Pareceres
Tratamento de imparidades
14 Março 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

 

Tratamento de imparidades
PT28371 – novembro de 2024


Determinada empresa adota as normas contabilísticas e de relato financeiro. O entendimento em relação às faturas com mais de seis meses de atraso e em risco de não serem recebidas, é o de que, se não forem consideradas as imparidades no devido momento, o gasto destas imparidades/dívidas fica perdido. No entanto, tomou-se conhecimento de quem não faça as imparidades dos clientes e espere pelos 24 meses após a data de vencimento para nessa altura constituir a imparidade (651/219 e 217/211) pela totalidade da dívida. Assim, não tem de fazer impostos diferidos. É possível este procedimento? Pode não se fazer a imparidade dos clientes de cobrança duvidosa, fazendo só após dois anos, sendo o gasto aceite na mesma?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal do tratamento de imparidades ou dívidas incobráveis de dívidas a receber de clientes.
Em termos contabilísticos, as dívidas a receber, nomeadamente dívidas de clientes, têm o seu tratamento contabilístico previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 27 - Instrumentos financeiros, estando definidas como ativos financeiros (parágrafo 5).
Quanto à mensuração, os ativos financeiros com maturidade definida, ou seja, com um prazo de vencimento definido à partida, devem ser registados ao custo (ou ao custo amortizado) menos perdas por imparidade, conforme previsto no parágrafo 12(a) e 13 da NCRF 27.
Como exemplo de ativos financeiros com maturidade definida, a NCRF 27 refere as dívidas a receber de clientes, que devem ser mensuradas ao custo (ou custo amortizado) menos perdas por imparidade.
O reconhecimento das perdas por imparidade destas dívidas a receber de clientes deve ser avaliada em cada data de relato, ou seja, no final do período contabilístico. No entanto, este reconhecimento de perdas por imparidade apenas deve ser efetuado se existir uma evidência objetiva de um evento de perda, conforme referido no parágrafo 23 da NCRF 27.
Quando existam dúvidas na cobrabilidade de uma dívida a receber de clientes deve ser reconhecida uma perda por imparidade, nos termos referidos de seguida.
O parágrafo 24 da NCRF 27 estabelece alguns tipos de evidências objetivas de eventos de perda para se verificar se existe a necessidade, ou não, do reconhecimento da perda de imparidade, como por exemplo:
• Significativa dificuldade financeira do devedor;
• Não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida no prazo estabelecido contratualmente;
• Probabilidade de o devedor entrar em falência (Insolvência); e
• Outras.
Com a verificação de evidências objetivas da existência destes eventos de perda, a entidade passa a reconhecer a perda por imparidade, reduzindo, ou anulando na totalidade, o valor do ativo.
No caso das dívidas dos clientes, quando exista uma situação de risco de cobrabilidade relacionado com incumprimento dos prazos de vencimento ou outra dificuldade financeira do cliente, a perda de imparidade deve ser reconhecida pela totalidade do valor em dívida, pois esse risco abrange todas as faturas por pagar.
O reconhecimento das perdas por imparidade de dívidas a receber de clientes deve ser sempre efetuado quando se esteja perante os referidos eventos de perda, independentemente da dedução fiscal dessa perda.
No SNC, estes ajustamentos, relativos a perdas por imparidade, passam a ser efetuados diretamente na conta de ativo (na conta 219 - Clientes - Perdas por imparidade acumuladas) por contrapartida de gastos (conta 6511 - Perdas por imparidade - Em dívidas a receber - Clientes), passando esta conta de ativo a estar valorizada pela respetiva quantia escriturada (custo menos qualquer perda por imparidade acumulada).
Quando, e se, deixarem de existir esses eventos de perda, deve ser desreconhecida a referida imparidade, procedendo-se à reversão da perda por imparidade, conforme previsto no parágrafo 28 da NCRF 27 (por exemplo, quando o cliente começar a pagar).
Essa reversão deve ser efetuada através do crédito da conta 76211 - Reversões - De perdas por imparidade
- Em dívidas a receber – Clientes por contrapartida do débito da conta 219 - Clientes - Perdas por imparidade acumuladas), pela reversão (anulação) da perda por imparidade.
Por outro lado, os montantes de dívidas de clientes (ativo financeiro) apenas devem ser desreconhecidos, quando se receberem os referidos montantes ou se de alguma forma se extinguir o direito a receber os valores, por exemplo, por insolvência do devedor, devido a não existirem bens penhoráveis do devedor, ou por outro ato administrativo, legal ou judicial, conforme disposto no parágrafo 30 da NCRF 27.
Sugere-se a consulta à informação vinculativa (Proc. 2014 002462, com despacho do SEAF XXI n.º 97/2016, de 2016-05-12), que contém alguns exemplos de situações que determinam a extinção do direito a receber das dívidas de clientes, e que podem determinar o desreconhecimento desses ativos.
Assim, havendo indícios de incobrabilidade, ou seja, dúvidas na cobrabilidade de uma dívida a receber de clientes, estamos perante dívidas de cobrança duvidosa, pelo que o registo contabilístico deve ser:
Dívida de cobrança duvidosa:
- Débito da conta 217 - Clientes de cobrança duvidosa;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 211 - Clientes c/c, pelo valor total em dívida.
Reconhecimento da perda por imparidade
- Débito da conta 6511 - Perdas por imparidade - Em dívidas a receber - Clientes;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 219 - Perdas por imparidades acumuladas, pelo valor total em dívidas (100%).

