Pareceres
Locações
3 Julho 2023
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

Locações
PT27551 – abril de 2023

Determinada empresa de restauração, que aplica o regime para microentidades, no início de 2022 fez um contrato de locação financeira com uma entidade bancária relativo à aquisição de uma viatura ligeira de mercadorias. Neste contrato foi estipulado, pela locadora, um valor residual de 353,31 euros.
As amortizações relativas a esta viatura devem ser efetuadas sobre o valor contratual de 17 665,43 euros ou sobre o valor de 17 312,12 euros, que é o valor contratual deduzido do valor residual de 353,31 euros?
No lançamento inicial relativo ao registo contabilístico do valor contratual em que se debita a 43 por contrapartida da 27, o valor que se leva à conta 43 é meramente o valor contratual ou é este adicionado do valor residual (18 018,74 euros)?

Parecer técnico

O pedido de parecer está relacionado com o tratamento contabilístico da celebração de um contrato de locação financeira sobre uma viatura.
No caso apresentado o valor do contrato é de 17 665,43 euros (acresce IVA), o valor da primeira renda é de 4 074, 02 euros (acresce IVA e valores de portes e comissão), o valor das restantes rendas estimados é de 236,27 euros (acresce IVA) e está estabelecido um valor residual de 353,31 euros (acresce IVA). É também questionado qual o valor depreciável.
A entidade adota a norma contabilística para as microentidades (NC-ME).
Em primeiro lugar, há que verificar se o contrato de arrendamento deve ser classificado como uma locação operacional ou como uma locação financeira.
Uma locação é classificada como locação financeira se ela transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade económica do item.
Para se determinar se uma locação pode ser classificada como locação financeira, há que analisar substância da transação e não da forma do contrato. Os parágrafos 9.2 e 9.3 da NC-ME (ou parágrafos 9.2 e 9.3 da NCRF-PE ou parágrafos 10 e 11 da NCRF 9) estabelecem alguns indicadores que determinam que uma locação se pode classificar como locação financeira, nomeadamente:
- A locação transfere a propriedade do ativo para o locatário no fim do prazo da locação;
- O locatário tem a opção de comprar o ativo por um preço que se espera que seja suficientemente mais baixo do que o justo valor à data em que a opção se torne exercível tal que, no início da locação, seja razoavelmente certo que a opção será exercida;
- O prazo da locação abrange a maior parte da vida económica do ativo ainda que o título de propriedade não seja transferido;
- No início da locação o valor presente dos pagamentos mínimos da locação ascende a pelo menos, substancialmente, todo o justo valor do ativo locado; e
- Os ativos locados são de uma tal natureza especializada que apenas o locatário os pode usar sem que sejam feitas grandes modificações.
Outros indicadores de situações que individualmente, ou em combinação, podem também conduzir a que uma locação seja classificada como financeira são:
- Se o locatário puder cancelar a locação, as perdas do locador associadas ao cancelamento são suportadas pelo locatário;
- Os ganhos ou as perdas da flutuação no justo valor do valor residual serem do locatário (por exemplo sob a forma de um abatimento na renda que iguale a maior parte dos proventos das vendas no fim da locação); e
- O locatário tem a capacidade de continuar a locação por um segundo período com uma renda que seja substancialmente inferior à renda do mercado.
Se o contrato de locação não cumprir qualquer destes indicadores, deve ser classificado como uma locação operacional.
Nos termos do parágrafo 9.4 da NC-ME (ou da NCRF-PE ou da NCRF 9), os exemplos e indicadores referidos acima nem sempre são conclusivos.
Se for claro com base noutras características que a locação não transfere substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à posse, a locação é classificada como locação operacional. Por exemplo, pode ser o caso se a propriedade do ativo se transferir no final da locação mediante um pagamento variável igual ao seu justo valor no momento, ou se existirem rendas contingentes, como resultado das quais o locatário não tem substancialmente todos os riscos e vantagens.
No caso apresentando, o contrato prevê um valor residual. Ora este valor residual constante no contrato diz respeito à opção de compra a exercer pela entidade no final do contrato de locação.
Em termos de reconhecimento inicial, a viatura, deve ser reconhecida, conforme disposto no paragrafo 9.5, isto é, «no início do prazo de locação, os locatários devem reconhecer as locações financeiras como ativos e passivos nos seus balanços por quantias iguais ao valor dos pagamentos mínimos da locação, cada um determinado no início da locação. Quaisquer custos diretos iniciais do locatário são adicionados à quantia reconhecida como ativo.»
