Ativos intangíveis
PT28380 – novembro de 2024
Determinada empresária em nome individual com contabilidade organizada, cujo ramo é de mediação de seguros (CAE 66220), pretende vender a sua carteira de clientes a uma sociedade de seguros, que irá assinar um contrato de compra e venda de carteira de seguros.
Estando em causa um empresário com contabilidade organizada e uma sociedade, e sendo o assunto ativos intangíveis, de que forma deve a contabilização ser feita? A empresária em nome individual tem de passar uma fatura do valor acordado em contrato?
Parecer técnico
Uma empresária em nome individual com contabilidade organizada, cujo ramo é de mediação de seguros (CAE 66220), pretende vender a sua carteira de clientes a uma sociedade de seguros, que irá assinar um contrato de compra e venda de carteira de seguros.
Neste sentido é questionado o seguinte:
«Estando em causa um empresário com contabilidade organizada e uma sociedade e sendo o assunto ativos intangíveis, de que forma deve a contabilização ser feita?
A empresária em nome individual tem de passar uma fatura do valor acordado em contrato?»
O tratamento contabilístico dos ativos intangíveis está previsto na NCRF 6 - Ativos Intangíveis, que estabelece os critérios de reconhecimento e de mensuração, bem como as informações a serem divulgadas, relativas aos dispêndios associados a este tipo de ativos.
Para que um dispêndio possa ser definido como um ativo intangível, há a necessidade do cumprimento de três condições: identificabilidade, controlo e benefícios económicos futuros.
Um ativo intangível satisfaz a condição de identificabilidade quando este for separável do conjunto da entidade, de modo que possa ser vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, ou então, quando este resultar de direitos contratuais ou legais separáveis da entidade.
Uma entidade controla um ativo se tiver o poder de obter benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível, e possa restringir o acesso de terceiros a esses benefícios. Normalmente, esse poder advém de direitos legais que a empresa possua sobre esse ativo intangível (por exemplo, copyrights).
Os benefícios económicos futuros relacionados com o ativo intangível podem incluir réditos da venda ou prestações de serviços, poupanças de custos ou outros benefícios resultantes do uso desse ativo pela entidade.
No caso dos dispêndios com carteiras de clientes, estes apenas podem cumprir a definição de ativo intangível quando em resultado de direitos legais ou contratuais, a empresa em causa possa manter o controlo do relacionamento com esses clientes ou a sua fidelidade para com a empresa, de forma a garantir que os benefícios económicos futuros relacionados com esses clientes continuem a fluir para a empresa, conforme determina a parte inicial do parágrafo 16 da NCRF 6.
Os meros esforços para criar tais relacionamentos e fidelização com os clientes (se não existirem contratos ou legislação que force a manutenção desses clientes), apesar de poder gerar potenciais benefícios económicos, não determinam que a empresa detenha controlo sobre esses clientes, pelo que não está cumprido um dos elementos da definição como ativo intangível.
A parte final do parágrafo 16 da NCRF 6 estabelece também que, ainda que não existam os direitos legais ou contratuais que protejam e mantenham o relacionamento com os clientes, caso existam operações (transações) de compra e venda frequentes desse tipo de carteiras de clientes tal pode constituir prova de que a empresa está capacitada para controlar os benefícios económicos futuros esperados que fluam dos relacionamentos com os clientes.
Cabe ao órgão de gestão da empresa efetuar julgamentos e juízos de valor sobre a operação em causa, para perceber se, não existindo contratos ou legislação que obrigue os clientes a manter as relações com a empresa adquirente, pela existência de operações de compra e venda de carteiras de clientes que habitualmente são efetuadas, é mais provável do que não, que de esses clientes continuem os seus relacionamentos com a empresa adquirente.
Como critério geral de reconhecimento dos ativos intangíveis, a NCRF 6 estabelece que estes apenas devem ser reconhecidos como tal, quando seja provável que os benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível fluam para a entidade, e quando o custo desse ativo possa ser fiavelmente mensurado.