 

Procedimento fiscal - IRC

 

Em termos fiscais, o Código do IRC (CIRC) estabelece que as perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes apenas podem ser deduzidas ao lucro tributável nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º e no artigo 36.º ambos do CIRC (para o período de 2013 e anteriores) ou alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-A e no artigo 28.º-B ambos do IRC, para o período de 2014 e seguintes.
Em primeiro lugar, o CIRC estabelece que as perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes apenas podem ser aceites fiscalmente, quando se referirem a créditos resultantes da atividade normal da empresa (por exemplo de créditos de clientes), e que estejam evidenciados na contabilidade como sendo considerados de cobrança duvidosa, nomeadamente, pela transferência das contas correntes (subcontas 211) para a conta 217 - Clientes de cobrança duvidosa.
Adicionalmente, o CIRC estabelece, no seu artigo 28.º-B, que essas perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes apenas podem ser aceites fiscalmente quando o risco de incobrabilidade seja devidamente comprovado, o que acontece nas seguintes condições:
«a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.»
Sendo que, no último caso, em que os créditos estejam em mora, apenas são aceites como perdas para efeitos fiscais as percentagens previstas no n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC, que são estabelecidas em função do tempo da mora do crédito.
A perda por incobrabilidade deve atender às condições estabelecidas no artigo 41.º do CIRC, caso em períodos anteriores não tenha sido admitida a aceitação fiscal das perdas por imparidade ou esta tenha sido insuficiente. Este preceito refere o momento em que tal perda por incobrabilidade é fiscalmente aceite. A este respeito, sugerimos leitura da informação vinculativa com despacho de 2016-05-12 ao processo n.º 2014002462.
Importa deixar aqui uma nota relativamente ao acima exposto: os procedimentos elencados e as normas referidas respeitam à constituição das imparidades/ incobrabilidade verificadas no período de tributação corrente, sendo de ter em consideração que as demonstrações financeiras são elaboradas com base no regime do acréscimo, ou periodização económica (acolhido também em sede de IRC, no artigo 18.º do CIRC), que determina que os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos no momento em que ocorrem e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos.
Na prática, a empresa pode considerar essas perdas por imparidade para efeitos fiscais no período em que em termos contabilísticos considerou existirem as respetivas evidências objetivas relacionadas com o risco de incobrabilidade, tendo por isso reconhecido a perda por imparidade.
No caso exposto, a perda por imparidade poderá ser aceite fiscalmente a 100 por cento, no respetivo período de tributação, se cumprir com as disposições da alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC:
«1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral.»
No caso de não cumprir com nenhuma das alíneas anteriores, o gasto poderá ser aceite nos termos da alínea c) do mesmo número:
«c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.»
Neste caso, devemos atender aos limites impostos no n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC.
«2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses.»
Em termos fiscais, caso a operação se enquadre na alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, o gasto é aceite na totalidade, pelo que, não há lugar a nenhuma correção na declaração Modelo 22.
Caso contrário, deverá ser aplicado a alínea c) do n.º 1 e o n.º 2 do mesmo artigo. Neste caso, o gasto não aceite deverá ser acrescido no campo 718 do quadro 07 da declaração modelo 22.
Face ao exposto, respondendo concretamente às questões colocadas, em termos contabilísticos, o reconhecimento das perdas por imparidade das dívidas a receber de clientes deve ser avaliada em cada data de relato, ou seja, no final do período contabilístico.
Neste sentido, existindo dúvidas na cobrabilidade de uma dívida a receber de clientes deve ser reconhecida uma perda por imparidade, no referido período em que a mesma seja detetada e não ser diferida no tempo.
Com a verificação de evidências objetivas da existência destes eventos de perda, a entidade passa a reconhecer a perda por imparidade, reduzindo, ou anulando na totalidade, o valor do ativo.
Também em termos fiscais, a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, determina que para que os gastos com imparidade sejam aceites, os créditos devem estar em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e devem existir provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento. Ou seja, existindo provas objetivas da mora e diligências para o seu recebimento, é nesse período que o gasto será aceite, com base no tempo decorrido.
Se se optar por reconhecer as perdas por imparidade apenas após decorridos os 24 meses, caso as provas objetivas da mora e respetivas diligências tenham ocorridos em períodos anteriores, o gasto contabilizado nesse período de tributação não será total ou parcialmente aceite.