PT28567 – IRC / Retenção na fonte
Abril 2025
Uma empresa portuguesa registou-se em Espanha, enquanto não residente. Na qualidade de não residente, abriu uma conta bancária junto de um banco espanhol e contratou um financiamento junto desse do banco. O banco espanhol vai cobrar os juros automaticamente no seu vencimento e diretamente na conta bancária que a empresa portuguesa abriu no referido banco. Neste caso, para efeitos de tributação e retenção na fonte de IRC, qual é considerado o estado fonte dos rendimentos? Os juros de empréstimos bancários enquadram-se nas atividades financeiras referidas no n.º 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC? Podem beneficiar de dispensa de retenção na fonte ao abrigo deste artigo conjugado com o artigo 94.º, n.º 1, alínea g), e artigo 98.º do CIRC?
Parecer Técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal da abertura de uma conta bancária em Espanha, e da obtenção de um empréstimo nessa mesma conta.
No caso é referido que "[u]ma empresa portuguesa registou-se em Espanha, enquanto não residente. Na qualidade de não residente, abriu uma conta bancária junto de um banco espanhol e contratou um financiamento junto desse do banco espanhol.
O banco espanhol vai cobrar os juros, automaticamente no seu vencimento, diretamente na conta bancária que a empresa portuguesa abriu no referido banco."
Previamente à análise das questões colocadas, cumpre desde logo notar que, não obstante a existência de alguma harmonização entre os vários Estados-Membros, a análise das obrigações e possíveis impactos legais e ficais em Espanha, extravasa as competências do consultório técnico, pelo que é necessário que estas sejam validadas junto das Autoridades Fiscais deste país e de um advogado ou jurista.
De acordo com o disposto no artigo 63.º-C da Lei Geral Tributária (LGT), determina, no seu n.º 1 que os sujeitos passivos de IRC estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida.
Acrescentando o n.º 2 deste artigo, que devem, ainda, ser efetuados através da conta ou conta referidas no n.º 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.
Ora, conforme decorre deste artigo 63.º-C da LGT, este não impõe que essa conta bancária esteja localizada num banco nacional, apenas impõe a obrigatoriedade de existência de uma conta bancária afeta exclusivamente à atividade da sociedade.
Fiscalmente, não conhecemos nenhuma norma que proíba realizar tais operações numa instituição estrangeira dado que em termos da União Europeia se pretende a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, e neste sentido surgiram os acordos internacionais.
Face ao exposto, será de concluir que, caso tal abertura de conta seja possível em termos legais, os movimentos efetuados deverão ser refletidos na contabilidade da sociedade.
No que respeita à contabilização dos possíveis juros, notamos que em termos contabilísticos, estando perante gastos referentes à atividade da sociedade devem os mesmos ser reconhecidos na contabilidade do sujeito passivo, e neste sentido sugerimos a leitura da própria definição de "Gastos" (parágrafo 76 a 78) e do seu "Reconhecimento" (parágrafo 92 a 96) e que poderá encontrar na Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística.
Em termos fiscais, o artigo 23.º do Código do IRC (CIRC) impõe que:
"3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
(...)
6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma."
No caso em concreto, tenha-se ainda presente que de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, as entidades não residentes são sujeitos passivos do imposto, incidindo o mesmo, na falta de estabelecimento estável, sobre os rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS, conforme dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º (categoria E, rendimentos de capitais, no caso concreto).
Tratando-se de entidade não residente (banco espanhol sem sede nem direção efetiva em território português, conforme o n.º 3 do artigo 2.º do CIRC, a contrário), estará vinculada ao designado princípio da fonte, plasmado no n.º 2 do artigo 4.º, que determina que o IRC incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.
Ora, de acordo com o disposto na subalínea 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º, tratando-se de (outros) rendimentos de capitais auferidos por não residentes, devidos por uma sociedade residente em território nacional, estarão os mesmos sujeitos a IRC uma vez que se consideram obtidos em território português (o elemento de conexão corresponde ao local da fonte financeira, local da entidade devedora/pagadora dos rendimentos).
De referir que não se verificam os requisitos previstos no n.º 12 e seguintes do artigo 14.º, uma vez que, tudo indica, não se trata de entidades associadas nos termos definidos no normativo referido, o que significa que o rendimento obtido pela entidade bancária está sujeito a IRC e não se encontra isento (ou seja, na prática, não está dispensado, à luz da lei interna, da retenção na fonte a que se fará alusão em seguida).
