PT28330 – Locações
Outubro, 2024
Um sócio é detentor de um equipamento básico e pretende alugar o mesmo à sociedade. Este tipo de aluguer remunerado é legalmente possível? Se sim, qual o seu enquadramento contabilístico e fiscal?
Parecer Técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal, no aluguer de um equipamento básico, por um sócio à sua sociedade.
Começamos por referir que, quaisquer questões do âmbito jurídico encontram-se fora do âmbito do Departamento Técnico da Ordem dos Contabilistas Certificados, devendo ser averiguadas com um profissional da área, nomeadamente, um advogado.
Enquadramento contabilístico
Não tendo sido referido qual o normativo contabilístico aplicado pela empresa, a questão será tratada com base das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF), revistas no Aviso n.º 8256/2015, de 29 de julho. Em todo o caso, para o caso apresentado, o tratamento contabilístico é comum em todos os normativos.
Tratando-se de um contrato de locação de um equipamento, haverá a avaliar a NCRF 9 - Locações, sendo fundamental distinguir se, neste caso, se está perante uma locação financeira ou locação operacional.
O parágrafo 8 da NCRF 9 estabelece que uma locação é classificada como locação financeira se ela transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade, sendo classificada como locação operacional se ela não transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade.
Dado que na maioria das vezes não é fácil estabelecer esta distinção na classificação das locações, a norma estabelece também nos parágrafos 10 e 11 alguns exemplos e indicadores que estarão presentes quando se esteja perante uma locação financeira, previstos no parágrafo 10 da norma:
"10 - A classificação de uma locação como financeira ou operacional depende da substância da transação e não da forma do contrato. Exemplos de situações que podem normalmente conduzir a que uma locação seja classificada como uma locação financeira são:
a) A locação transfere a propriedade do ativo para o locatário no fim do prazo da locação;
b) O locatário tem a opção de comprar o ativo por um preço que se espera que seja suficientemente mais baixo do que o justo valor à data em que a opção se torne exercível tal que, no início da locação, seja razoavelmente certo que a opção será exercida;
c) O prazo da locação abrange a maior parte da vida económica do ativo ainda que o título de propriedade não seja transferido;
d) No início da locação o valor presente dos pagamentos mínimos da locação ascende a pelo menos, substancialmente, todo o justo valor do ativo locado; e
e) Os ativos locados são de uma tal natureza especializada que apenas o locatário os pode usar sem que sejam feitas grandes modificações.".
O parágrafo 11 da norma mais acrescenta que, "[o]s indicadores de situações que individualmente ou em combinação podem também conduzir a que uma locação seja classificada como financeira são:
a) Se o locatário puder cancelar a locação, as perdas do locador associadas ao cancelamento são suportadas pelo locatário;
b) Os ganhos ou as perdas da flutuação no justo valor do residual serem do locatário (por exemplo sob a forma de um abatimento na renda que iguale a maior parte dos proventos das vendas no fim da locação); e
c) O locatário tem a capacidade de continuar a locação por um segundo período com uma renda que seja substancialmente inferior à renda do mercado."
Face ao exposto, aconselhamos que sejam efetuados juízos profissionais e, junto dos órgãos de gestão da entidade, se averigue se estamos perante uma locação financeira ou uma locação operacional, tendo em conta o seu tratamento contabilístico é distinto para cada uma das tipologias.
Se estivermos perante uma locação financeiro, por cumprimento dos requisitos anteriormente mencionados, a forma de tratamento preconizada para estes casos determina que, no início do prazo de locação, os locatários devem reconhecer as locações financeiras como ativos e passivos nos seus balanços por quantias iguais ao justo valor da propriedade locada ou, se inferior, ao valor presente dos pagamentos mínimos da locação, cada um determinado no início da locação, conforme previsto no parágrafo 19 da NCRF 9.
O parágrafo 22 da NCRF 9 estabelece que esses pagamentos mínimos da locação devem ser repartidos entre o encargo financeiro e a redução do passivo pendente, como mensuração subsequente da locação financeira na ótica das demonstrações financeiras da entidade locatária.
O encargo financeiro deve ser imputado a cada período durante o prazo da locação de forma a produzir uma taxa de juro periódica constante sobre o saldo remanescente do passivo.
Na ótica da entidade locatária, os registos contabilísticos corresponderão a um débito da conta 43 - Ativos fixos tangíveis, por contrapartida a crédito da conta 271 - Fornecedores de investimento, pelo custo total do equipamento (líquido do IVA, quando este seja dedutível), procedendo-se, subsequentemente, às respetivas depreciações em função da sua vida útil (tendo em conta, para efeitos fiscais, as disposições do Decreto Regulamentar n.º 25/2009).
A conta 271 irá sendo movimentada aquando dos pagamentos mensais, que terão suporte nas faturas emitidas mensalmente, pela locação do equipamento (onde virá certamente a liquidação do IVA correspondente a esse serviço, bem como dos juros e/ou outros encargos).
Considerando que a informação refletida nas demonstrações financeiras (substância sobre a forma) deverá privilegiar a substância e realidade económica das operações e não meramente com a sua forma legal (parágrafo 35 da Estrutura Conceptual), quando as características do contrato correspondam, em substância, a uma realidade diferente dessa forma legal, tal será adequadamente refletido nas contas, sendo também este o teor subjacente aos princípios da NCRF 9.
Ainda uma nota para a utilização da conta 271 na situação em apreço, já que, em função de uma análise mais próxima das condições do contrato (e na presença de um financiamento efetivo) poderá revelar-se menos adequada do que uma conta 25 - Financiamentos.