Em termos de momentos de reconhecimento, bem como de mensuração há que atender às diferentes situações em que se pode estar perante um ativo intangível.
Em relação aos dispêndios com carteiras (ou listas) de clientes, há que considerar as seguintes situações em que se possa, ou não, estar perante um ativo intangível: aquisição separada, aquisição numa concentração empresarial ou ativos gerados internamente.
De referir que a NCRF 6 estabelece as carteiras de clientes como os esforços para criar relacionamentos e fidelizar clientes, para que estes continuem a negociar com a empresa.
Quando uma entidade decide adquirir separadamente uma carteira de clientes, não adquirindo, portanto, o resto do património da empresa, pagando para o efeito um preço estabelecido pelo vendedor por tal recurso intangível, está a prever que esse valor pago irá gerar benefícios económicos futuros para a entidade.
Desta forma, o primeiro critério de reconhecimento de um ativo intangível está sempre cumprido neste tipo de situações, uma vez que a probabilidade de que fluam benefícios económicos futuros para entidade está refletida no custo do ativo intangível, ou seja, no respetivo dispêndio incorrido.
Por outro lado, o custo desse ativo intangível adquirido separadamente da entidade pode ser mensurado com fiabilidade, uma vez que esse custo normalmente está definido em dinheiro ou em outros ativos cedidos, cumprindo, assim, o segundo critério de reconhecimento dos ativos intangíveis.
Em termos de mensuração, o ativo intangível deve ser registado inicialmente pelo seu custo, que inclui o preço de compra líquido de descontos, despesas acessórias e outros custos diretos necessários à preparação do ativo para ser usado pela entidade, ficando, de seguida, sujeito a amortizações e a imparidades.
Conclui-se, desta forma, que se a carteira de clientes for adquirida a uma outra entidade separadamente, ou seja, não seja adquirida em conjunto com o restante património, esta pode eventualmente ser registada pela entidade adquirente como um ativo intangível, uma vez que os critérios de reconhecimento estão em princípio cumpridos.
Face a estes critérios de definição e reconhecimento da carteira de clientes como ativo intangíveis, os respetivos encargos associados à obtenção, detenção e desenvolvimento da carteira de clientes, têm um tratamento contabilístico distinto.
No caso concreto, face aos dados disponibilizados não é possível determinar com segurança, se o dispêndio em causa cumpre a definição de ativo intangível, apesar de cumprir os critérios de reconhecimento como tal, por se tratar de uma aquisição separada.
Assim, o reconhecimento do dispêndio em causa como ativo intangível está dependente do cumprimento da definição como tal.
Tal como explicado acima, o cumprimento da definição de ativo intangível está dependente da existência de direitos legais ou contratuais que possam determinar o controlo da carteira de clientes pela empresa, mediante a manutenção dos relacionamentos dos clientes com a empresa em causa.
Se esses direitos legais ou contratuais existirem, a empresa em causa pode reconhecer tal dispêndio como um ativo intangível.
Nessa contabilização, será debitada a conta 44x - Ativos intangíveis, por contrapartida a crédito do fornecedor de investimento.
Se não existirem, a empresa terá de comprovar objetivamente a existência de controlo sobre essa carteira de clientes, nomeadamente garantindo que habitualmente em transações similares os clientes mantêm o relacionamento com a empresa adquirente, e que dessa forma, está garantido que a empresa consegue manter o controlo sobre a obtenção dos respetivos benefícios económicos futuros sobre os relacionamentos com esses clientes.
Se tal não for possível determinar, o referido dispêndio com a aquisição da carteira de clientes não cumpre a definição de ativo, e deve ser reconhecido como um gasto do período em que for incorrido (conta 688 - Outros gastos).
O reconhecimento do gasto com dispêndio da aquisição da carteira de clientes, que não se qualifique para o reconhecimento como ativo intangível, é efetuado no período em que for incorrido, ou seja, em que se verificou a aquisição, não pode ser diferido para os períodos seguintes.