Por outro lado, dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º que tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte, a qual será efetuada a título definitivo, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo, sendo que, na falta de acionamento da CDT, a taxa de retenção será a prevista no Código e corresponderá a 25%, nos termos do n.º 4 do artigo 87.º, aplicável por força do n.º 5 do artigo 94.º.
Acresce referir que não se aplica a dispensa de retenção na fonte prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º, uma vez que a mesma apenas se aplicaria se se tratasse de juros pagos a um banco português, o que não é o caso.
Resta a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 98.º, que estipula que poderá não haver retenção na fonte (no todo ou em parte, consoante o caso) quando, por força de uma Convenção celebrada por Portugal, o poder tributário não seja atribuído ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Para que tal benefício (dispensa total ou parcial de retenção na fonte) seja concedido, é necessário que sejam cumpridos os formalismos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º, implicando a apresentação do formulário 21-RFI à entidade devedora do rendimento, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que é obrigatório efetuar a retenção na fonte (que corresponde à data limite de entrega dos impostos retidos), ao qual terá de ser anexado o certificado de residência fiscal de modelo em vigor em Espanha.
De referir, ainda, que o formulário terá a validade de um ano, ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 98.º, não se aplicando, a este respeito, o disposto no n.º 4, que prevê um prazo mais alargado, uma vez que o banco espanhol não é nem um banco central nem uma agência governamental (presume-se).
Caso seja acionada a Convenção, nos moldes descritos, a retenção na fonte ascenderá a apenas 15% do valor dos juros, ao abrigo do disposto no artigo 11.º da Convenção, tratando-se de um tipo de rendimento que, tal como os dividendos e as royalties (regulados nos artigos 10.º e 12.º, respetivamente), pode ser tributado nos dois Estados contratantes: no Estado da residência (Espanha, ao abrigo do n.º 1) e também no Estado da fonte (Portugal, ao abrigo do n.º 2), embora neste caso a tributação esteja limitada à taxa prevista na Convenção, que no caso em apreço é de 15% conforme já exposto (competindo à Espanha, enquanto Estado da residência, proceder à eliminação da dupla tributação jurídica, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º da Convenção).
Conclui-se que, caso a Convenção não seja acionada, nos termos e prazo descritos, a retenção na fonte deverá ser efetuada à taxa de 25% prevista no CIRC. Caso a Convenção seja acionada, a retenção na fonte deverá ser efetuada à taxa da Convenção, ou seja, à taxa de 15%, conforme referido.
Note-se que o acionamento da Convenção não permite dispensar a retenção na fonte na totalidade, conforme refere a exponente, mas apenas em parte, ou seja, será apenas uma dispensa parcial que corresponde à diferença entre a taxa do Código (25%) e a taxa da CDT (15%).
Note-se, igualmente, que a retenção na fonte à taxa reduzida, prevista na Convenção, pressupõe a comprovação através do formulário (e certificado de residência, se for o caso, conforme já explicado), sendo que, caso a empresa portuguesa não disponha da documentação, poderá vir a ser-lhe exigido, a si diretamente, enquanto substituto tributário, o imposto não retido (diferença entre a taxa do Código e a taxa da Convenção).
Relembramos que a empresa portuguesa, tendo que proceder a pagamentos a entidade não residente, estará obrigada ao cumprimento de várias obrigações, para além da obrigação principal que se prende com a entrega ao Estado das retenções na fonte efetuadas (no prazo previsto no n.º 6 do artigo 94.º, ou seja, até ao dia 20 do mês seguinte), nomeadamente as seguintes:
- Solicitar um NIF especial (português) para a entidade não residente, caso a mesma ainda não o possua, o qual é atribuído a entidades não residentes que aufiram rendimentos tributados a título definitivo, sendo que tal NIF possui 9 dígitos como normalmente, mas tem a particularidade de o primeiro, no caso de pessoas coletivas, ser um 7 (7XX.XXX.XXX).
- Arquivar o formulário (e o certificado de residência, se for o caso) no dossiê fiscal, pelo prazo de 10 anos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 130.º;
- Entregar a declaração modelo 30, nos termos do disposto do n.º 7 do artigo 119.º do Código do IRS, aplicável ao IRC por força da remissão contida no artigo 128.º do respetivo Código, até ao final do 2.º mês seguinte àquele em que seja obrigatório efetuar a retenção na fonte.