O registo contabilístico como locação financeira pode ser:
- Débito da conta 43 - "Ativos fixos tangíveis" por contrapartida a crédito da conta 2513 - "Locações financeiras", pelo valor do contrato e das despesas iniciais do contrato (cf. § 21 da NCRF 9).
Pelos pagamentos das rendas:
Primeira renda (entrada inicial, ainda sem juros):
- Débito da conta 2513 - "Locações financeiras" por contrapartida a crédito da conta 12 - "Depósitos à ordem", pelo pagamento da primeira renda, incluindo as despesas iniciais do contrato.
Pelas restantes rendas e valor de opção de compra:
- Débito da conta 2513 - "Locações financeiras", pela amortização do capital;
- Débito da conta 691 - "Juros suportados", pelo encargo financeiro, incluindo a respetiva parte de IVA não dedutível, se for o caso;
- Débito da conta 6268 - "Outros serviços", pelas despesas da cobrança da renda (se existirem);
- Débito da conta 2432 - "IVA dedutível", pelo valor do IVA das rendas;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12 - "Depósitos à ordem", pelo valor pago.
Por outro lado, se o contrato de locação do equipamento for classificado como uma locação operacional, nas demonstrações financeiras do locatário, as rendas da locação devem ser reconhecidas como um gasto numa base linear durante o prazo da locação, conforme previsto no parágrafo 27 da NCRF 9.
Desta forma, independentemente da forma de pagamento das rendas, há que reconhecer um gasto uniforme ao longo do período da locação, dando cumprimento ao princípio contabilístico de balanceamento entre os benefícios e os gastos.
Os registos contabilísticos podem ser:
Pelo reconhecimento do gasto dos períodos ao longo do contrato de locação numa base linear:
- Débito da conta 6261 - "Rendas e alugueres" por contrapartida a crédito da conta 281 - "Gastos a reconhecer", pelo gasto que corresponder a cada período, atendendo ao princípio do balanceamento entre benefícios e gastos e ao pressuposto do regime do acréscimo.
Pelo pagamento das rendas:
- Débito da conta 281 - "Gastos a reconhecer", pelo valor da renda;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12 - "Depósitos à ordem", pelo valor pago. (sem prejuízo da consideração do IVA e outros impostos).
Enquadramento em IRC
Em sede de IRC, começamos por referir que, para uma entidade pessoa coletiva, a dedução de gastos terá de atender antes de mais ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC, onde são elencados os gastos e perdas que podem ser deduzidos, referindo o seu n.º 1 que na determinação do lucro tributável (regime geral), são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
O artigo 23.º do CIRC dá primazia ao facto do gasto ser efetivamente incorrido no exercício da atividade do sujeito passivo. Neste artigo, são também definidos requisitos mínimos quanto ao tipo de documento suporte da operação, sendo inclusivamente limitada a dedutibilidade fiscal do encargo nos casos em que este deve ser suportado por fatura.
Os gastos dedutíveis e referidos no n.º 2 do artigo 23.º do CIRC devem ser comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
Os gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo na aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados
Acrescenta o n.º 6 do mesmo artigo que "[q]uando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previstos no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma."
Alertamos ainda que, estando perante uma relação comercial realizada entre duas entidades com relações especiais, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, estabelece o n.º 1 do mesmo artigo que:
"1 - Nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis."
Enquadramento em IVA
Começamos por referir que estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA (CIVA):
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
b) As importações de bens;
c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias.
São sujeitos passivos de imposto as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC).
Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, o conceito de prestação de serviços é residual, na medida em que "são consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens".
Assim, o aluguer de um equipamento constitui uma prestação de serviços, nos termos do artigo 4.º do CIVA e, por consequência, sujeita a IVA.
O mecanismo das deduções está previsto nos artigos 19.º a 26.º do Código do IVA (CIVA). No tocante a esta matéria, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA, o sujeito passivo pode deduzir todo o imposto suportado na aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, desde que esses bens e serviços sejam utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isento, bem como as operações mencionadas na alínea b) do número 1 do artigo 20.º do CIVA.
Nos termos do artigo 19.º do Código do IVA, só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passados em forma legal, os que contenham os elementos mencionados no n.º 5 do artigo 36.º e n.º 2 do artigo 40.º.
Por outro lado, determina o n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a) ou nas operações elencadas na alínea b).
O artigo 29.º do Código do IVA estabelece que, para além da obrigação do pagamento do imposto, deve o sujeito passivo emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços.
Esta fatura, nos termos do n.º 1 do artigo 36.º do CIVA, deve ser emitida:
a) O mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º;
b) O mais tardar no 15.º dia do mês seguinte àquele em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º, no caso das prestações intracomunitárias de serviços que sejam tributáveis no território de outro Estado membro em resultado da aplicação do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º;
c) Na data do recebimento, no caso de pagamentos relativos a uma transmissão de bens ou prestação de serviços ainda não efetuada, bem como no caso em que o pagamento coincide com o momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º
As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos (n.º 5 do artigo 36.º do CIVA):
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;
f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.
Deixamos, por fim, a nota de que, admitindo que o sócio em questão se trata de uma pessoa singular, o exercício de uma atividade reiterada, de modo independente, e com carácter de habitualidade, constitui deste um sujeito passivo de IVA e de IRS na categoria B, pelo que, este teria de entregar uma declaração de início de atividade antes de iniciar o exercício da referida atividade e proceder à emissão das faturas que titularão o aluguer do equipamento à sua sociedade.