Pareceres
Locação de viatura ligeira de passageiros
17 Fevereiro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

Locação de viatura ligeira de passageiros
PT28336 – outubro de 2024

 

Determinada empresa adquiriu uma viatura ligeira de turismo, através de um contrato leasing. O documento da empresa de leasing, com o plano de pagamento, informa que o capital a amortizar é sem IVA e que, mensalmente, nas rendas liquida IVA sobre a amortização de capital e sobre os juros.
Quando se consulta a centralização de responsabilidades do Banco de Portugal, o valor registado pela empresa de leasing é o valor do capital sem o valor do IVA.
O valor da viatura é de 73 557,24 euros mais IVA, ou seja, 90 mil euros (embora não se tenha qualquer documento).
O documento da empresa de leasing diz que a viatura é financiada pelo valor de 73 577,24 euros.
O plano de pagamento, ao valor de capital e juros, acresce mensalmente o valor do IVA.
Como contabilizar?
- Conta 434 - 73 577,24 euros / 251....
Amortizações anuais de 18 394,31 euros (acrescendo à matéria coletável (18 394,31 - 6 875,00 = 11 519,31 euros)
- Mensalmente com o débito da renda leasing:
Capital - Conta 25
Juros - Conta 69
IVA (que incide sobre capital e juros) - Conta 68

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal, na locação de uma viatura ligeira de passageiros.
Não tendo sido referido qual o normativo contabilístico aplicado pela empresa, a questão será tratada com base das normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF), revistas no Aviso n.º 8 256/2015, de 29 de julho. Em todo o caso, para a situação apresentada, o tratamento contabilístico é comum em todos os normativos.
Uma locação financeira caracteriza-se por reunir alguns dos indicadores que contam da NCRF 9 – Locações, sendo que um desses requisitos é a opção de compra no final do prazo da locação.
A NCRF 9 não traz alterações substanciais à classificação de uma locação como financeira ou operacional, uma vez que os critérios estabelecidos na diretriz contabilística n.º 25/98 são idênticos aos critérios estabelecidos nos parágrafos 7 a 18 da NCRF 9, tendo ambos como base as regras estabelecidas na IAS 17.
Uma locação é classificada como locação financeira se ela transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade económica do item.
Ainda que a propriedade legal do bem se mantenha na esfera da locadora, caso a locação se classifique como uma locação financeira, esta determina que o bem deve ser reconhecido como um ativo no balanço da entidade locatária.
Para se determinar se uma locação pode ser classificada como locação financeira, há que analisar substância da transação e não da forma do contrato. Os parágrafos 10 e 11 da NCRF 9 estabelecem alguns indicadores que possam indicar que uma locação se pode classificar como locação financeira, nomeadamente:
- A locação transfere a propriedade do ativo para o locatário no fim do prazo da locação;
- O locatário tem a opção de comprar o ativo por um preço que se espera que seja suficientemente mais baixo do que o justo valor à data em que a opção se torne exercível tal que, no início da locação, seja razoavelmente certo que a opção será exercida;
- O prazo da locação abrange a maior parte da vida económica do ativo ainda que o título de propriedade não seja transferido;
- No início da locação o valor presente dos pagamentos mínimos da locação ascende a pelo menos, substancialmente, todo o justo valor do ativo locado; e
- Os ativos locados são de uma tal natureza especializada que apenas o locatário os pode usar sem que sejam feitas grandes modificações.
Outros indicadores de situações que individualmente ou em combinação podem também conduzir a que uma locação seja classificada como financeira, são:
- Se o locatário puder cancelar a locação, as perdas do locador associadas ao cancelamento são suportadas pelo locatário;
- Os ganhos ou as perdas da flutuação no justo valor do residual serem do locatário (por exemplo sob a forma de um abatimento na renda que iguale a maior parte dos proventos das vendas no fim da locação); e
- O locatário tem a capacidade de continuar a locação por um segundo período com uma renda que seja substancialmente inferior à renda do mercado.
Se o contrato de locação não cumprir qualquer destes indicadores deve ser classificado como uma locação operacional.
Face à exposição, partimos do pressuposto que todos estes critérios se encontram cumpridos, pelo que, estaremos perante uma locação financeira.
De acordo com o parágrafo 19 da NCRF 9, o reconhecimento e mensuração inicial das locações financeiras, nas demonstrações financeiras dos locatários, deve ser efetuado como ativos e passivos nos seus balanços por quantias iguais ao justo valor da propriedade locada ou, se inferior, ao valor presente dos pagamentos mínimos da locação, cada um determinado no início da locação.
A taxa de desconto a usar no cálculo do valor presente dos pagamentos mínimos da locação é a taxa de juro implícita na locação financeira (no contrato).
O registo contabilístico da locação financeira pode ser:
- Débito da conta 434 - Ativos fixos tangíveis - Equipamento de transporte por contrapartida a crédito da conta 2513 - Locações financeiras, pelo valor do contrato e das despesas iniciais do contrato. A este valor acresce o IVA, caso este não seja dedutível.
Pelos pagamentos das rendas:
Primeira renda (entrada inicial, ainda sem juros):
- Débito da conta 2513 - Locações financeiras, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo pagamento da primeira renda, incluindo as despesas iniciais do contrato (acresce o IVA caso não seja dedutível).
Pelas restantes rendas:
- Débito da conta 2513 - Locações financeiras, pela amortização do capital (acresce IVA caso não seja dedutível);
- Débito da conta 691 - Juros suportados, pelo encargo financeiro, incluindo a respetiva parte de IVA não dedutível;
- Débito da conta 6268 - Outros serviços, pelas despesas da cobrança da renda (se existirem);
- Débito da conta 2432 - IVA dedutível, pelo valor do IVA das rendas (se aplicável);
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor pago.
Há ainda que registar as depreciações referentes à viatura classificada como ativo fixo tangível, uniformemente ao longo do respetivo período de vida útil estimado pela respetiva quantia depreciável.
A depreciação de um bem, como por exemplo de uma viatura ligeira de passageiros, será a imputação aos resultados do período da quantia depreciável de um item do ativo fixo tangível ao longo da sua vida útil.
Na prática, essa quantia depreciável corresponderá à diferença entre o valor de aquisição do ativo e o seu valor residual estimado, sendo este último a quantia que a empresa espera obter da alienação de tal ativo no final da vida útil.
No caso das viaturas ligeiras de passageiros, é possível efetuar uma estimativa fiável do valor residual das viaturas, devido à existência de um mercado ativo para esse tipo de itens.
Por outro lado, a vida útil do item do ativo fixo tangível corresponde ao período ao longo do qual se espera que a empresa use esse ativo.
Desta forma resulta que as depreciações dos itens dos ativos fixos tangíveis são contabilizadas, em cada período, no valor correspondente à sua utilização nesse período, numa base sistemática durante a vida útil, sendo ainda possível utilizar um sistema de duodécimos na sua contabilização, para demonstrar, de uma forma mais equilibrada ao longo do período e desde o mês em que esse ativo começa efetivamente a gerar benefícios para a empresa, essa imputação aos gastos da empresa.