Por outro lado, se fossem adotadas as NCRF ou a NCRF-PE, o reconhecimento e mensuração inicial das locações financeiras, nas demonstrações financeiras dos locatários, deve ser efetuado como ativos e passivos nos seus balanços por quantias iguais ao justo valor da propriedade locada (apenas para a NCRF-PE) ou, se inferior, ao valor dos pagamentos mínimos da locação, cada um determinado no início da locação.
O registo contabilístico da locação financeira pode ser:
- Débito da conta 433 - Ativos fixos tangíveis - Equipamento básico por contrapartida a crédito da conta 2513 - Locações financeiras, pelo valor do contrato e das despesas iniciais do contrato (paragrafo 9.6 e 9.7 da NC-ME). No caso apresentado o valor a considerar será o valor de 17 665,43 euros + despesas iniciais do contrato (a estes valores acresce o IVA, caso este não seja dedutível).
Pelos pagamentos das rendas:
Primeira renda (entrada inicial, ainda sem juros):
- Débito da conta 2513 - Locações financeiras por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo pagamento da primeira renda, incluindo as despesas iniciais do contrato. No caso é o valor de 4 074,02 euros (acresce o IVA caso não seja dedutível).
Pelas restantes rendas:
- Débito da conta 2513 - Locações financeiras, pela amortização do capital. Pelo valor de 236,27 euros (acresce IVA caso não seja dedutível);
- Débito da conta 691 - Juros suportados, pelo encargo financeiro, incluindo a respetiva parte de IVA não dedutível;
- Débito da conta 6268 - Outros serviços, pelas despesas da cobrança da renda (se existir);
- Débito da conta 2432 - IVA dedutível, pelo valor do IVA das rendas (se aplicável);
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor pago.
Pelo valor de opção de compra (no final do contrato):
- Débito da conta 2513 - Locações financeiras, pela amortização do capital. Pelo valor de 35,31 (acresce IVA caso não seja dedutível);
- Débito da conta 691 - "Juros suportados", pelo encargo financeiro, incluindo a respetiva parte de IVA não dedutível;
- Débito da conta 6268 - Outros serviços, pelas despesas da cobrança da renda (se existir);
- Débito da conta 2432 - IVA dedutível, pelo valor do IVA das rendas (se aplicável);
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor pago.
Há ainda que registar as depreciações referentes à viatura classificada como ativo fixo tangível, uniformemente ao longo do respetivo período de vida útil estimado pela respetiva quantia depreciável.
A depreciação de um bem, como por exemplo de uma viatura ligeira de passageiros, será a imputação aos resultados do período da quantia depreciável de um item do ativo fixo tangível ao longo da sua vida útil, conforme decorre das definições previstas no capítulo 7 da NC-ME.
Na prática essa quantia depreciável corresponderá à diferença entre o valor de aquisição do ativo e o seu valor residual estimado, sendo este último a quantia que a empresa espera obter da alienação de tal ativo no final da vida útil.
No caso das viaturas ligeiras de passageiros, é possível efetuar uma estimativa fiável do valor residual das viaturas, devido à existência de um mercado ativo para esse tipo de itens.
Por outro lado, a vida útil do item do ativo fixo tangível corresponde ao período ao longo do qual se espera que a empresa use esse ativo.
Desta forma resulta que as depreciações dos itens dos ativos fixos tangíveis são contabilizadas, em cada período, no valor correspondente à sua utilização nesse período, numa base sistemática durante a vida útil, sendo ainda possível utilizar um sistema de duodécimos na sua contabilização, para demonstrar, de uma forma mais equilibrada ao longo do período e desde o mês em que esse ativo começa efetivamente a gerar benefícios para a empresa, essa imputação aos gastos da empresa.
Importa notar que o valor residual de um ativo é a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um ativo, após dedução dos custos de alienação estimados, se o ativo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil.
Desta forma, de sublinhar que não se pode confundir este valor residual com o valor residual constante no contrato de locação. Como já referido anteriormente, o valor residual constante no contrato diz respeito à opção de compra a exercer pela entidade no final do contrato de locação. Já o valor residual a considerar para efeitos de quantia depreciável diz respeito ao valor que a entidade estima vender o ativo a terceiros.
Assim sendo, no caso apresentado, o valor residual constante no contrato de locação financeira (353,31 euros) não deverá ser utilizado como valor residual para efeitos de determinação da quantia depreciável.