando tal for possível);
- Liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta.
O IVA liquidado nesta operação não é de repercussão obrigatória, nos termos do n.º 3 do artigo 37.º do CIVA sendo, de facto, o mais comum ser a própria empresa a proceder à respetiva liquidação e pagamento em documento interno, pelo que na fatura a emitir essas ofertas poderão ir com valor zero, no total do valor a pagar.
Saliente-se que a operação deve ser titulada por fatura, pois ainda que a natureza da operação seja de oferta (a fatura terá valor zero), a mesma configura-se como uma transmissão de bens sujeita a IVA para outra entidade (no caso clientes). O IVA é que poderá ser liquidado em documento interno, no caso em que não se pretenda repercuti-lo no cliente.
Caso não tenha havido dedução do imposto suportado a montante, nos bens oferecidos, também não haverá obrigação de regularizar ou liquidar qualquer imposto a favor do Estado, mesmo que seja ultrapassado o valor de 50 euros.
No caso de a "oferta" ser tributada (o valor ultrapassa os 50 euros), e já ter deduzido IVA na sua aquisição ou produção, determina o artigo 16.º, n.º 2, alínea b), que o valor tributável será o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.
Assim, face ao disposto no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, as amostras não estão sujeitas a tributação, assim como as ofertas de pequeno valor.
No caso em concreto, sendo referido que as amostras são enviadas para países fora da comunidade, e salvo melhor opinião, a norma da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, assim como a segunda parte do n.º 7 do artigo 3.º do CIVA só se poderá aplicar nas operações internas, de cada país da Comunidade conforme observamos no artigo 16.º da Diretiva - IVA acima citado (o país da Comunidade, têm as normas de IVA reflexas à nossa).
Porém, apesar de desconhecermos a legislação de determinado país fora da Comunidade (esse país até poderá dispor de uma norma semelhante ao nosso artigo 3.º do CIVA), sabemos que, os serviços aduaneiros, através da Circular n.º 37/2011, de 13 de maio, transmitem-nos que existem situações em que os transmitentes "exportadores" não estão obrigados a emitir fatura, ou seja, poderá ser emitida uma fatura proforma e esta terá caráter definitivo para efeito de suporte de determinadas operações, entre outras, no caso de remessas gratuitas, tais como ofertas, amostras comerciais e artigos publicitários.
Face ao exposto, se for esta a situação, somos da opinião que as amostras comerciais assim como as ofertas gratuitas (aqui não existe a questão do limite dos 50 euros), poderão ser tituladas por uma fatura-proforma que é aceite a título definitivo pelos serviços aduaneiros.
Não podendo tais operações se enquadrarem no conceito anterior (remessas gratuitas), então o sujeito passivo poderá estar a efetuar uma exportação.
As transmissões de bens expedidos para país terceiro, sendo sujeitas a imposto em território nacional, beneficiam, da alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, desde que o sujeito passivo comprove a exportação nos termos do n.º 8 do artigo 29.º do Código deste imposto. Ou seja, esta isenção deverá ser comprovada através dos documentos alfandegários apropriados, em nome e posse do vendedor, e a falta de comprovação determina a obrigação (para o exportador transmitente) de liquidação do IVA correspondente, nos termos do n.º 9 do artigo 29.º do CIVA.
Os valores das exportações que beneficiem de isenção nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do Código deverão ser mencionados no campo 8 do quadro 06 da declaração periódica do IVA, como operações isentas que conferem direito à dedução, sem necessidade de envio de mais qualquer impresso.
Face ao exposto, podemos concluir que se as amostras tiverem como destino um sujeito passivo de IVA sedeado fora da Comunidade (exportações), o envio das amostras para país terceiro é uma operação isenta nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA. A existir não sujeição em IVA por a oferta não ultrapassar um dado valor será à luz das normas fiscais do país de destino.
Contudo, no caso em concreto, nos termos dos números 8 e 9 do artigo 29.º do CIVA, se o sujeito passivo não dispuser dos documentos de suporte que atestem a exportação dos bens, o IVA é exigido à entidade transmitente.
Em termos de IRC temos que, reconhecendo-se que no desenvolvimento da atividade da empresa em causa que é normal e habitual que se entreguem amostras ou efetuem ofertas de bens aos clientes, e estando tais gastos devidamente documentados significa que serão gastos aceites fiscalmente.
Os encargos suportados pela empresa relativos às amostras/ofertas a terceiros, contabilizados como gastos do período, são considerados como dedutíveis ao lucro tributável, desde que visem obter ou garantir a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, conforme previsto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC (vide os números 1, 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC).
A comprovação de que estas ofertas visam obter ou garantir a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC deve ser analisada casuisticamente, através da situação em concreto de cada empresa e do setor de atividade onde se insere.
Por exemplo, se for prática do mercado, o envio de amostras/oferta de bens aos clientes para promoção das vendas das empresas, pode considerar-se que existe o cumprimento de requisitos para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.
No entanto, tal situação carece de comprovação objetiva, podendo-se pôr em causa este cumprimento na sua falta. O CIRC não estabelece qualquer limite de valor para serem consideradas como gasto fiscal, havendo, contudo, necessidade de existir razoabilidade sob pena de tal não cumprir o requisito do artigo 23.º do CIRC.
Em termos contabilísticos, somos do entendimento que a entidade deve contabilizar em contas apropriadas as amostras e as ofertas, registando separadamente os bens que constituem existências próprias (conta 6884 - Ofertas e amostras de inventários) e aqueles que sejam adquiridos a terceiros (conta 6234 - Artigos para oferta).
Assim, se a entidade adquire artigos para oferecer deve contabilizar os gastos com estas ofertas na conta 6234 - Artigos para oferta por contrapartida a crédito da conta 278X - Outros devedores e credores.
Caso a entidade esteja a oferecer artigos dos seus inventários, deve debitar a conta 6884 - Ofertas e amostras de inventários por contrapartida da conta 38x - Regularizações de inventários.
No que respeita ao IVA suportado, pela falta dos documentos alfandegários, caso o mesmo seja posteriormente repercutido ao cliente, este deverá ser reconhecido numa conta de terceiro apropriada. Inversamente, caso seja suportado pela própria entidade, representando um custo, o mesmo deverá ser reconhecido numa conta de gasto do período, por exemplo na conta 681 - Outros gastos - Impostos.
No que se refere à obrigação de emissão de fatura, refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA, que os sujeitos passivos de imposto são obrigados a emitir uma fatura por cada transmissão de bens, conforme conceito definido pelo artigo 3.º do mesmo Código, incluindo-se nesta obrigação as entregas de bens a título gratuito, quando forem consideradas como transmissões de bens nos termos do artigo 3.º do CIVA.
A emissão desta fatura deve cumprir com os requisitos mencionados no artigo 36.º do CIVA, devendo, neste caso, ser emitida com o valor total de zero, por se tratar de uma operação gratuita, com indicação dos beneficiários dos bens e mencionar que se trata de bens doados.
Quando a entrega gratuita dos bens não for considerada como uma transmissão de bens nos termos do n.º 7 do artigo 3.º do CIVA (o valor não ultrapassa os 50 euros), não há a obrigação de emissão de qualquer fatura, podendo essa operação ser titulada através de outro documento que comprove a transmissão da titularidade da propriedade desses bens.
No entanto, havendo emissão de fatura deve indicar o motivo da não liquidação de IVA.