O diferimento do gasto para períodos seguintes desse dispêndio com a aquisição da carteira implicaria o reconhecimento de um ativo (gasto a reconhecer), mas se tal dispêndio pudesse ser reconhecido como ativo, seria como ativo intangível, e não como gasto a reconhecer.
Se for possível reconhecer o dispêndio como ativo intangível, em termos de amortização, há que avaliar a existência de vida útil finita para determinar a quantia amortizável da carteira de clientes.
Nos termos do parágrafo 92 da NCRF 6, quando a vida útil do ativo intangível dependa de direitos contratuais ou de outros direitos legais, como por exemplo para as carteiras de clientes, a vida útil é definida até ao período prevista para o exercício desses direitos contratuais ou legais.
No caso desses direitos contratuais ou legais de utilização da carteira de clientes forem adquiridos por um prazo limitado que possa ser renovado, a vida útil da carteira de clientes deve incluir esse(s) período(s) de renovação, mas apenas se existir evidência que suporte a renovação pela entidade sem um custo significativo.
O parágrafo 94 da NCRF 6 estabelece orientações para se verificar se existe a capacidade de renovar esses direitos contratuais ou outros direitos legais sem um custo significativo.
Se não for possível determinar com fiabilidade a vida útil da carteira de clientes, tendo uma vida útil indefinida, esse ativo intangível deve ser amortizado em dez anos, conforme o parágrafo 105 da NCRF 6.
Neste caso, o contabilista certificado, em conjunto com o órgão de gestão da entidade, deve efetuar juízos de valor para determinar a vida útil da carteira de clientes, atendendo aos períodos contratuais estabelecidos com os clientes da carteira, à respetiva possibilidade de renovação e à experiência passada de renovações e manutenção da carteira de clientes.
Conclusão: não se verificando aqueles requisitos e efetuado o juízo de valor que, nestas operações tem sempre de se fazer, poderá não ser apropriado o registo como ativo intangível, sendo reconhecido como um gasto, o qual será fiscalmente aceite.
No que se refere à segunda questão, importa analisar se a transmissão do património da atividade empresarial da empresa vendedora para a empresa compradora é considerada como uma operação não tributável em termos de IVA, atendendo a que se está a transmitir uma globalidade de elementos patrimoniais que permitem continuar a exercer uma atividade económica de forma independente.
O n.º 4 do artigo 3.º (bens corpóreos) e o n.º 5 do artigo 4.º (bens incorpóreos) ambos do Código do IVA (CIVA) estabelecem um regime de neutralidade fiscal (não sujeição) para as operações de cessão de estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, desde que sejam cumpridos os requisitos, que a seguir se indicam.
Existem situações em que a transmissão de bens (corpóreos e incorpóreos) pode não estar sujeita a IVA, pois poderá enquadrar-se no n.º 4 do artigo 3.º e o n.º 5 do artigo 4.º ambos do Código do IVA (CIVA), pressupondo que se trata de uma cessão a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da transmissão da totalidade de um património ou de uma parte dele, desde que qualquer dessas situações sejam suscetíveis de constituir um ramo de atividade independente, e quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto dessa operação, um sujeito passivo de IVA.
A simples transmissão de uma carteira de seguros, sem que a mesma seja acompanhada da transmissão de quaisquer outros bens ou direitos, não se verifica a transmissão da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, pelo que nesse cenário, à transmissão não seria de aplicar a não sujeição prevista no n.º 4 do artigo 3.º e no n.º 5 do artigo 4.º, ambos do Código do IVA, pelo que a mesma estaria sujeita a IVA à taxa normal.
Assim, para que se verifique a não sujeição, é necessário que se transmita um estabelecimento, a totalidade de um património, ou uma parte do património que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente.