 

Enquadramento em IVA

 

Em sede de IVA, começamos por referir que, nos termos do artigo 19.º do Código do IVA, só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passados em forma legal os que contenham os elementos mencionados no n.º 5 do artigo 36.º e n.º 2 do artigo 40.º.
Por outro lado, determina o n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a) ou nas operações elencadas na alínea b).
De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, é excluído do direito à dedução o IVA suportado com a aquisição, fabrico ou importação, locação, utilização, transformação e reparação de viaturas de turismo, barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos, sempre que a exploração destes bens não constitua objeto da atividade do sujeito passivo - alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA.
Considera-se «viatura de turismo» para efeitos de IVA, qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com caráter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor - alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA.
Contudo, na sequência da reforma da chamada “Fiscalidade Verde”, a Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, procedeu à alteração das normas fiscais ambientais nos setores da energia e emissões, transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade, alterando, para o efeito, o Código do IVA, aditando a alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º.
«f) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC.
g) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas movidas a GPL ou a GNV, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas movidas a GPL ou a GNV, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, na proporção de 50 por cento.»
Nesse sentido, a Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, é clara na delimitação dos limites para o custo de aquisição ou valor de reavaliação das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas para efeitos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC. Assim:
Viaturas adquiridas nos períodos de tributação que se iniciem em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data:
• 37 500 euros relativamente a veículos movidos a gases de petróleo liquefeito (GPL) ou gás natural veicular (GNV);
• 50 000 euros relativamente a veículos híbridos plug-in;
• 62 500 euros relativamente a veículos exclusivamente elétricos.
A informação vinculativa processo n.º 9 577, por despacho de 2015-12-09, vem esclarecer o seguinte enquadramento em termos de IVA no ponto 12 que:
«Assim sendo, tendo em conta o referido no ponto anterior e dado que o IVA é dedutível por força da norma contida na alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA, os limites estabelecidos na Portaria n.º 467/2010, para este efeito, são consideradas com exclusão do IVA», quando este seja dedutível.
Ora, é jurisprudência firmada pelo TJUE que se está perante uma prestação única designadamente no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal.
Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador.
Pode igualmente considerar-se que se está em presença de uma única operação quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única operação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial.
Assim, será preciso ter em conta que a prestação de serviços contratada entre o locatário e o locador engloba várias componentes, não significando, na nossa opinião, que as mesmas devam ser individualizadas do serviço principal, pois tal procedimento resultaria na decomposição artificial da operação.
De referir ainda que o IVA suportado nas manutenções e outros encargos (exceto combustível e energia elétrica) relativa a uma viatura de turismo, ainda que híbrida plug-in ou elétrica, não é dedutível, por enquadramento na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA.
Ressalvamos que a Lei n.º 2/2020, de 31 de março, OE de 2020, aditou a alínea h) ao n.º 2 do artigo 21.º do CIVA, em que passa a ser dedutível o IVA da eletricidade consumida por qualquer veículo elétrico ou híbrido plug-in, independentemente do seu tipo, mas com especial enfoque para as viaturas de turismo, independentemente de o objeto da atividade do sujeito passivo ser, ou não, a venda ou a exploração das mesmas.