Embora não seja questionado, no que se refere ao imposto do selo (IS), este incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), n.º 1 do artigo 1.º do Código do IS (CIS).
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, são sujeitos passivos as entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações.
No caso de empréstimos intermediados por instituições de crédito (bancos), sociedades financeiras e outras entidades similares, os sujeitos passivos são essas próprias entidades, conforme a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.
Por referência aos empréstimos que não tenham sido intermediados por instituições de crédito (bancos), sociedades financeiras e outras entidades similares, e cujo credor não exerça a atividade económica, o sujeito passivo é a entidade mutuária e não o mutuante, conforme a alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.
A exceção será no caso de se tratar duma entidade não residente, caso em que o sujeito passivo é a entidade mutuária (nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS), o que entendemos ser o caso.
Ou seja, em termos de liquidação do IS, se estiver envolvida uma empresa não residente, a responsabilidade é sempre da empresa portuguesa, a quem compete a liquidação e entrega do imposto nos cofres do Estado, se não for aplicável nenhuma isenção, quando seja concedente do crédito ou quando seja utilizadora do crédito.
De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do CIS, o imposto "(...) incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional." Por sua vez, o artigo 1.º determina a sujeição a este imposto de "(...) todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens."
Os juros relativos a operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras encontram-se previstos na referida tabela, verba 17.2.1. Assim como também se encontra ali prevista a utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, na verba 17.1.
Por outro lado, o n.º 2 do mesmo artigo 4.º do CIS, na sua alínea c), determina a sujeição a imposto dos "(...) juros, as comissões e outras contraprestações cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sedeadas no estrangeiro ou por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sedeadas no território nacional a quaisquer entidades domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável das entidades que intervenham na realização das operações;" e ainda na alínea b) das "(...) operações de crédito realizadas e as garantias prestadas por instituições de crédito, por sociedades financeiras ou por quaisquer outras entidades, independentemente da sua natureza, sediadas no estrangeiro, por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito, de sociedades financeiras, ou quaisquer outras entidades, sediadas em território nacional, a quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável;".
Das citadas normas retiramos que a operação em causa, cobrança de juros relativos a um empréstimo efetuado por uma instituição financeira não residente, bem como a correspondente utilização do crédito, fica sujeita a imposto do selo em território português, na medida em que sejam cobrados a uma entidade domiciliada neste território.
No que toca à responsabilidade pela entrega do imposto, recorde-se que a alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, a atribui à entidade mutuária e devedora dos juros, quando as operações não tenham sido intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, e cujo credor não exerça a atividade, em regime de livre prestação de serviços, no território português, cabendo, por isso, a obrigação da entrega do imposto à entidade portuguesa utilizadora do crédito e dos juros.
Nas operações de crédito (empréstimos), a obrigação tributária considera-se constituída no momento em que forem realizadas essas operações ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês (alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º do CIS).
A Declaração Mensal do IS (DMIS) destina-se ao cumprimento da obrigação prevista no artigo 52.º-A do CIS e deve ser apresentada pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 do artigo 2.º do CIS, ou seus representantes legais, que tenham realizado operações, atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na TGIS, sobre os quais incida imposto do selo.
Esta declaração deve ser sempre apresentada pelos sujeitos passivos, quer estes tenham liquidado imposto, quer só tenham realizado operações isentas. Ou seja, só não existe obrigação de entrega da mesma se relativamente ao período de referência não tiver sido realizada nenhuma operação sujeita a imposto do selo.
Determina, assim, o n.º 1 do artigo 52.º-A do CIS, que os sujeitos passivos referidos no n.º 1 do artigo 2.º do CIS são obrigados a apresentar declaração discriminativa, por verba aplicável da TGIS, com os seguintes dados:
a) O valor tributável das operações e factos sujeitos a imposto do selo;
b) O valor do imposto liquidado, identificando os titulares do encargo;
c) As normas legais ao abrigo das quais foram reconhecidas isenções, identificando os respetivos beneficiários.
A DMIS deve ser entregue e, se aplicável, o correspondente imposto deve ser pago, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (conforme prazos estabelecidos no n.º 2 do artigo 52.º-A e n.º 1 do artigo 44.º, ambos do CIS).
As instruções de preenchimento da DMIS podem ser consultadas no seguinte acesso.
No caso em concreto, cumpre desde logo notar que o IS é devido, no momento do financiamento.