Ou seja, será assim aplicável este normativo quando se verificarem cumulativamente os seguintes condicionalismos:
- Ocorra uma transmissão definitiva, a título oneroso ou gratuito de uma unidade económica complexa, englobando a cedência dos elementos corpóreos e dos elementos incorpóreos que a constituem (estes últimos, por força do n.º 5 do artigo 4.º do CIVA, considerando que a cedência de direitos é qualificada como prestação de serviços para efeitos de IVA) ou - uma parte de um património, que pelas características que reúne tenha aptidão para o exercício de um ramo de atividade autónoma e independente;
- Que o adquirente já seja, ou venha a ser pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de imposto dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
O regime exposto configura-se como uma delimitação negativa da incidência relativamente a operações de grande complexidade, traduzindo-se numa medida de simplificação administrativa, justificável pelo facto de se verificar a sucessão no exercício da atividade objeto de transferência e por outro lado, por a tributação desta transmissão ser irrelevante ao nível da economia do imposto (considerando que o imposto liquidado pelo transmitente seria de seguida deduzido pelo adquirente), evitando-se deste modo um pré-financiamento por parte do cessionário.
Em última instância, esta exclusão de tributação visa a não criação de obstáculos à realização de operações económicas, de dimensão significativa, comuns na atividade comercial, como sejam o trespasse do estabelecimento comercial, a cisão, fusão ou transferência de sociedades.
O n.º 4 do artigo 3.º do CIVA não abrange as cessões temporárias de um estabelecimento comercial (dado que estas não são consideradas transmissões de bens, mas sim prestações de serviços, nos termos do artigo 4.º do CIVA), nem é aplicável quando o adquirente seja um sujeito passivo isento ou esteja abrangido pelo regime dos pequenos retalhistas, pois num caso e noutro, não pratica quaisquer operações tributadas a jusante.
Terá de estar em causa a transmissão de um conjunto de ativos (e eventualmente passivos) que constituam um património (uma universalidade), com o qual possa ser desenvolvida uma atividade independente da atividade anterior.
Portanto, esta disposição afasta de tributação em IVA, as cessões de um património, mas apenas no caso em que este constitua uma «universalidade», ou seja, uma certa unidade funcional (constituída, por exemplo, pelo imobilizado, existências, carteira de clientes, fornecedores, que sustentam o desenrolar daquela atividade), de modo a proporcionar um ramo de atividade autónomo e independente, e que o adquirente seja, ou venha a ser, pelo ato de aquisição um sujeito passivo do imposto. Apenas se poderá aplicar o disposto naquele artigo quando cumpridas cumulativamente as exigências aí estipuladas.
Doutra forma, a transmissão de bens (ou direitos - vide n.º 5 do artigo 4.º do CIVA) fica sujeita à tributação nos termos normais do CIVA.
Atendendo a todas estas regras, deverá ser efetuada uma análise à operação em causa para se verificar se se poderá cumprir as condições de aplicação do referido n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, ou seja, entre os restantes requisitos, se se está efetivamente a transmitir um ramo de atividade autónomo e independente.
De referir que não bastará existir a transmissão de determinados ativos, seja por venda ou por cedência de posição contratual, para se aplicar o referido regime de neutralidade.
Deixamos ainda referência a um entendimento da Autoridade Tributária que poderá ajudar no enquadramento da operação em análise nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA - informação vinculativa: processo n.º 6 691, por despacho de 2014-05-16, do SDG do IVA, bem com a informação vinculativa: processo n.º 14 570, por despacho de 2019-03-11, relativa à mera transmissão de uma carteira de seguros.
Em resposta à questão em concreto, tratando-se de uma prestação de serviços, sujeita a IVA, a entidade alienante é obrigada a emitir uma fatura por essa transmissão onerosa da carteira de clientes, conforme decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código desse imposto.
A este propósito, aconselhamos a leitura da informação vinculativa processo: n.º 2 195, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do diretor-geral, em 7 de julho de 2011.